“Sentença de preconceito”: DF registra 66 casos de HIV por mês em 2024
A Secretaria de Saúde (SES) registrou, de janeiro a novembro deste ano, 727 novos casos de HIV e 136 de Aids no Distrito Federal
atualizado
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Catarina*, 35 anos, descobriu que é uma pessoa vivendo com vírus da imunodeficiência humana (HIV) após quase perder o segundo filho, hoje com 10 anos. Por conta de um acompanhamento pré-natal inadequado, a dona de casa passou por duas gestações sem saber que era soropositiva para o vírus da Aids. Como consequência, a mãe transmitiu o HIV para os dois filhos.
“Durante o pré-natal do meu primeiro filho, os profissionais que me acompanharam no posto de saúde não pediram exames de detecção do HIV. Quando eu engravidei de novo, dois anos depois, a criança quase morreu, e aí que eles foram pesquisar pois o bebê estava com diarreia, pneumonia e muito magro. Foi quando eu e os meus filhos tivemos o diagnóstico”, conta ela.
Ao longo das duas gestações, Catarina relata que não apresentou qualquer sintoma. O primogênito também não. “Eu não sabia nada a respeito da doença. Sofri muito com o diagnóstico do HIV. Agora que me recuperei”, diz.
A moradora de Samambaia alega que uma das maiores dificuldades em conviver com o vírus é lidar com o preconceito. “A gente vive a dor nos dois sentidos, tanto no físico quanto no preconceito. Teve uma vez que fui mandada embora de um emprego quando descobriram que eu era soropositiva. Acaba que a gente só aceita e deixa para lá. A família também se distanciou depois que descobriu sobre o vírus”, detalha.
De acordo com Catarina, o segundo filho dela teve complicações graves causadas pelas chamadas doenças oportunistas (que se aproveitam do sistema imunológico frágil da pessoa com HIV para se instalarem), como a toxoplasmose. “Ele perdeu a visão e também não anda e nem fala”, comenta.
Ela e os filhos fazem acompanhamento pela rede pública de saúde e estão atualmente com a carga viral do HIV indetectável. Porém, ainda convivem com alguns problemas de saúde desencadeados pela infecção, como herpes e, no caso dela, osteopenia.
Perfil epidemiológico do HIV/Aids no DF
A Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF) registrou, de janeiro a novembro deste ano, 727 novos casos de HIV e 136 de Aids. Além de 16 óbitos tendo o HIV/Aids como causa básica.
O vírus HIV é transmitido por meio de relações sexuais (vaginal, anal ou oral) desprotegidas (sem camisinha) com pessoa soropositiva, ou seja, que já tem o vírus HIV; pelo compartilhamento de objetos perfuro cortantes contaminados, como agulhas, alicates, etc.; de mãe soropositiva, sem tratamento, para o filho durante a gestação, parto ou amamentação.
A Aids é a doença causada pela infecção do HIV e é caracterizada pelo enfraquecimento do sistema imunológico do corpo e do aparecimento de doenças oportunistas.
De acordo com a gerente de Vigilância das Infecções Sexualmente Transmissíveis da SES-DF, Beatriz Maciel, os números de casos novos de HIV vem se mantendo estáveis nos últimos cinco anos. Além disso, tem sido observada uma redução do número de casos de Aids.
“O ideal é que a pessoa que tem o vírus HIV não desenvolva a Aids. Se desenvolveu, é porque não realizou o tratamento adequado ou não teve acesso. Nós estamos diagnosticando na rede novos casos de HIV, mas as pessoas estão recebendo o tratamento oportuno e não estão desenvolvendo a forma mais avançada da doença”, analisa a gerente.
Atualmente, 92% das pessoas em terapia antirretroviral no DF apresentam carga viral indetectável. O risco de transmissão do HIV, nesses casos, é zero.
Beatriz também sinaliza que há uma redução em ocorrências de transmissão vertical do HIV, da mãe soropositiva, sem tratamento, para o filho durante a gestação, parto ou amamentação. De janeiro a novembro deste ano, nenhum caso foi notificado no DF.
“A mulher com HIV que quer engravidar, se fizer o tratamento adequado, não vai transmitir para o filho. Por outro lado, aquelas mulheres que, por ventura, não têm um diagnóstico prévio e ficam gestantes, elas têm a oportunidade de serem diagnosticadas durante o pré-natal e no momento do parto. Uma vez diagnosticadas, elas vão receber o tratamento, e o bebê, a depender do momento do diagnóstico da mãe, vai receber a profilaxia antirretroviral durante o parto”, detalha.
Em relação aos óbitos de pessoas com HIV/Aids, a servidora da SES-DF alerta a necessidade de investigação desses casos. O coeficiente de mortalidade por Aids no Distrito Federal diminuiu 18,2% em cinco anos.
“A gente percebe que são pessoas em maior vulnerabilidade e idade avançada, que não tiveram acesso ao teste de HIV. Também vemos que o maior número de casos de HIV é em homens, mas são as mulheres que em sua maior parte morrem por Aids, porque descobrem a doença em estágio mais avançado”, pontua.
ONG Vida Positiva
Idealizada por Vicky Tavares, a ONG Vida Positiva, fundada há 18 anos, acolhe crianças, jovens e adolescentes que vivem com o HIV/Aids. A ideia de criar o projeto social surgiu após ela perder um amigo que era soropositivo.
O instituto brasiliense tem como objetivo alcançar estabilidade física e mental dos que vivem e convivem com o HIV/Aids, além de incentivar a superação do preconceito e a inserção na sociedade.
Atualmente, 27 crianças e jovens moram na casa de apoio e quase 300 famílias são assistidas com cestas básicas e roupas. A sede da ONG está localizada na Asa Sul por ficar próximo a hospitais que tratam pacientes com HIV.
Vicky também deixa “vale almoço” nos hospitais. Muitas pessoas que precisam fazer exames não têm dinheiro para se alimentar após o procedimento e pegam um desses tickets.
Segundo Vicky, o maior vírus a ser combatido não é o HIV, e sim o preconceito. É algo que os pacientes lidam diariamente ao serem marginalizados pela sociedade.
“A tendência para a depressão é muito grande. Quando eles chegam aqui, que acabaram de ter o resultado de diagnóstico, você vai ver que não é mais uma sentença de morte, mas é uma sentença de preconceito pelo resto da vida, por isso a importância dessa assistência para eles”, ressalta.
O instituto sobrevive com ajuda da sociedade civil e a venda de uma famosa farofa, batizada de Farofa Solidária. Vicky conta que, devido à crise, teve de usar a criatividade para fazer com que a ONG se tornasse viável.
Quem tiver interesse em ajudar a instituição com doações, o contato pode ser feito por meio do telefone (61) 99942-8970. Para aqueles que ficaram curiosos para comprar a farofa, o Instagram da fábrica é @vovisgourmet.
Onde buscar tratamento:
- Centro Especializado em Doenças Infecciosas (Cedin – antigo Hospital Dia da Asa Sul);
- Policlínicas de Taguatinga, Ceilândia, Planaltina, Paranoá, Gama e Lago Sul;
- Ambulatórios de infectologia dos seguintes hospitais: Hospital de Base, Hospital Regional de Santa Maria (HRSM), Hospital Regional de Sobradinho (HRS) e Hospital Universitário de Brasília (HUB);
- Além desses locais, as unidades básicas de saúde (UBSs) realizam testes rápidos e oferecem preservativos e gel lubrificante durante todo o ano.
(*) nome fictício