Quem cuida deles? PMDF tem tropa de 15 mil na ativa e só um psiquiatra
Além disso, exames pouco criteriosos dificultam a identificação de perfis agressivos, como o do soldado que matou a ex-namorada em Ceilândia
atualizado
Compartilhar notícia
Os recentes suicídios de policiais militares do Distrito Federal reacenderam a discussão sobre a saúde mental da tropa, composta por 15,2 mil homens e mulheres. Considerados trabalhadores em profissão de risco e propícia ao desenvolvimento de estresse, os PMs da capital federal estão praticamente desamparados na hora de tratarem transtornos. Atualmente, a corporação conta com apenas um psiquiatra em seus quadros.
Apesar dos pedidos da reportagem, o comando da instituição não divulgou o número de atendimentos feito pelo especialista e nem informou o tamanho da fila de espera para se consultar com esse único profissional.
A assistência precária tem despertado preocupação entre os militares e seus familiares. De acordo com Edleuza Paiva, representante do grupo Esposas Unidas da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), recentemente a situação se agravou ainda mais porque o psiquiatra chegou a ser afastado por motivos de estresse.“A profissão do policial é uma das mais estressantes do mundo, conforme a OMS [Organização mundial da Saúde]. O PM sai para a rua e se depara com todo tipo de situação. Ele volta para casa aterrorizado. A família nem sempre está preparada ou consegue perceber”, denuncia Edleuza.
Exames psicotécnicos
Além do parco atendimento psiquiátrico, os policiais sentem falta de cuidados quanto à realização de um exame que poderia antever surtos: o psicotécnico. Para o advogado Leosmar Moreira, especialista em concursos públicos com experiência de mais de 500 processos em defesa de candidatos reprovados por exames psicológicos, esses procedimentos não apontam de forma precisa possíveis distúrbios dos aspirantes a praças e oficiais da força.
Segundo ele, testes mais criteriosos poderiam tirar das fileiras da corporação militares com perfil agressivo, como o soldado Ronan Menezes, que em 4 de maio deste ano matou a tiros a ex-namorada Jessika Trindade, de 25 anos, em Ceilândia.
“A Lei n° 4.949/2012 [a chamada Lei dos Concursos] deveria ter sido respeitada nesse certame em que o Ronan passou, realizado pela Fundação Universa em 2012. No artigo 60, diz que o exame psicotécnico tem de ser feito por três especialistas, mas a banca escalou apenas um”.
O perfil explosivo de Ronan era conhecido dentro da corporação. Conforme um policial militar que pediu para não ter o nome divulgado e trabalhou diretamente com o soldado, Menezes chegou a ser transferido de unidade algumas vezes, antes de chegar ao Grupo Tático Operacional (GTop) do 10º Batalhão de Ceilândia, onde estava lotado no dia do crime.
“Ele era tão ‘acelerado’ que foi mandado para o GTop. Eu sabia que, uma hora, ele ia ‘espanar’ [verbo utilizado para enfatizar que uma pessoa não aguenta pressão psicológica]”, relatou o PM.
Ronan entrou para a PMDF há cerca de três anos. Desde então, segundo relataram parentes da vítima, o militar passou a mostrar sua face violenta. No dia 14 de abril, o policial espancou violentamente a jovem porque ela havia recebido uma mensagem e se negado a entregar o celular para ele. A agressão ocorreu na casa dos pais dele, que não estavam no imóvel.
A morte
Menos de três semanas após a agressão, Jessyka foi assassinada, em 4 de maio, na casa onde morava, no Setor O, em Ceilândia. Ronan não aceitava o término do relacionamento com a moça, recém-aprovada em concurso para o Corpo de Bombeiros.
A vítima foi atingida por cinco tiros. Ao Metrópoles, familiares de Jessyka afirmaram que Ronan ameaçava matar a garota e toda a família. Ela mandou, por meio do WhatsApp, mensagens de áudio a uma amiga nas quais relata as agressões cometidas pelo ex-namorado.
O PM também baleou, com três tiros, o professor de ginástica Pedro Henrique da Silva Torres, 29 anos. Ronan teria ciúmes da aproximação entre o rapaz e Jessyka. Pedro está internado em estado grave no Hospital Regional de Ceilândia (HRC).
Ronan se entregou e está preso. O comandante-geral da PMDF, coronel Marcos Antônio Nunes, disse que o soldado será expulso da instituição.
Apostilas na internet
Segundo Leosmar Moreira, testes como os que habilitaram Ronan a vestir farda e portar armamento podem ser encontrados na internet. O mais famoso deles, com 700 páginas, é minucioso nas instruções aos candidatos. O documento contém dezenas de questões aplicadas durante os procedimentos.
A apostila ensina a melhor forma de se preparar, quais são os testes mais cobrados de acordo com cada banca examinadora e apresenta possibilidades de recursos, além de uma vasta documentação relacionada à jurisprudência dos exames.
“Não cabe intervir”, diz PMDF
Sobre a presença de apenas um psiquiatra na corporação, a Polícia Militar do Distrito Federal informou que a rede credenciada do sistema de saúde da instituição dispõe, atualmente, de duas clínicas de psiquiatria e 33 de psicoterapia. “A PMDF possui em seus quadros de saúde um médico-psiquiatra que recebe os policiais militares e os encaminha, caso haja necessidade, para as clínicas de psicoterapia, conforme o caso, ou psiquiatria. Além disso, a rede credenciada dispõe de três clínicas de internação em saúde mental”.
Sobre os exames a fim de habilitar os candidatos aos quadros da PMDF, ressaltou que “os critérios [dos exames] são estabelecidos por especialistas, e não cabe à corporação rever ou interferir [nos quesitos da avaliação]”. A reportagem entrou em contado com a Fundação Universa – responsável pela realização do certame que aprovou Ronan como policial – por meio dos telefones e e-mails da empresa, mas, até a última atualização deste texto, a banca não havia respondido.