Roubos a ônibus têm dia e hora marcados em Samambaia
Bandidos agem sempre às quintas, ao meio-dia. A Quadra 425 registrou o maior número de casos em 2019. Até agora, são 72 ocorrências
atualizado
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O medo ronda rodoviários e passageiros de ônibus do Distrito Federal. Samambaia é uma das cidades em que eles se sentem mais apreensivos. Não à toa. De janeiro a outubro de 2019, 254 ocorrências de roubo a coletivo foram registradas na área norte da região administrativa, ou seja, 20% a mais em relação ao mesmo período do ano passado. Motoristas e cobradores ouvidos pela reportagem ressaltam que os crimes, antes cometidos à noite, passaram a acontecer durante o dia, principalmente por volta das 12h.
A cada dia, o DF tem quatro roubos a coletivos. Em setembro, o número de registros em Samambaia Norte saltou de seis para 26 assaltos. Segundo os dados obtidos pelo Metrópoles, a Quadra 425 é a que tem o maior número de registros de casos. Até agora, são 72 denúncias. O dia em que os episódios de violência ocorrem com mais frequência é na quinta-feira, das 12h à 0h.
O mês que mais apresentou aumento foi julho, passando de 14 ocorrências para 49, ou seja, 250% a mais. Em agosto, houve uma pequena redução, mesmo assim, 44 assaltos foram computados na ocasião. No entanto, se comparado ao mesmo período de 2018, o aumento é de 131%.
“Os rodoviários estão recusando-se a trabalhar nessa área. Sentem muito medo. Os assaltantes sempre agem armados com facas, com violência. Nós fizemos várias reuniões com a polícia em Samambaia pedindo maior intensificação nas abordagens. Os assaltos, agora, acontecem durante o dia, por volta das 11h às 12h, que é a hora de parada do pessoal do primeiro turno”, detalhou o secretário-geral do Sindicato dos Rodoviários do Distrito Federal, José Wilson.
O motorista José Arnaldo Pereira da Costa, 49, por exemplo, foi assaltado duas vezes durante o trabalho. Em uma das ocorrências, ele levou um tiro no braço esquerdo. Na outra, foi golpeado com uma facada no pescoço. Devido ao trauma, Costa quis sair da linha em que era condutor. “Estou trabalhando há seis anos atrás do balcão. Recebemos críticas, somos xingados constantemente, mas, pelo menos, não corremos o risco de morte. Contamos apenas com a proteção de Deus. A Segurança Pública não faz nada por nós. Estamos desamparados”, disse.
O aposentado Antônio Bezerra de Sousa, 64, faz o trajeto Plano Piloto/Samambaia e afirma que não faltam histórias de assaltos. Ele cobra mais atenção do governo para a situação. “Como faço o trajeto todos os dias para a cidade, ouço muitos casos. Alguns nem chegam ao conhecimento das autoridades. Geralmente, são adolescentes. Entram, levam tudo dos passageiros e descem nas vias. Precisamos de uma solução. A polícia tem que marcar em cima.”
No início de novembro, a própria comunidade deteve um assaltante no terminal de ônibus da QR 1.033. O homem teria anunciado o assalto na altura da QR 425, com mais dois comparsas, que fugiram levando R$ 233 do cobrador e um celular.
Ao perceber que a arma era um simulacro, um grupo de passageiros reagiu e imobilizou um dos suspeitos. Os comparsas chegaram a jogar pedras no ônibus na tentativa de liberar o assaltante. A Polícia Militar foi acionada e o suspeito levado para a delegacia.
Em 25 de setembro, agentes da 26ª Delegacia de Polícia (Samambaia Norte) prenderam um jovem suspeito de cometer roubos em coletivos. Ele era procurado desde agosto, quando a 2ª Vara Criminal de Samambaia expediu mandado de prisão preventiva por conta de um assalto a ônibus na QR 425 de Samambaia.
Em agosto, a mesma unidade policial deflagrou uma operação com objetivo de coibir ações de roubo e furto contra usuários de transporte coletivo. Durante a ação, os policiais localizaram celulares com dois suspeitos, um de 19 e outro de 18 anos. Um adolescente de 17 anos também foi apreendido.
