Rogai por nós: igrejas do DF sofreram 163 ataques de bandidos em 2019
Assassinato do padre Casemiro, na Asa Norte, levou lideranças de templos católicos da capital a reforçarem sistemas de segurança
atualizado
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O assassinato do padre polonês Kazimerz Wojno, mais conhecido como padre Casemiro, 71 anos, ocorrido no sábado (21/09/2019), chocou a população brasiliense pela brutalidade. O crime aconteceu na Paróquia Nossa Senhora da Saúde, localizada na 702 Norte, a 500 metros de uma delegacia de polícia. A barbárie chamou atenção da Arquidiocese de Brasília para a falta de segurança nos santuários da capital da República. Após crimes sucessivos neste ano de 2019, igrejas católicas – mais visadas pelos bandidos – passaram a intensificar a vigilância.
De janeiro a agosto, foram registradas 163 ocorrências de furtos em templos religiosos no DF. No mesmo período de 2018, 150, o que representa aumento de 8,7% nesse tipo de delito. Os dados são da Secretaria de Segurança Pública do DF (SSP-DF). Segundo a Arquidiocese de Brasília, há 150 paróquias e aproximadamente 80 capelas espalhadas pelo Distrito Federal.
A algumas quadras de distância da paróquia onde o padre Casemiro foi vítima de latrocínio (roubo seguido de morte), a Igreja Nossa Senhora das Graças da Medalha Milagrosa, na 908 Norte, também acabou inserida nesta triste estatística. Furtada três vezes neste ano, o templo precisou receber novas grades, alarmes e câmeras de segurança a fim de evitar novas investidas dos bandidos.
“Na primeira vez, roubaram materiais de obra. Na segunda, pegaram uma caixa de som da igreja. Agora, há cerca de um mês mais ou menos, roubaram o sacrário. Foi então que o padre procurou a polícia, porque causa insegurança”, contou uma funcionária da paróquia, que preferiu não se identificar.
Depois da última invasão, foram instaladas grades nas janelas da igreja. “Antes, era só vidro, mas agora colocamos também, porque tem de fortalecer”, disse a mulher ao Metrópoles.
Ainda no Plano Piloto, a Paróquia Santa Rita de Cássia, na 609 Sul, foi furtada três vezes neste ano. Segundo o padre Iran Preusse, na soma dos crimes, os ladrões roubaram dois notebooks, um DVR (Digital Video Recorder – aparelho que grava imagens captadas por câmeras), um relógio, um celular e dinheiro de ofertas e da carteira do líder religioso.
“Eles entraram na minha casa e levaram o dinheiro que eu tinha recebido de uma doação para comprar o crucifixo da capela. Não lembro quanto tinha, mas também pegaram da minha carteira”, contou o sacerdote.
Antes do primeiro furto, uma funcionária do templo presenciou uma tentativa de roubo, o que impediu que o crime se concretizasse. “Depois, foi essa vez que entraram na minha casa e levaram o relógio. Na terceira vez, roubaram a doação e o que tinha na carteira. A última foi no feriado de 7 de setembro, quando levaram os computadores e o DVR da secretaria”, descreveu.
Campanha
Depois do último roubo, o padre Iran fez uma campanha entre os paroquianos para comprar os objetos perdidos e intensificar a segurança local. “O terreno é muito grande, tem 15 mil metros quadrados. Então, colocamos um muro de segurança e vamos instalar alarme”, comentou.
Segundo Elisângela de Almeida, 40, secretária da igreja há seis anos, a insegurança entre os paroquianos cresceu com as recorrentes invasões. “Na administração anterior, roubaram um celular, mas foi só isso. Neste ano, foi mais pesado”, contou.
Em janeiro deste ano, um homem teria entrado na paróquia e destruído um santuário. “Saiu quebrando tudo: a porta do banheiro, os santos, chutou as velas e torceu o crucifixo que tínhamos ali [em uma capela]. Ainda tirou a santa, que é a imagem de Santa Rita. Ela estava parafusada, ele arrancou e colocou onde estavam as velas”, narrou.
Na última terça-feira (24/09/2019), esse mesmo homem teria voltado ao templo religioso. “Acho que deve ter tentado roubar alguma coisa. Não levou nada, mas eu já me sinto mais insegura, porque sei que ele está rondando.”
