Sem festa e abraço de avô: como foi o 1º ano dos bebês da pandemia
Em um ano de vida, nenéns tiveram pouco contato com familiares e com outras crianças. Psicóloga aponta ações para minimizar prejuízo afetivo
atualizado
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O primeiro ano de vida de uma criança é marcado por descobertas, desenvolvimento e construção das primeiras relações sociais. Com a pandemia do novo coronavírus, porém, bebês que vieram ao mundo em 2020 logo encontraram empecilhos para a formação de laços afetivos. A dificuldade de interação ocorre até mesmo com parentes, que muitas vezes ainda não tiveram a oportunidade de conhecer pessoalmente o novo membro da família.
Segundo a Secretaria de Saúde do Distrito Federal, 52.158 crianças nasceram em hospitais da capital em 2020. O brasiliense Isaac Monteiro, de 1 ano e 1 mês, foi um deles.
O bebê veio ao mundo no dia 8 de março do ano passado, exatamente um dia depois da confirmação do primeiro caso de Covid-19 em Brasília. Primeiro filho de Flávia Monteiro da Rocha (foto em destaque), 21, o pequeno não convive com outras crianças em casa e teve pouco contato com os avós neste período.
“Aqui em casa somos só eu, minha mãe e ele. Quando nasceu, o Isaac viu o pai poucas vezes, porque ficamos com medo da pandemia e priorizávamos a videochamada. A minha avó, por exemplo, levou sete meses para ele conhecer”, relata Flávia.
A jovem é estudante de direito e também faz estágio. Na pandemia, com demandas da maternidade, dos estudos e do home office, a responsabilidade tem sido multiplicada. “Por um lado, ter aulas remotas tem sido bom para eu conseguir ficar em casa com ele. Mas é muito difícil conciliar tudo”, desabafa.
Após meses de isolamento, a expectativa de Flávia para 2021 era conseguir fazer uma festa para celebrar o primeiro ano de Isaac, mas isso também não foi possível. “O pai dele comprou um bolinho e cantamos parabéns, só a gente e os avós. O restante da família mandou felicitações por mensagem”, lembra.
Hoje, Flávia busca diferentes alternativas para incentivar o desenvolvimento do pequeno. “A minha sorte é que eu moro em casa e minha mãe é pedagoga. Ela tem uma criatividade enorme para desenvolver brincadeiras e inovar sem precisar sair de casa. Nós pintamos quadrinhos com ele, brincamos na piscina, fazemos o possível”, comenta.
Distante da família
Uma situação parecida é vivida por Ana Lyz Machado Parreira, 31 anos. Em 2020, ela também foi mãe pela primeira vez e ainda precisa lidar com desafios na criação do pequeno Rafael Parreira Schwantes, de 1 ano e 1 mês. “Ele nasceu em 24 de fevereiro, dias antes do primeiro caso de Covid no país. Até hoje não conhece nenhuma criança”, diz.
Foram nove meses de planos e expectativas que tiveram de ser mudados. Para ajudar nos primeiros dias de vida de Rafael, a mãe de Ana saiu de Palmas (TO) para Brasília, no início do ano passado. A ideia era ficar apenas um mês. Com a rápida disseminação do vírus no país, porém, a avó do bebê não retornou para casa e segue morando no DF até hoje.
Em um ano, Rafael teve contato apenas com os avós paternos e a avó materna. Os sogros de Ana vivem no Mato Grosso, mas chegaram a comprar uma residência em Brasília para, de vez em quando, verem o neto.
Outra dificuldade enfrentada pelos pais neste período tem sido cuidar da saúde do neném. “Como ele não usa máscara ainda, temos muito medo. Então, fazemos as consultas on-line. Nós mesmos fazemos as medidas dele e passamos para a médica”, pontua.
Ana, que mora em um apartamento, percebe que o filho sente falta de interações sociais. Sem muito espaço dentro de casa para o garotinho correr, os pais buscam passear com Rafael em locais abertos, pelo menos uma vez por semana.
“Ele fica gritando na janela, acenando para os cachorros. A gente até comprou um vaso de terra para ele brincar na varanda”, afirma Ana, com risadas. “Sentimos muita falta dele brincar com outras crianças”, completa.
Laços afetivos
Em 30 de abril de 2020, o servidor público Adovaldo Dias de Medeiros Filho, 38, teve a terceira filha. A alguns dias de completar o primeiro ano de vida, Carolina Medeiros também não pôde ser mimada por muitos parentes.
Por ter duas irmãs, de 4 e 7 anos, a bebê ainda consegue brincar e ter momentos com outras crianças. Apesar disso, ao comparar os primeiros meses de Carolina com os das outras filhas, o pai nota diferenças no comportamento da caçula.
“A interação é outra. Quando é necessário sair de casa, ela parece que tem uma alegria a mais. As outras cresceram com maior liberdade, enquanto ela encontrou com a família pouquíssimas vezes”, assinala.
Em dezembro do ano passado, a mãe de Adovaldo faleceu, em decorrência de complicações da Covid-19. “É triste que eu possa contar nos dedos as vezes que minha mãe viu a Carolina”, lamenta ele.
Para estreitar os laços da pequena com o avô, Adovaldo busca manter uma frequência de chamadas por vídeo. “Quando ela vê o meu pai, fica muito ligada nele”, comenta.
“De vez em quando, ele manda um bilhete para a gente. Uma vez, ele enviou uns doces e até assinou a cartinha. Ficou todo feliz que mandou presentes para a netinha. Isso foi algo que me marcou muito”, conta.
Alternativas
A ideia de enviar presentes ou outras coisas com valor simbólico é uma forma de estabelecer conexões e fazer a criança entender mais sobre a família. É o que explica Gabriela Mietto, psicóloga especializada na primeira infância.
A professora de psicologia da Universidade de Brasília (UnB) pontua que, neste momento de pandemia, há prejuízos – tanto para as crianças, quanto para os responsáveis. “Ao ter um filho, é importante que os pais tenham uma rede de apoio. Mas, com a necessidade de distanciamento social, essa rede fica comprometida. Então, os pais estão mais solitários.”
Gabriela descreve algumas ações que os pais podem realizar para minimizar estes problemas. Em especial, a psicóloga destaca passeios ao ar livre e atos que desenvolvam memórias afetivas na criança. “É importante que a família passeie em locais abertos, com todos os cuidados e seguindo as recomendações de distanciamento”, ressalta.
“Também existem rituais que podem trazer a presença de familiares de uma maneira simbólica, por meio de narrativas, memórias. Tem avós que mandam algum presente para o neto, para ele saber que foi a vovó que mandou. Os pais também podem lembrar da história daquelas pessoas, por meio de fotografias, cartas”, exemplifica.
“Explicar ao bebê: ‘essa é sua avó, esse é seu tio’ é algo que vai unindo laços. É um equívoco achar que isso só deve ser passado só para crianças mais velhas, porque essas são coisas que a gente vai construindo a cada dia”, reforça. “É um período em que temos de ser mais criativos para tornar essa vivência mais tranquila e armar uma rede de apoio diferenciada”, conclui Gabriela.