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Sem pediatras, famílias enfrentam martírio por atendimento no DF

Com déficit de profissionais em torno de 38%, crianças doentes são obrigadas a esperar muito para serem avaliadas por médicos

atualizado

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Hugo Barreto / Metrópoles
Pediatras falta
1 de 1 Pediatras falta - Foto: Hugo Barreto / Metrópoles

O choro alto das gêmeas Evelyn e Adrielle, de 1 ano, ecoava no pronto-socorro do Hospital Regional de Taguatinga (HRT). Eram exatamente 10h45 da manhã de quinta-feira (22/11), quando a mãe, Girlene Lopes, 39 anos, tentava acalentar as filhas. Sem entender que não seriam atendidas tão cedo, as duas expressaram descontentamento, pois estavam com febre, tosse e catarro. Girlene, que já havia passado pela Unidade Básica de Saúde 9 de Ceilândia, desistiu de esperar no meio da tarde.

Enquanto as gêmeas aguardavam, Isaac, de 2 anos, vomitava do lado de fora da sala, acompanhado do pai. “Vou esperar até ele ser atendido, não vou arriscar”, disse Nelson Teixeira da Rocha, 33. À tarde, a família “jogou a toalha” e procurou uma clínica particular.

Pais de primeira viagem, Carolina Silva Coimbra, 16, e Guilherme Pinheiro Viana, 21, moram em Ceilândia, mas foram ao HRT acreditando que encontrariam facilmente o atendimento para a pequena Manuela, de 8 meses, que estava com febre. Impaciente, o casal também preferiu tirar dinheiro do bolso para que um médico particular avaliasse a bebê. “Infelizmente, muitos não têm condições de pagar pelo atendimento”, disse a adolescente.

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Carolina Silva Coimbra, 16 anos, e Guilherme Pinheiro Viana, 21, com a bebê Manuela, de 8 meses
Mães e pais aguardavam para saber se seriam atendidos no HRT
Duas pediatras estavam na escala de atendimento
Bebê chegou para atendimento de emergência
Atendimento ficou restrito a casos "urgentíssimos"
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Gêmeas Evellyn e Adrielle, com a mãe, Girlene, e a irmã mais velha

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Carolina Silva Coimbra, 16 anos, e Guilherme Pinheiro Viana, 21, com a bebê Manuela, de 8 meses

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Mães e pais aguardavam para saber se seriam atendidos no HRT

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Duas pediatras estavam na escala de atendimento

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Bebê chegou para atendimento de emergência

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Atendimento ficou restrito a casos "urgentíssimos"

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Isaac, de 3 anos, com o pai, Nelson Teixeira, de 33 anos

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Na triagem, Evelyn, Adrielle, Isaac e Manuela receberam classificação “urgente” para atendimento. Nesses casos, o tempo máximo de espera deveria ser de até uma hora, conforme informações divulgadas pela Secretaria de Saúde do DF em seu portal institucional. No entanto, a realidade é que mães e pais passam horas no hospital com os filhos, sem nenhuma garantia de atendimento ou informações. Muitos precisam justificar a ausência no trabalho ou, como autônomos, perdem a renda do dia.

O sistema não funciona porque, entre outras razões, faltam médicos. Atualmente, há 567 pediatras ativos no quadro da Secretaria de Saúde, com cargas horárias de 20 ou 40 horas semanais. Para atender as crianças do DF, seriam necessários 920 profissionais trabalhando 20 horas por semana, o que representa um déficit aproximado de 38%. As informações são da própria pasta.

Na escala de atendimento, o número é ainda mais reduzido, de acordo com dados do portal Siga Brasília. Na última semana, uma média de 220 pediatras estavam escalados para trabalhar no período matutino, de segunda a quinta-feira. O número cai à tarde e ainda mais à noite, devido ao encerramento de serviços. Sexta, sábado e domingo também há menos profissionais trabalhando.

Nos prontos-socorros, são aproximadamente 25 pediatras atendendo de segunda a quinta durante a manhã, com diminuição ao longo do dia, para dar conta de toda demanda do DF. Na sexta-feira (23) e no sábado (24), a escala varia com 12 a 15 profissionais. No domingo (25), o número é de 14 a 17 pediatras.

A Secretaria de Saúde disse haver mais médicos disponíveis no período matutino por causa da rotina dos pacientes. No fim de semana, quando não há atendimento ambulatorial, o ideal seria manter o quadro sem redução nos prontos-socorros e enfermarias.