De acordo com Elisângela, os paroquianos precisaram parar as obras que faziam na igreja para construir um muro atrás do terreno. “Agora, a gente só vive assim, com correntes nas portas. Os fiéis é que estão nos ajudando a restabelecer o que perdemos”, lamentou.
Invasões em sequência
Após o assassinato de Casemiro, em uma semana, três igrejas foram alvo de bandidos no DF. Devido ao crime brutal cometido contra o religioso polonês, o medo passou a imperar entre os paroquianos. Com isso, os locais contam, agora, com fortes sistemas de proteção.
Na madrugada da segunda-feira (23/09/2019), dois dias após a morte de Casemiro, ladrões selecionaram a Capela Nossa Senhora Aparecida, no Recanto das Águas, Park Way. Eles invadiram o local, levaram o sacrário e objetos religiosos.
De acordo com o padre Americo Coan Betta, da Paróquia Sagrada Família, à qual pertence a capela, foram furtados um cálice, caixa e mesa de som, e uma peça de roupa usada em celebrações. “Eles pegaram essas peças e usaram a roupa para embrulhá-las”, disse o religioso ao Metrópoles.
A paróquia já havia sido alvo de bandidos anteriormente, quando foram furtados materiais de construção. A capela, no entanto, nunca havia sido invadida. Na mesma semana, então, a igreja iniciou o fortalecimento da segurança. “Aqui é muito grande, ficamos dentro de um espaço de festa, então, não dá para cercarmos. Mas já estamos instalando alarmes e câmeras.”
Mesmo com o reforço, o padre comenta que o medo permanece entre os fiéis. “Obviamente o assassinato do padre Casemiro despertou uma sensação de insegurança ainda maior. Além desse fato, a própria invasão da capela mostrou que a violência está mais perto de nós do que imaginamos”, pontuou.
Em Ceilândia, paroquianos de duas capelas viram cenas de anos anteriores se repetirem nesta semana. Invadidas em dias seguidos, as capelas Nossa Senhora de Fátima e São José ficaram sob a mira de ladrões pela primeira vez em 2019, já após terem intensificado a quantidade de grades em portas e janelas.
No primeiro templo, pertencente à Paróquia São Francisco de Assis, delinquentes desparafusaram a porta, na madrugada de terça-feira (24/09/2019), mas fugiram após o alarme de segurança ser acionado. No dia seguinte (25/09/2019), na Capela São José, vinculada à Paróquia Nossa Senhora da Glória, bandidos entortaram a grade de uma janela e destruíram o interior do ambiente de orações.
Segundo o padre Marcelo Lima, responsável pela paróquia São Francisco, essa é a terceira investida no local desde que ele assumiu a posição de representante, em janeiro de 2018. “A insegurança no ambiente comunitário tem sido frequente, não somente na igreja, mas na comunidade em geral. Já tivemos pessoas se afastando das atividades que ocorrem à noite por conta disso”, destacou.
Depois de a igreja ter prejuízo de aproximadamente R$ 16 mil com os dois roubos ocorridos no ano passado, atualmente, os fiéis assistem às missas cercados por grades. Além disso, o local é monitorado 24h por uma equipe de segurança.
Desde o início de 2018, quando alguma porta da igreja é aberta fora do horário normal, policiais militares membros da igreja e funcionários da empresa de monitoramento são acionados e, em cerca de três minutos, chegam ao local. “Agora, pagamos mensalmente um valor a uma empresa de monitoramento para cuidar das portas e janelas. Tivemos todo esse gasto e ainda temos as despesas para bancar esse esquema”, comentou o sacerdote.
Para pagar a despesas, a igreja organiza eventos entre os paroquianos a fim de arrecadar verba. “Fazemos galinhada e vendemos rifas, porque é um prejuízo muito grande para nós.”
Sobre o crime cometido contra Casemiro, padre Marcelo considera que o caso “é um trauma” para outros religiosos que moram em igrejas do DF. “Eu mesmo morava numa casa da paróquia e com essas ocorrências aqui resolvi mudar para um condomínio”, exemplificou. “Com a morte dele, estamos inseguros, porque isso poderia acontecer com qualquer um”, completou.
Veja, a seguir, o vídeo de um dos roubos registrados por uma câmera da igreja em 10 de março de 2018:
Vandalismo
Nessa quinta-feira (26/09/2019), foi a vez de a Capela São José tentar recuperar os materiais perdidos após o vandalismo cometido no local. “Tentaram roubar a sacristia [local que contém vestes do padre e objetos utilizados durante missas], mas não tinha nada. Ainda bem que só foi prejuízo material, porque mexer com o sagrado seria muito ruim para o que acreditamos”, contou José Jackson, 42, coordenador paroquial.
