Vigilância Sanitária inspeciona empresas que fazem marmitas para presídios do DF
Ações foram motivadas após detentos do DF denunciarem a má qualidade das refeições servidas. Alguns chegam a chamar a comida de “lavagem”
atualizado
Compartilhar notícia
Os recorrentes problemas verificados nos serviços de alimentação dos presidiários do Distrito Federal motivaram uma batida da Vigilância Sanitária nas três empresas que detêm os contratos: Cial, Nutriz e Confederal/Confere. Os fiscais verificaram as condições de produção, armazenamento e transporte da comida, na ação iniciada após uma série de denúncias. Familiares dos presos reclamam que as quentinhas chegam às unidades azedas, com mau cheiro e sem itens previstos em contrato, como a carne, por exemplo. Há relatos de detentos que chegam a comer produtos estragados e passar mal.
O primeiro relatório já foi concluído e apresentou problemas na temperatura e no transporte da comida realizado pela empresa Confederal/Confere, responsável pelo contrato do Centro de Progressão Penitenciária (CPP) e da Penitenciária Feminina do Distrito Federal (PFDF). Em uma batida feita em em 28 de março, foi verificado “que as marmitas de alumínio estavam chegando amassadas” e que “a temperatura estava abaixo do recomendado”, diz o documento da Vigilância Sanitária.
No entanto, nem a visita dos fiscais foi suficiente para as empresas adequarem o modo de operação ao que está firmado no contrato com o GDF. A Cial, a Nutriz e a Confederal/Confere, que de 2014 a 2019 terão recebido R$ 200 milhões dos cofres públicos, continuam servindo refeições incompatíveis com os valores desembolsados pelo governo.
O valor prevê o fornecimento de quatro refeições diárias a 15,3 mil detentos do Sistema Prisional do DF. A Cial é a que embolsa a maior fatia: R$ 91,8 milhões. A Nutriz vem em segundo lugar, com R$ 71,6 milhões, seguida pela Confederal/Confere, com R$ 31,2 milhões.
Um mês e meio depois da inspeção, o Metrópoles ouviu familiares de detentos na entrada da Papuda e verificou que as reclamações eram frequentes. Os relatos iam desde que a carne era trocada por nuggets até as denúncias de que itens como queijo e presunto, previstos para o lanche da noite, não eram servidos com o pão, conforme preveem os contratos milionários.
O GDF paga, mas não leva
Além do queijo e do presunto, está previsto o fornecimento de suco ou achocolatado em refeições como o café da manhã e o lanche da noite. No entanto, as informações são de que a quantidade desses produtos não corresponde ao previsto pelo preço acertado entre o governo e a empresas. Somente no Bloco 5, Ala B, do Centro de Detenção Provisória (CDP), deveriam ser entregues por dia 176 caixinhas de suco para atender 44 detentos. Mas são distribuídas apenas 80.
Ao deixar de entregar mais da metade das caixinhas de bebida, por exemplo, os fornecedores fazem no montante uma economia milionária. Rotina de irregularidade denunciada há anos pelos presos, cuja a responsabilidade de fiscalizar é da Subsecretaria do Sistema Penitenciário do Distrito Federal (Sesipe). Mas, ao longo dos últimos anos, o órgão tem feito vista grossa para os problemas.
Com a omissão da subsecretaria, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) passou a investigar a Cial, a Nutriz e a Confere/Confederal. Os promotores querem saber o motivo de o alimento que chega aos presídios ser diferente do que está acertado legalmente com o governo.
Nova vistoria 30 dias após notificação
Com toda a pressão para sanar as irregularidades, a Sesipe, vinculada à Secretaria da Segurança Pública e da Paz Social, solicitou à Vigilância Sanitária as vistorias nas cozinhas das três empresas que fornecem alimentos para o Sistema Penitenciário do DF.
Agora, a Confederal tem até 15 de junho para se adequar às determinações da Vigilância. Depois desse prazo, a empresa passará por nova vistoria. O mesmo vai acontecer com a Cial e a Nutriz. Assim que o relatório for divulgado e elas notificadas, receberão nova visita em 30 dias.
O gerente da Diretoria de Vigilância Sanitária do Distrito Federal (Divisa-DF), André Godoy, já havia conversado com a reportagem sobre as vistorias. Ele informou que existe um programa de inspeção periódica no sistema prisional. “Conseguimos resolver muitos problemas, reformamos cozinhas, mas essas questões de controle de temperatura, de procedimentos padronizados ainda precisam ser melhoradas”, reconheceu.
Caso de polícia
As “quentinhas” servidas no sistema carcerário do Brasil tornaram-se um “negócio” bilionário. As maneiras de burlar o sistema também. Ações policiais e do Ministério Público revelaram um cardápio de irregularidades em carceragens de Minas Gerais, Goiás e Rio de Janeiro, estado alvo da Operação Ratatouille, deflagrada na última quinta-feira (1°/6).
O caso é um desdobramento da Lava Jato e levou à prisão um fornecedor de merenda escolar e de alimentação para presídios: o empresário Marco Antônio de Luca.
Marco Antônio teria pago pelo menos R$ 12,5 milhões em propina para pessoas ligadas ao ex-governador Sérgio Cabral (PMDB). O objetivo era assegurar os contratos com o governo fluminense. Segundo a PF, ele é ligado às empresas de alimentos Masan e Milano. Juntas, elas receberam, entre 2011 e 2017, R$ 7 bilhões do estado para prestar os serviços de alimentação.
Curiosamente, as refeições feitas pelas empresas de Luca são as servidas para o ex-governador Sérgio Cabral, preso desde novembro do ano passado por desvios milionários de recursos públicos.
Laranja com Pequi
A diferença entre o preço do menu e a fatura apresentada ao contribuinte motivou uma investida policial em Minas Gerais, onde quatro pessoas foram presas em 2012. Segundo investigações da Operação Laranja com Pequi, foi montado um esquema no estado para favorecer a empresa Stillus, de Alvimar de Oliveira Costa. Alvimar é irmão do senador Zezé Perrella (PMDB-MG).
A Stillus foi acusada de superfaturar quentinhas servidas nas penitenciárias. A investigação apontou que uma das formas de a empresa lucrar por fora era pelo fornecimento de alimentação de baixa qualidade. A fraude, em valores da época, estava estimada em R$ 166 milhões.
R$ 2 bilhões bloqueados
De 2012 para cá, outras ações do gênero foram conduzidas pelas forças policiais e pelo Ministério Público no país. Em Goiás, por exemplo, um escândalo recente envolveu um grupo de 10 pessoas e dois empreendimentos, todos relacionados com o contraventor Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira.
Em 22 de maio do ano passado, a Justiça determinou o bloqueio de R$ 2 bilhões dos envolvidos em um esquema de fraudes na contratação de empresas para o fornecimento de refeições no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia.
A reportagem tentou entrar em contato com as três empresas, nesta sexta-feira, mas ninguém atendeu nos telefones disponibilizados na internet.