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Classificação de risco na triagem dos prontos-socorros
Déficit aproximado de profissionais nas pediatras no DF chega a 38%
Apesar de haver atendimento pediátrico na maioria dos hospitais, cenário é precário
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Escala de pediatras para atendimento nas áreas mais procuradas

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Classificação de risco na triagem dos prontos-socorros

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Déficit aproximado de profissionais nas pediatras no DF chega a 38%

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Apesar de haver atendimento pediátrico na maioria dos hospitais, cenário é precário

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Situação se repete nos hospitais
Aos 3 meses, Lara Sofia estava com um chiado no peito enquanto aguardava ser avaliada no colo da mãe, Priscila dos Santos, 29 anos. Depois de esperar a noite toda, a mulher não teve previsão de quando a criança poderia receber o diagnóstico. Apenas uma pediatra estava na escala.  

Nem mesmo a triagem estava sendo feita no Hospital Regional de Ceilândia (HRC), segundo os funcionários. O atendimento era por ordem de chegada e as fichas dos pacientes eram feitas no setor de ginecologia.

Antes de ir ao pronto-socorro, Priscila esteve na Unidade Básica de Saúde (UBS) 12 de Ceilândia, onde foi orientada por uma enfermeira a buscar atendimento de urgência. “Está péssimo. Ninguém sabe quando vão atender. Estou preocupada porque ela é muito novinha”, desabafou a mãe.

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Débora Ingrid Messias, 19 anos, a filha Celícia, de 6 meses, e o pai, Fabrício de Oliveira Curado, 21
Sem triagem, pais buscam informações a todo momento
Ao fundo, a mãe Raelma Dourado, 35 anos; a filha Letícia, 6 , e o pai, Tailson de Sousa, 28
Pronto-socorro de Ceilândia não tinha triagem na quinta-feira (22/11)
Pronto-socorro de pediatria no HRC
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Priscila dos Santos, de 29 anos, com Lara Sofia, de 3 meses

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Débora Ingrid Messias, 19 anos, a filha Celícia, de 6 meses, e o pai, Fabrício de Oliveira Curado, 21

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Sem triagem, pais buscam informações a todo momento

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Ao fundo, a mãe Raelma Dourado, 35 anos; a filha Letícia, 6 , e o pai, Tailson de Sousa, 28

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Pronto-socorro de Ceilândia não tinha triagem na quinta-feira (22/11)

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Pronto-socorro de pediatria no HRC

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A caixa Raelma Dourado, 35 anos, chegou por volta das 10h no Hospital Regional de Ceilândia (HRC) com a filha Letícia, 6. O primeiro local procurado foi a UBS de Sol Nascente, onde não havia médico. A menina estava com febre, diarreia e vômito. O atendimento só veio por volta das 15h.

Quando precisamos levar a Letícia ao médico, o coração dói. A gente já vem com medo, constrangido. Eu me sinto a menor pessoa do mundo quando minha filha adoece

Raelma Dourado, mãe

Para acompanhar a menina, Raelma e o pai, o açougueiro Tailson de Sousa, 28, não trabalharam. “Vou perder um dia de trabalho porque eles não aceitam atestado de comparecimento”, contou Tailson.

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Regina Costa, 43 anos, com o filho Thiago, de 1 ano e 4 meses
Pacientes aguardando atendimento pediátrico no pronto-socorro do HRSM, antes da pandemia
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Ao fundo, Greyce Kelly Rego, 27 anos, com a filha Laura, 3

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Regina Costa, 43 anos, com o filho Thiago, de 1 ano e 4 meses

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Pacientes aguardando atendimento pediátrico no pronto-socorro do HRSM, antes da pandemia

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No Hospital Regional de Santa Maria (HRSM), duas pediatras estavam atendendo na parte da manhã. Um funcionário da recepção informou à reportagem que havia cerca de 17 crianças esperando passar pela triagem. Contando com aquelas que aguardavam atendimento, o número subia para 40.

Moradora do Gama, a dona de casa Greyce Kelly Rego, 27 anos, levou a filha Laura, 3. A criança passou pela triagem de manhã, momento em que o termômetro marcava 39ºC de febre.

“Uma vez cheguei aqui às 20h e só fui atendida às 3h da madrugada. A saúde pública está precária. Tem que contar com Deus, porque com a sorte não dá mais. Dá vontade de pagar particular e fazer dívida, mas não tem como”, reclamou a mãe. “Quero ir embora”, disse a menina, chorosa.

Depois de ser atendida, às 16h, Laura precisou ficar mais duas horas esperando o resultado de um exame.

