Pacientes do DF têm alta hospitalar suspensa por falhas na rede
Falta de contrato que garanta cilindros de oxigênio levados em casa e incapacidade de acompanhar a demanda geram espera e desconforto
atualizado
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Pacientes da rede pública de saúde do Distrito Federal estão deixando de receber atendimento domiciliar. Seja pela falta de contrato que garanta cilindros de oxigênio em casa, seja pela incapacidade de a rede de assistência acompanhar a grande demanda, formou-se na capital uma fila de espera com mais de 150 pessoas.
Raimundo Lemos de Andrade (foto em destaque), 90 anos, aguarda há um mês que o Núcleo de Atenção Domiciliar (Nrad) de Taguatinga o atenda. Ele ficou internado por causa de penfigóide, doença autoimune que causa bolhas no corpo, e recebeu alta do Hospital Regional do Guará em 27 de janeiro. Desde então, a filha dele, Hélida Lemos, 53, busca atendimento.
Ela esteve no núcleo no dia 28. “Disseram que podiam até me cadastrar, mas havia idosos na fila há mais de seis meses que ainda não foram atendidos. Dizem que não tem carro e motorista para fazer o deslocamento dos médicos”, relata. Na unidade, são 25 pessoas na fila de espera.
Desde então, Hélida faz ligações semanais ao Nrad, e a resposta é a mesma. “Nas últimas vezes, ninguém atendeu mais. Meu pai, além da doença autoimune, tem Parkinson, lesões na região sacral e algumas escaras que precisam ser cuidadas”, explica.
Veja a situação de Raimundo:
Professora, ela diz não ter condições de custear um home care particular para o pai nem pagar todas os médicos necessários para visitá-lo em casa. “Seria mais de R$ 2 mil por mês. Não tem como. Eu consigo pagar o geriatra, fazer os curativos, mas o fonoaudiólogo, que também precisa, eu não estou pagando”, lamenta.
A maior tristeza de Hélida é ver o pai, pioneiro de Brasília, ser esquecido pela cidade que ele ajudou a construir. “Ele trabalhou na Novacap [Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil], chegou aqui em 1959, sempre foi um trabalhador exemplar… E recebe isso de volta”, queixa-se.
De alta, mas no hospital
Elionai de Melo Araújo, 82, ainda não conseguiu sair do Hospital de Base do DF, onde está internada desde o início de janeiro. Ela deu entrada no local após quebrar o fêmur e algumas costelas ao cair. Acabou infectada pela Covid-19 depois de ser atendida no pronto-socorro. Foi necessário esperar duas semanas até que a cirurgia fosse feita.
A recuperação de Elionai progrediu bem, e ela chegou a receber alta, mas a infecção pelo coronavírus levou a outro problema. “Depois de três dias em casa, ela começou a sentir muita dificuldade de respirar, e a saturação de oxigênio dela baixou para 70%. Teve de voltar para o hospital”, conta a neta Desiree Calvis, 27.
A idosa até poderia voltar para casa, mas um problema no Programa de Oxigenoterapia Domiciliar (POD), da Secretaria de Saúde do DF, faz com que pelo menos outros 127 pacientes estejam na mesma situação. Todos aguardam que cilindros de oxigênio sejam disponibilizados para uso em casa.
“Eu não tenho condições de alugar por conta própria um desses por mês. Estou terminando minha faculdade de museologia e quem me ajuda a cuidar dela é meu irmão, que está desempregado. Minha avó recebe aposentadoria de um salário mínimo. Como vamos pagar algo que custa R$ 800 por mês?”, questiona Desiree.
Pressão da Defensoria Pública do DF
A fila de pacientes para receber oxigenoterapia é antiga. Em julho de 2020, o Metrópoles revelou que a antiga prestadora desse serviço rompeu o contrato com a Secretaria de Saúde, deixando 155 pacientes desassistidos.
A Defensoria Pública do DF (DPDF) entrou com uma ação na Justiça, na qual conseguiu que um contrato emergencial fosse firmado à época. Em novembro, no entanto, o acordo expirou, e a pasta não tomou nova providência.
Como explica o coordenador do Núcleo de Saúde da DPDF, Ramiro Sant’ana, houve uma falha na programação da Saúde. “Enquanto o contrato emergencial estava vigente, eles deveriam ter providenciado o processo regular. Isso não aconteceu, e a fila voltou a aumentar”, resume.
Para garantir que o atendimento se normalize, o Núcleo entrou com uma ação, pedindo que a Saúde voltasse a realizar o atendimento pelo POD. Isso não aconteceu e, agora, um novo processo solicita o cumprimento de sentença da Justiça. “O juiz determinou, nesta semana, que a secretaria normalize a situação em até 10 dias”, conta Ramiro.
Além do problema de pacientes que não recebem oxigênio para o tratamento em domicílio, há outros riscos envolvidos. “Boa parte dessas pessoas está internada nos hospitais apenas aguardando essa regularização. Isso as deixa expostas à Covid-19 e a outras doenças, além de ocupar a vaga de outro paciente que esteja precisando”, pontua o coordenador da DPDF.
Veja o processo movido pela DPDF:
O que diz a Saúde
Segundo a Secretaria de Saúde, há fila para idosos receberem atendimento apenas no Nrad da Região Sudoeste, composta por Taguatinga, Samambaia, Recanto das Emas, Vicente Pires e Águas Claras.
“No total, 26 pacientes aguardam a inclusão no serviço. A superintendência da região trabalha para ampliar o número de atendimentos e acabar com a demanda reprimida”, informa a pasta.
A secretaria ressalta que, nesse caso, “o paciente tem assegurado o atendimento domiciliar pela equipe da Estratégia Saúde da Família da região. A família do paciente deve ir à unidade básica de saúde mais próxima da residência, onde a equipe da Atenção Primária providenciará o cadastro para iniciar o fornecimento de fraldas e outros itens, além da vacinação contra Covid-19, em casa”.
Em relação ao contrato para o Programa de Oxigenoterapia Domiciliar (POD), a pasta disse que “aguarda a assinatura do contrato emergencial pela empresa contratada, que estava previsto para a última sexta-feira, 26”.
A demora na contratação, segundo a Secretaria de Saúde, “se deu por divergência na pesquisa de preços, o que exigiu a reinstrução do processo, para que todas as ações ocorressem dentro dos limites da Lei. Além do contrato emergencial, está em estágio avançado a contratação do serviço de forma regular. A publicação do edital de contratação ocorrerá em breve”.