Sem remédio de anemia falciforme, 702 pacientes pedem socorro
A Associação Brasiliense de Pessoas com Doença Falciforme denuncia a falta do medicamento hidroxiuréia, de uso contínuo por pacientes
atualizado
Compartilhar notícia
Pacientes do Distrito Federal que lutam contra a anemia falciforme estão sem a medicação gratuita há mais de um mês. O remédio hidroxiuréia ameniza as crises e dores, causadas pela morte das células da medula óssea. De acordo com a Secretaria de Saúde do DF, há 702 pessoas cadastradas para o recebimento regular da droga na capital federal, mas a Associação Brasiliense de Pessoas com Doença Falciforme (Abradfal) denuncia a falta do remédio com frequência na Farmácia de Alto Custo.
Menino com doença falciforme recebe transfusão de sangue após campanha
Acostumada com a falta da medicação, Andreia Ferreira, 41 anos, faz estoque para o filho não ficar sem o remédio . A moradora de Ceilândia contou ao Metrópoles que Carlos Eduardo Ferreira Santos, 16, tem crises de dor e fica com a imunidade baixa quando não toma a hidroxiuréia. O jovem teve de retirar a vesícula e o baço e sofre de necrose no fêmur devido à doença.
“Antes, eu conseguia juntar alguns comprimidos do remédio em casa, para usar quando faltasse. Hoje, sei que não vou conseguir mais estocar, pois Carlos passou a tomar a dose máxima e não sobra nada. Ele tem muita dor nas juntas e quando tem crise, precisa internar”, explica.
Para ter mais qualidade de vida, o jovem toma três comprimidos por dia, o que dá três caixas ao mês. Na rede privada, o remédio custa, em média, R$ 300. As famílias dizem que, geralmente, precisam desembolsar cerca de R$ 900 mensais com o produto.
Segundo a Abradfal, mais de 1.560 pessoas sofrem com a doença no DF. A anemia falciforme é uma enfermidade genética, caracterizada pela alteração no formato dos glóbulos vermelhos, que ficam com uma forma semelhante a uma foice ou meia lua. A doença causa dores nos ossos e articulações, porque o oxigênio chega em menor quantidade, principalmente nas extremidades, como mãos e pés.
Anemia falciforme: Dalva, a 1ª pessoa no DF a fazer transplante
“Dores horríveis”
O coordenador-geral da Abradfal, Elvis Silva Magalhães, 55, teve anemia falciforme e passou pelo transplante de medula óssea, em 2005. Mesmo curado, o homem ficou com sequelas e também precisou transplantar o fígado. Desde então, o ativista tem cobrado o GDF para a responsabilidade com as medicações.
“São medicações de uso contínuo que o paciente não pode ficar sem tomar. É um descaso total, e nós sempre cobramos as autoridades, mas tem estado cada vez mais difícil de resolver. A medicação evita que o paciente, com a imunidade baixa, tenha que ir ao hospital em plena pandemia”, explica.
O problema também afeta a professora Rozalli Moreira da Silva, 31 anos. A mulher tem dois filhos com anemia falciforme e diz que, muitas vezes, recebe doações do remédio, por não ter condições de comprar. Ela conta que em 2021, passou sete meses sem o medicamento, pois estava em falta no SUS e no início de 2022, também ficou sem. Os filhos Miguel Moreira, 8 anos, e Rafael Moreira, 1 ano, têm dores no corpo e passam por transfusões todo mês.
“O remédio sempre está em falta. Quando tem, dura um mês. Quando acaba, ficamos dois ou três meses sem. É uma luta. Vejo meus filhos perdendo qualidade de vida e sendo internados por conta das dores horríveis que sentem”, pontua.
Internações e transfusões
Nessa terça-feira (29/3), o Metrópoles divulgou a campanha do pequeno Miguel Chausse Brasileiro de Cerqueira, 10 anos. A criança precisava de transfusão sanguínea de urgência e não tinha doadores compatíveis com ele no banco de sangue. De acordo com a mãe de Miguel, Rebeca Chausse Brasileiro, 40, cerca de 90 pessoas doaram sangue para salvar a vida do filho.
Miguel tem anemia falciforme e precisou ficar internado em uma unidade de terapia intensiva (UTI) outras 19 vezes. “É uma doença cruel. Ele já precisou de transfusões de sangue várias vezes e nem sempre tem o tipo sanguíneo dele. Ele tem fenotipagem rara, por causa da falciforme, e nem todos os doadores são compatíveis”, lamenta.
A mãe de Carlos Eduardo passa pelos mesmos momentos de apreensão quando precisa de doação sanguínea para o filho. A analista em tecnologia e informação conta que também fez diversas campanhas para o filho, mas, muitas vezes, as pessoas não voltam para doar novamente.
“É uma vida inteira de lutas. Já fizemos várias campanhas. As pessoas doam, mas não se torna rotina e por isso falta sangue novamente. Eles precisam de transfusão quase todo mês. Me sinto impotente e faria de tudo para mudar essa situação, mas não depende de mim”, cometa.
O que diz a Saúde
A Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF) confirmou que o medicamento está em falta na rede pública. A pasta informou que a empresa fornecedora ainda não entregou a remessa no remédio, mas que a chegada está prevista para início deste mês.
Com relação ao estoque do Hemocentro de Brasília, a fundação explicou que, caso não haja hemocomponentes suficientes e compatíveis para pacientes da rede pública de saúde do DF, o Ministério da Saúde é acionado para que haja remanejamento de bolsa entre unidades da Federação, conforme prevê o Plano Nacional de Contingência do Sangue.
Além disso, desde o início de 2022, as reservas do Hemocentro – único banco de sangue público do DF – estão em níveis inferiores aos considerados seguros. A média de doações não tem sido suficiente para alcançar os níveis de segurança. “No início deste mês, os estoques de sangue estavam 40% menores em relação a março de 2020, quando a Organização Mundial de Saúde declarou a pandemia do novo coronavírus e houve a decretação de lockdown no Distrito Federal”, pontuou.
Quer ficar ligado em tudo o que rola no quadradinho? Siga o perfil do Metrópoles DF no Instagram.