Sem espaço adequado para hemodiálise, pacientes ocupam leitos de UTIs
Permanência prolongada coloca em risco a saúde, além de impedir o acesso dos leitos para quem precisa e aumenta o gasto público
atualizado
Compartilhar notícia
Sem vagas para hemodiálise ambulatorial, pacientes são forçados a permanecer em leitos das unidades de terapia intensivo (UTIs) com suporte de diálise, na rede de saúde pública do Distrito Federal. Mesmo em fora de perigo ou em condições de alta, ficam nos leitos para não ficarem sem o tratamento de filtragem e limpeza do sangue.
Segundo a Defensoria Pública do DF (DPDF), a permanência prolongada coloca em risco a saúde dos pacientes, pois ficam expostos a infecções hospitalares e também impede o acesso aos leitos para outros em estado grave. Ou seja, a situação causa um congestionamento no fluxo de acolhimento.
Tradicionalmente, a rede pública contrata hospitais privados para atender a demanda de pacientes. Segundo a Secretaria de Saúde, a diária de um leito de UTI com hemodiálise na rede contratada custa, em média, R$ 5 mil. Por isso, para a defensoria, a internação prolongada também leva ao desperdício de dinheiro público.
Infecção e complicações
A internação prolongada prejudicou gravemente a saúde da dona de casa Elza Oliveira Araponga (foto em destaque), de 52 anos. Após a infecção por Covid-19, ela desenvolveu complicações, como um edema pulmonar, redução da capacidade de funcionamento dos rins para apenas 6%. Passou a sofrer de síndrome cardiorrenal.
A dona de casa buscou atendimento na Unidade Pronto Atendimento (UPA) do Recanto das Emas. Foi então transferida para um leito de UTI com hemodiálise em um hospital particular contratado em Ceilândia. Segundo a família, há aproximadamente 56 dias, dona Elza ficou bem e deveria ser transferida para um leito de enfermaria.
“Mas mesmo com a ordem judicial, ela ficou na UTI. Acabou contraindo uma bactéria no sangue, infecção urinária. Precisou de remédios e ficou em estado de psicose. Minha mãe precisou de alimentação por sonda. A boca dela ficou ferida. E a imunidade baixou e ela ainda desenvolveu a Síndrome de Sjögren”, contou a filha de Elza, Hanna Bárbara Oliveira dos Santos, 30 anos, jornalista.
Segundo Hanna, Elza enfrentou 15 dias até recuperar a consciência. Há 7 dias, a dona de casa recebeu alta novamente. E, mais uma vez, segundo a família, a rede pública teria informado que não havia leito de enfermaria ou ambulatorial para transferir a dona de casa.
“O médico falou que inclusive ela já está com o risco de infecção novamente. Ela já começou a ter uma recaída de novo”, afirmou. Segundo Hanna, a equipe médica tomou providências para evitar a entrada de uma nova bactéria no sangue da paciente. Mas o quadro é preocupante.
Descaso absurdo
“É um descaso com a saúde. Não é só com a minha mãe, pois muitas outras pessoas também estão aguardando transferência. E além disso, elas estão ocupando vagas de UTI que deveriam estar sendo usadas por outras pessoas que precisam realmente estar ali”, desabafou Hanna.
O Metrópoles conversou com familiares de um paciente renal em situação semelhante no Hospital Regional do Gama (HRG). Parentes pediram para o nome dele ser preservado. “Ele já recebeu a alta da UTI e poderia estar em casa. E continua lá, com risco de pegar uma infecção. Para mim, isso é um absurdo”, contou uma familiar.
Defensoria
A pedido de famílias, o defensor público Ramiro Nóbrega Sant’Ana tem entrado com ações judiciais a fim de garantir a transferência com a continuidade de tratamento de diálise de pacientes internados em UTIs. Pelo diagnóstico dele, a situação é alarmante.
“A falta de vagas para hemodiálise ambulatorial tem conduzido à manutenção de pacientes renais crônicos internados. Permanecem hospitalizados, com riscos para sua saúde, tão somente para manter as sessões de hemodiálise. A consequência é a enfermaria lotada que não abre vagas para novos pacientes, inclusive para efetivar a alta daqueles pacientes que estão em leitos de UTI e apresentaram melhora clínica”, alertou.
“Enquanto isso, pacientes em situações agudas e urgentes, não conseguem leitos de UTI com suporte de diálise, pois os leitos estão ocupados por pacientes com alta médica já sinalizada. Esse efeito cascata tem prejudicado a dinâmica do atendimento hospitalar e a saúde e bem-estar dos paciente”, completou.
Saúde
A Secretaria de Saúde argumentou que conta com oito clínicas de hemodiálise conveniadas. Juntas oferecem 925 vagas de hemodiálise e 421 vagas de diálise peritoneal. Recentemente, a pasta assinou contrato para ampliar a oferta com mais 186 vagas para diálise.
“É importante ressaltar que os direcionamentos de vagas de hemodiálise são administradas pela Central de Regulação conforme disponibilização de vagas informadas pelas unidades executantes, seguindo critérios específicos, que variam de acordo com o estado de saúde de cada paciente”, destacou a pasta, em nota.
“A Saúde esclarece que, pontualmente, um paciente que recebe alta de UTI, mas que ainda precisa de diálise, pode aguardar um tempo maior para remoção, pois há necessidade de vaga em leitos de enfermaria com diálise para receber esse paciente”, complementou a secretaria.
Segundo a pasta, além do HRG, o suporte dialítico é ofertado no Hospital Regional de Taguatinga (HRT); Hospital Regional de Sobradinho (HRS), além dos hospitais de Base e Regional de Santa Maria, administrados pelo Iges.
De janeiro a maio de 2022, foram registradas 649 autorizações de internação de pacientes com diagnóstico de insuficiência renal crônica. Neste mesmo período, foram realizados 72.187 procedimentos de tratamento de pacientes com o referido diagnóstico.