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Famílias de presos são obrigadas a arcar com dívidas de drogas compradas dentro das cadeias do DF

Mãe relata drama de filhos viciados que correm risco de morrer caso não paguem traficantes que atuam dentro das penitenciárias. Relatório sigiloso detalha como funciona comércio de entorpecentes em celas, corredores e até nos pátios durante as visitas semanais

atualizado

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Michael Melo/Metrópoles
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1 de 1 droga, papuda, comércio - Foto: Michael Melo/Metrópoles

Rentável, seguro e com uma clientela fiel. O tráfico de drogas no interior dos presídios do Distrito Federal é um modelo de negócio de sucesso, embora ocorra atrás das grades, em áreas de entrada controlada e teoricamente bem monitoradas. É o que revela um relatório sigiloso obtido pelo Metrópoles,  guardado na Gerência de Coleta e Análise de Dados (Gecad), órgão de inteligência vinculado à Subsecretaria do Sistema Penitenciário (Sesipe). Como em qualquer relação de consumo, o comércio da droga segue um “código de conduta”. As dívidas contraídas dentro da cadeia são cobradas com rigor. Quem deve tem que pagar. Se não, corre risco de morte. Por isso, em muitos casos, a conta acaba sendo honrada pelas famílias dos detentos.

Traficantes e usuários, caso sejam flagrados, não informam a origem da mercadoria e nem a sua propriedade. O relatório detalha como funciona o comércio das drogas em celas, corredores, e até nos pátios onde os presos tomam o banho de sol. O estoque de entorpecentes, na maioria das vezes, é reposto durante as visitas semanais.

Cocaína, maconha, crack e comprimidos de roupinol – medicamento controlado que pode provocar alucinações e é muito utilizado no golpe do “boa noite cinderela” –, abastecem os viciados em todos os seis presídios do DF – quatro deles no Complexo Penitenciário da Papuda.

Os dias de pagamento são marcados pelos traficantes, geralmente nas visitas. Se a conta não é honrada, os juros disparam. “Já houve casos em que um interno devia R$ 15 mil para um traficante. A família teve que se virar para arrumar o dinheiro”, revela a fonte ligada ao sistema prisional. Uma dívida de R$ 1 mil pode se tornar R$ 3 mil da noite para o dia, dependendo do humor do traficante. “Entre uma visita e outra, os valores podem alcançar cifras astronômicas”, conta uma fonte ligada ao sistema penitenciário ouvida pela reportagem.

Geralmente de família humilde, os usuários mais vorazes não têm escolha quando a dívida dispara e não há meios de quitá-la. Eles precisam “bater na lata”, como diz a gíria do cárcere. Batendo nas grades, o preso precisa ser transferido pelos agentes para o “seguro” – área de isolamento onde ficam presos ameaçados de morte no sistema, como é o caso dos criminosos sexuais.

Prisão sem grades
Ana (foto) tem 58 anos, e viveu os últimos 20 entre idas e vindas à Papuda. Seu filho é dependente químico e usa drogas dentro do presídio. Para protegê-lo de qualquer represália, ela pediu para não ser identificada. Preso por roubo, o homem de 39 anos cumpriu três penas na PDF II. A mãe já precisou pagar uma dívida de R$ 5 mil contraída por ele.

Na cadeia, a droga se torna um refúgio para os detentos, uma válvula de escape. Quando eles perdem o controle do consumo, essa dívida cresce e os parentes ficam reféns. É como viver em uma prisão sem grades.

Ana, mãe de um detento usuário de drogas

A mulher, que trabalha com comércio de alimentos em um quiosque no Plano Piloto, negou que já tenha entrado com drogas nos presídios, mas que a prática é comum nos dias de visita. Segundo elas, o risco e o preço dos entorpecentes aumentaram depois da instalação dos scaners de corpo – máquinas que fazem um raio-X corporal de todos os visitantes. “Em um dos pátios da cadeia cheguei a ver um pano estendido no chão com vários tipos de droga, como se fossem produtos vendidos em feira”, relata.

Outras mães vivem o mesmo dilema de Ana. Precisam lidar com o fantasma das drogas que assombram os filhos dentro do cárcere. “Ficamos entre a cruz e a espada. Se ficam presos podem contrair dívidas impagáveis e, em liberdade, podem acabar mortos por envolvimento com a criminalidade”, lamenta ela.

Divulgação/PCDF
Entorpecentes apreendidos na Papuda

 

Dias de visita
Os eventuais riscos do negócio elevam o preço do produto para o consumidor final, o que contribui para aumentar ainda mais os débitos. Um grama de cocaína custa, em média, R$ 50. Uma “mutuca” de maconha sai por R$ 10 e uma pedra de crack sai por R$ 5. “Tudo depende da lei da oferta e da procura. O preço sobe muito se o diretor apertar a fiscalização e a droga ficar escassa na cadeia”, explica a fonte. Não existem planos mirabolantes para fazer a droga atravessar os muros que cercam as cadeias. Tudo acontece nos dias de visita.

Atraídas pelo dinheiro fácil ou até pelo desespero em atender as súplicas de parentes presos, esposas, namoradas e até mães desafiam a revista para entrarem com porções de drogas no interior das cadeias, quase sempre utilizando cavidades do corpo. Mulheres aceitam até R$ 200 para fazer a entrega. “Temos informações de um grupo formado apenas por mulheres responsáveis por cooptar outras para fazerem o serviço. São as chamadas mulas”, conta a fonte.

Verdinhos
Mas há vias alternativas para a droga chegar ao seu destino final. O relatório elaborado pela inteligência identificou outro caminho usado pelos traficantes para burlar a segurança. Os chamados “verdinhos” – presos classificados, vistos como de confiança pela gerência prisional que possuem autorização para circular pelas alas dos presídios – são coagidos ou subornados pelos detentos para atirar porções da mercadoria por cima dos muros das cadeias.

A ação é bem coordenada e quando a droga bate no chão dos pátios logo é recolhida. As transações são rápidas e ocorrem mesmo com a vigilância dos agentes de atividades penitenciárias. A multidão de presos ajuda a camuflar o esquema. Uma vez nas mãos do interno, a droga tem destino certo: os usuários que estão na “fissura” (crise desencadeada pela falta da substância no organismo).

O comércio é feito durante à noite, quando todos já estão encarcerados. A transação, que exige paciência e habilidade, lembra uma pescaria de festa junina. Amarrada a um barbante e um pedaço de papel, a encomenda é lançada e, em seguida, “pescada” pelo interno que está na cela ao lado.

 

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