Segundo Jackson, os bandidos quebraram o alarme do lado de fora do templo e conseguiram invadir o espaço sem acioná-lo. Eles quebraram vidros, arrombaram uma porta e algumas gavetas, e tentaram abrir cofres que guardam dinheiro de ofertas.
“Hoje já veio um rapaz para fazer o orçamento do novo alarme. Quando colocamos, há quatro anos, gastamos R$ 5 mil. Agora, que vamos precisar recolocar os sensores, já teremos um prejuízo. Não sei como faremos”, lamentou o coordenador.
Voluntária na igreja desde a fundação do local há 30 anos, uma idosa de 70 que pediu para não ser identificada contou que antes do sistema de segurança o sacrário da capela fora furtado duas vezes. “Levaram tudo que podiam. Mas, desde que colocamos o alarme, nunca tinha acontecido de novo”, disse. “É muito triste, porque não deixaram nada no lugar, reviraram tudo. Nem sei o que estavam procurando”, contou.
Após o vandalismo, ela relatou que teme continuar frequentando o local. “Trabalhei nessa igreja a minha vida inteira. Agora, meu filho não quer nem mais que eu fique aqui. Eu morro de medo.”
Precauções
O aumento nos crimes cometidos em templos católicos do DF tem deixado sacerdotes e paroquianos em alerta. Com o assassinato do religioso Casemiro, o padre João Firmino, da Comunicação da Arquidiocese de Brasília, tem aconselhado igrejas da capital a tomar algumas precauções.
“Só o fato que aconteceu [assassinato do padre Casemiro] já nos leva a um alerta maior. Mas, assim como o governador já anunciou, isso é algo para nos atentarmos não só nas igrejas, mas em toda a cidade”, disse o líder religioso.
Nesta semana, padres estiveram presentes em um retiro do Clero no qual foram discutidas essas questões. “Falamos um pouco sobre isso para os padres, para que passem a ter mais cuidado. Não só eles, como os paroquianos também.”
À reportagem do Metrópoles, o sacerdote informou que a Arquidiocese já analisa o que pode ser melhorado nos templos católicos de Brasília. “Por exemplo, os horários. Em regiões mais perigosas, já não indicamos que as missas aconteçam até mais tarde”, exemplificou.
“Às vezes, as pessoas acham que por que estão dentro da igreja, não vão ser roubadas e deixam bolsas no banco, levantam e nem pensam. Então, alertamos até mesmo os paroquianos a não ficarem ali conversando na porta da igreja até tarde depois da missa, a não pararem o carro e deixá-lo todo aberto, por exemplo”, aconselhou.
Segundo Firmino, o órgão eclesiástico não busca estimular um temor entre paroquianos, mas alertá-los quanto aos riscos. “Agora, já começamos a ver igrejas colocando sistemas de segurança, gradeamento. Não queremos fomentar a violência nem o medo, queremos a paz. Mas, para isso, faz-se necessária uma maior vigilância.”
Promessas de segurança
O reforço na segurança das igrejas do DF foi uma promessa feita pelo governador Ibaneis Rocha (MDB) durante o velório do padre Casemiro, na segunda-feira (23/09/2019). “O que a comunidade precisa agora é, de fato, sentir mais segurança. Vamos ver se vai ser mantida essa patrulha”, ressaltou o chefe do Executivo local.
Em nota enviada ao Metrópoles, o Governo do Distrito Federal (GDF) informou que a Polícia Militar do DF “está atenta” aos casos de furto/roubo envolvendo templos religiosos na capital federal e tem intensificado o policiamento nas regiões que registraram ocorrências dessa natureza nos últimos dias.
“Em geral, esses crimes são de oportunidade e os criminosos esperam o melhor momento para agir. Além disso, não é possível manter uma viatura fixa em cada igreja do DF. Assim, é necessário um trabalho investigativo a fim de identificar os autores desses crimes”, pontuou o texto.
O GDF ainda destacou que ações de segurança podem ser tomadas pelos templos religiosos para bloquear essas oportunidades, como instalação de câmeras de segurança e alarmes. “Por fim, a população deve acionar imediatamente a Polícia Militar ao perceber qualquer movimentação estranha nesses locais”, finalizou.