Reincidentes
O Metrópoles apurou que, entre março e agosto, oito dos criminosos presos pela 26ª DP foram colocados em liberdade após audiência de custódia. Eles cometeram sucessivos assaltos a coletivos. Todos possuem extensa ficha criminal. Nas investidas, usaram armas de fogo, facas e simulacros, rendendo motoristas, cobradores e passageiros. Em um dos assaltos, os suspeitos subtraíram 16 celulares, além de dinheiro e joias. Todos voltaram para as ruas após passar pela audiência de custódia.
Dados computados pelo Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDF), entre 2016 e 2018, mostram que 24.765 pessoas foram levadas ao órgão suspeitas de envolvimento com práticas criminosas. Desse total, 12.379 (49,99%) tiveram a prisão mantida ou convertida em preventiva; e 12.386 (50,01%) foram soltas.
O crime que mais levou suspeitos às audiências de custódia foi o de roubo, com 2.484 casos. Em segundo lugar, aparece o tráfico de drogas (2.089 pessoas), seguido por furto (1.769), violência doméstica (1.550), receptação (938), delitos previstos no Estatuto do Desarmamento (665) e ocorrências de trânsito (640).
Questionada sobre a segurança em Samambaia Norte, a Polícia Militar explicou, por meio de nota, que uma das dificuldades enfrentadas pela corporação é de que muitos criminosos são reincidentes. “Mesmo assim, não permanecem presos. Além disso, na região, o acesso a uma mata facilita a fuga dos criminosos”, diz o texto.
Em entrevista ao Metrópoles, o secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Torres, afirmou que as solturas contribuem para o aumento da sensação de insegurança entre os brasilienses. “A questão de segurança tem solução: prisão e manutenção da prisão. Estamos com um problema muito grave no Brasil, que se prende e solta”, criticou.
O discurso do secretário encontra ressonância entre especialistas da área de segurança. O pesquisador Nelson Gonçalves de Souza defende que o problema maior pertence ao campo jurídico. “Existem dois modos de abordar essa questão: pela ótica jurídica ou de segurança pública. Do ponto de vista da segurança, nós temos cada vez mais indivíduos aproveitando as brechas da legislação para ficar à parte dela. Estes indivíduos estão sendo alcançados pela ineficiência do Estado. Já pela ótica jurídica, existem hoje, aspectos da legislação, facilitando que o indivíduo infrator seja, de alguma maneira, beneficiado”, explicou.
Para o estudioso, a Justiça tem, ainda, trabalhado para evitar o crescimento da população carcerária no país: “Há, porém, outra interpretação jurídica. A Justiça tem entendido, até não sem razão, de que há uma população carcerária enorme e que não deve ser aumentada e isso tem sido dito pelos próprios órgãos jurídicos. Estão adotando todas as maneiras possíveis para evitar o aumento da população carcerária. Eu não concordo, mas é uma das justificativas”.
Segurança reforçada
Sobre os roubos a coletivos, a PM acrescentou que tem conhecimento dos altos índices criminais na Quadra 425 e vem intensificando as ações de policiamento. “A PMDF acompanha esta situação e informa que redirecionou o policiamento e tem realizado diversas abordagens em coletivos, bem como pontos de bloqueio nas paradas de ônibus”, informou a polícia.
A corporação também ressaltou que há policiamento exclusivo para atuar nas paradas de ônibus. Os rodoviários da cidade também estão em contato direto com o efetivo policial por meio de grupo de mensagens criado pela Polícia Militar.
A Polícia Civil detalhou que há um plano para coibir os crimes. “A ação está sendo coordenada pelo Departamento de Polícia Circunscricional, em parceria com os demais departamentos que atuam no combate a esse tipo de infração penal”, informou. “O planejamento envolve ações de inteligência e de intervenção policial. Além das delegacias circunscricionais da região de Samambaia, outras unidades policiais estão atuando neste trabalho, com o objetivo de solucionar o problema apontado”, completou.