TCU aponta excesso de gastos do Fundo Constitucional do DF com pessoal
Relatório diz que 91% dos recursos federais são usados para pagamentos de servidores, enquanto investimentos em segurança estão em 2º plano
atualizado
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O aumento do uso do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) para pagamento de benefícios a servidores tem preocupado o Tribunal de Contas da União (TCU). Relatório do órgão aponta que as despesas extras com pessoal, como gratificações a policiais e bombeiros militares, têm impactado os investimentos da segurança pública local. O documento, o qual o Metrópoles teve acesso, alerta que, caso o governo local continue com os acréscimos de penduricalhos, haverá necessidade de aporte adicional de recursos daqui a cinco anos.
O relatório surge em meio à repercussão da fala do governador eleito Ibaneis Rocha (MDB), nessa segunda-feira (10/12), de que o reajuste da Polícia Militar (PMDF) e do Corpo de Bombeiros (CBMDF) pode não chegar aos 37% reivindicados pela Polícia Civil. “O que você tem de analisar é que, internamente, eles têm estruturas de pagamentos diferenciadas. Quando você termina de computar todas as gratificações da PM, essa diferença salarial não é tão grande”, pontuou o emedebista. A declaração foi mal recebida pelos militares e agitou os grupos de WhatsApp dos servidores.
Os chamados “penduricalhos” das corporações – que acabam integrados aos soldos – se tornaram alvo do TCU. Segundo o ministro José Múcio Monteiro, autor do documento datado de 2017, houve desvirtuamento da utilização do Fundo Constitucional e que, atualmente, 91% dos recursos são destinados ao custeio de pessoal.
Criado em 2002, o FCDF tem como finalidade “prover os recursos necessários à organização e manutenção” das forças de segurança do Distrito Federal, “além de prestar assistência financeira para execução de serviços públicos de saúde e educação”.
De acordo com o relatório, as despesas com recursos humanos da PM foram as que mais cresceram (10% ao ano). O Corpo de Bombeiros e a Polícia Civil tiveram um aumento médio de 9,7% e de 5,7%, respectivamente, enquanto o reajuste do fundo foi de 8,3%. “Devido à necessidade crescente de se alocar recursos do FCDF para cobrir gastos com pessoal, houve redução dos investimentos na área de segurança pública desde 2012, acarretando riscos para a segurança da população”, alerta o ministro.
No documento, a Corte de Contas acrescenta que há um quantitativo menor de servidores em atividade em comparação à época da criação do fundo “e um volume de gastos extremamente elevado”.
Incorporações
No último dia 6 de dezembro, foi publicado no Diário Oficial do DF a autorização para incorporação de benefícios nos contracheques do ex-comandante-geral da PM coronel Antônio Nunes de Oliveira e do ex-chefe da Casa Militar Márcio Pereira da Silva. De acordo com a publicação, 80% da função CNP-03, conferida aos titulares do comando dos órgãos durante o governo de Rodrigo Rollemberg (PSB), serão somados ao salário dos militares após a aposentadoria deles. O valor do cargo ultrapassa os R$ 18 mil.
Atualmente, um coronel recebe aproximadamente R$ 22 mil. O valor dos proventos dos beneficiados, somada a nova quantia, chega a R$ 37 mil. De acordo com a legislação, todas as gratificações pagas aos militares precisam ter como origem o Tesouro local e não o Fundo Constitucional.
Auxílio-moradia
Além das gratificações e pagamento de servidores inativos, o relatório cita ainda o auxílio-moradia pago aos militares do DF. O texto destaca que o benefício para coronel com dependente “passou de R$ 143,91, em agosto de 2014, para R$ 3,6 mil, em setembro de 2016”. O reajuste é fruto de um decreto de 2014 do ex-governador Agnelo Queiroz (PT).
De acordo com José Múcio, houve elevação considerável com auxílio-moradia. “Em 2013, o gasto total foi de R$ 13,88 milhões, ao passo que, em 2014, foi de R$ 57,87 milhões, representando um aumento de 317%. No três anos subsequentes, foi de R$ 173,38 milhões, R$ 319,54 milhões e R$ 559 milhões, respectivamente”. A despesa de R$ 948 milhões, até 2017, será alvo de cobrança por parte da Corte de Contas.
No documento, o ministro aponta ainda que as gratificações pagas a integrantes das forças militares – criadas pelo próprio governo e custeadas pelo Fundo Constitucional – “poderiam até ser estabelecidas pelo ente distrital, contudo, o recurso para pagamento deveria ser oriundo do próprio Tesouro, sendo ilegal o custeio pelo FCDF”.
Em todo o país, o pagamento de auxílio-moradia enfrenta resistências da sociedade, em especial o benefício conferido a magistrados, parlamentares e membros dos tribunais de contas. Sobre o caso específico dos militares, o Ministério Público se manifestou contrário e solicitou junto ao TCDF o cessamento do custeio das parcelas superiores ao que determina a Lei nº 10.486/02.
Inflamação
O coronel da reserva Wellington Corsino do Nascimento, presidente da Associação dos Militares Estaduais do Brasil (AMEBrasil), acusou pessoas próximas a Ibaneis Rocha de querer inflamar as diferenças entre policiais militares e civis do DF. Segundo o oficial, essa rixa ficou no passado.
“Entendo que a estrutura remuneratória dos militares ainda é diferente. Algumas coisas são incorporadas por lei e outras, não. Apesar de a PCDF ganhar mais no bruto, nós ganhamos mais no líquido. Algumas coisas não incidem em nosso imposto de renda”, explicou.
Conforme pontuou Corsino, a sugestão ao governador eleito teria como objetivo estabelecer uma paridade entre as instituições. “A ideia seria nivelar o coronel com delegado e, assim, paralelamente, fazendo uma correlação dos cargos das duas forças”, disse.
Ele frisou que as gratificações da PM é de responsabilidade dos próprios governantes, que decidiram fazer a recomposição com esse formato. “Os aumentos encaminhados pelo GDF à União deveriam incidir sobre os soldos ao invés de ser criar essas gratificações. Eles faziam isso para evitar que o reajuste local fosse refletido nas corporações do antigos territórios e onerar demais os cofres da União.”
O que dizem os citados
Procurado, o TCU confirmou a existência do relatório e informou que o documento tramita em sigilo até que seja colocado em votação no plenário. A PMDF e o CBMDF foram acionados, mas não se manifestaram até a última atualização desta matéria.
A reportagem entrou em contato também com a Associação dos Oficiais do Corpo de Bombeiros Militar (ASSOFBM) e com a Associação dos Oficiais dos Policiais Militares (ASOFPMDF), entidades representantes das corporações, mas que não responderam as demandas.