Semob apura fraude na gratuidade de deficientes desde 2008
Auditoria aponta cerca de R$ 30 milhões de repasses indevidos a prestadores do transporte. Se confirmado, valor deverá ser restituído
atualizado
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O secretário de Transporte e Mobilidade (Semob), Valter Casimiro, determinou que seja feita uma devassa nos repasses a organizações que operam ou operaram no sistema público de transporte para apurar possíveis irregularidades registradas no uso dos cartões do passe livre destinados a pessoas com deficiência. O objetivo é cobrar ressarcimento aos cofres públicos, caso comprovada alguma fraude.
A sindicância mira em transferências do Governo do Distrito Federal (GDF) feitas desde 2008 para custear o auxílio, mas com enfoque principalmente de 2015 até os dias atuais.
Em valores atualizados, o rombo investigado apenas com benefícios destinados a pessoas com deficiência se aproxima da casa dos R$ 30 milhões. Isso se as fraudes não continuarem ocorrendo.
Pelo valor do montante, uma portaria criando a tomada de contas especial será publicada nos próximos dias no Diário Oficial (DODF) pela pasta. De acordo com a decisão, a comissão será formada por quatro servidores para que, em 60 dias, apresentem relatório com a conclusão dos trabalhos.
A determinação atende também a uma decisão do Tribunal de Contas (TCDF) para que o Executivo local apure as supostas ilegalidades atribuídas ao extinto DFTrans. O órgão foi alvo da operação Trickster, realizada pela Polícia Civil (PCDF) e pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), que investigou um esquema criminoso no qual R$ 1 bilhão teria sido desviado do Sistema de Bilhetagem Automática (SBA).
A nova portaria visa, especificamente, o uso de cartões destinados a pessoas com deficiência, mas que, na prática, teriam beneficiado pessoas não incluídas nessa categoria. O valor do passe livre é custeado pelo GDF, e os auditores apontam repasses indevidos ultrapassaram os R$ 27.423.210,00.
A nova especificação é justificada porque, segundo o TCDF, a Controladoria-Geral não apurou na sindicância irregularidades específicas sobre a gratuidade do segmento.
Após as inúmeras suspeitas no antigo controle da bilhetagem, o governador Ibaneis Rocha (MDB) extinguiu o DFTrans, então responsável pelo sistema, e passou a administração dos benefícios ao Banco Regional de Brasília (BRB)
Auditoria
O sistema de bilhetagem também foi investigado anteriormente pela Controladoria-Geral do DF (CGDF). Entretanto, os técnicos da Corte de Contas avaliaram que a auditoria deixou de considerar as datas de uso dos cartões ao calcular o montante do prejuízo. Ou seja, não atualizou os valores dos pagamentos indevidos, tornando necessário efetuar todo o recálculo.
Segundo o TCDF, a mesma auditoria considerou que os cartões poderiam, por norma legal, serem utilizados até oito vezes por dia e, acima dessa quantidade, considerar como a diferença como prejuízo.
“Apesar da legislação estipular tal limite, foi vastamente comprovado que os cartões foram utilizados de forma comprovadamente irregular tornando o parâmetro utilizado pela auditoria benéfico para o infrator. Dessa forma, somos por considerar a integralidade do uso como prejuízo”, frisou o órgão.
De acordo com o Tribunal de Contas, os controles das catracas é de responsabilidade da empresa contratada e, por isso, os registros indevidos eram de fácil identificação.
“Entendemos que a empresa agiu com dolo ao solicitar os repasses dos valores registrados irregularmente. Dessa forma, somos pela aplicação de juros de mora a partir da data do registro no sistema citado”, recomendou.
Apenas numa das constatações, a auditoria identificou 38.091 ocorrências registradas em 53 datas, gerando pagamentos indevidos, na ordem de R$ 104.821,60, considerando que a legislação permitia um máximo de 8 viagens por dia por usuário. A apuração não incluiu a Sociedade de Transporte de Brasília (TCB) e a Companhia do Metropolitano do DF (Metrô-DF), por serem empresas públicas e pela baixa materialidade encontrada nos documentos investigados.
A reportagem procurou a Associação das Empresas de Transporte e Mobilidade do Distrito Federal (DFmob), mas o grupo preferiu não se manifestar.
Veja o detalhamento das suspeitas:
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Investigações recorrentes
Em outubro de 2019, o Metrópoles revelou que centenas de “zumbis” e “fantasmas” viajaram de graça pela rede de transporte público do DF ao longo de 2017, durante a gestão de Rodrigo Rollemberg (PSB). Segundo auditoria TCDF, o Sistema de Bilhetagem Automática permitiu 285 mil deslocamentos gratuitos para pessoas que já haviam falecido.
“Apurou-se que foram realizadas 285.979 viagens em 2017 por pessoas que receberam gratuidades do Governo do Distrito Federal e cujos CPFs constavam como de falecidas, no Cadastro de Pessoa Física da Receita Federal”, alertaram os auditores.
O corpo técnico da Corte identificou que 479 usuários usavam CPFs dos falecidos para ter acesso ao cartão de gratuidade de forma indevida. Uma das conclusões do estudo é que o sistema “não é confiável”.
A auditoria, batizada como Segurança da Informação no Sistema de Bilhetagem Automática, destrinchou o SBA ao longo de 2017. De acordo com os auditores, o sistema é falho, permitindo fraudes, pagamentos irregulares e desperdício de dinheiro público.
No caso das viagens fantasmas, o TCDF ainda não apurou o prejuízo. Contudo, há valores calculados relativos a outras fraudes. Uma delas foi responsável pelo desembolso indevido de R$ 3,3 milhões em um único cartão entre 21 de dezembro de 2017 e 30 de janeiro de 2018.
Além disso, o descontrole permitiu 1,2 milhão de viagens de ônibus de usuários bloqueados na lista vermelha, em janeiro de 2018. Em razão das irregularidades, a auditoria recomendou que as empresas devolvessem ao Distrito Federal R$ 62,8 milhões pagos em viagens indevidas. Na época da conclusão da auditoria, R$ 1,4 milhão havia sido glosado.