Falta de assistência no início da vida
Pouco antes de parir Analu, a dona de casa Abadia Pereira de Sousa, 29 anos, teve atendimento negado no Hospital Regional de Santa Maria (HRSM), no dia 14 de novembro, por ser moradora de Valparaíso de Goiás (GO). A bebê teve de nascer um pouco mais longe de casa, no Hospital Regional do Gama (HRG).

Mãe e bebê tinham alta prevista para sexta-feira daquela semana (16), mas só puderam voltar para casa no domingo (18). O atraso ocorreu porque não havia sequer um pediatra no hospital para autorizar a saída. 

Os dias no hospital não foram nada agradáveis. A água do chuveiro era fria e a lâmpada do banheiro ficou queimada durante toda a estada da mãe. No sábado (17), faltou água durante duas horas. “Eu estava doida para voltar para casa. Fiquei estressada, o meu leite não descia. A gente precisava usar a lanterna do celular no banheiro”, relatou Abadia.

O pai, Alverci Ribeiro de Souza, 29 anos, chegou a passar a noite em pé, por não haver cadeiras para descansar. A filha mais velha do casal, Luísa, 8, ficou em casa com a avó aguardando o retorno dos pais. “Todo dia eu chorava”, disse a menina.

Alverci relatou que precisou brigar para que a direção providenciasse um médico. “Todos do corredor estavam na mesma situação. As pessoas ficam muito permissivas. Se você não gritar, você não consegue”, lamentou.

A Secretaria de Saúde informou que os dois pediatras em escala no Gama apresentaram atestados médicos e, devido ao feriado do Dia da Proclamação da República, não foi possível fazer substituição.

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Analu nasceu no dia 14 de novembro, véspera do feriado do Dia da Proclamação da República
Casa da família, em Valparaíso de Goiás
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Depois de passar sufoco no hospital, Abadia Pereira de Sousa está em casa com com Analu, o marido, Alverci, e a filha mais velha, Luísa

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Analu nasceu no dia 14 de novembro, véspera do feriado do Dia da Proclamação da República

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Casa da família, em Valparaíso de Goiás

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Pediatras “fogem” da rede pública
A diretora do Sindicato dos Médicos (Sindmédico-DF), Adriana Graziano, afirmou que o desfalque no quadro de pediatras acontece há anos. “A escala de trabalho tem vários buracos e há uma sobrecarga muito grande nos médicos. São poucos lugares em que há profissionais disponíveis”, disse. 

A maioria dos hospitais do DF possui atendimento pediátrico. De acordo com a Secretaria de Saúde, o serviço não é oferecido em nenhum dia apenas no Hospital Regional do Gama (HRG) e no Instituto Hospital de Base. Mas, apesar disso, o cenário é crítico em todos que atendem, seja no Plano Piloto ou nas regiões administrativas. “Os dias mudam, mas acontece em todos os hospitais”, ressaltou a sindicalista, que também é pediatra.

No governo Rollemberg, essa desestruturação foi degringolando. Muitos pacientes buscam o pronto-socorro porque, muitas vezes, é o único local em que eles conseguem ter acesso ao médico. É onde eles buscam, de forma desesperada, uma solução para o problema. O governo precisa investir em estrutura de tudo. Estrutura física, humana e da rede

Adriana Graziano, pediatra e diretora do Sindmédico-DF

A subsecretária de Assistência Integral à Saúde do DF, Marta Vieira, admite que faltam pediatras. “Encontramos dificuldades na fixação dos médicos. A gente faz concursos, a gente nomeia, mas, depois de um tempo, eles pedem exoneração. Há, sim, um déficit, assim como em todos os lugares do Brasil. Sabemos que o atendimento em emergências, principalmente em hospitais públicos, é pesado”, justificou.

Neste ano, 208 pediatras aprovados em concurso público foram chamados no DF. Ainda há 83 profissionais aguardando convocação, o que não será mais possível na atual gestão por questões orçamentárias.

O futuro da saúde
Procurado pelo Metrópoles, o próximo governo, o de Ibaneis Rocha (MDB), afirmou que ainda está estudando dados do Ministério da Saúde e da Secretaria de Saúde para determinar as carências de cada área.

“Enquanto esse levantamento não for concluído, não é possível fazer qualquer tipo de previsão”, diz a nota enviada.

O próximo governo reafirmou o compromisso de reequipar as equipes do Saúde em Casa e das unidades de atendimento da rede e disse que todos os aprovados em concursos anteriores serão chamados para suprir a demanda prevista.

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