Professor envenenado: família quer prontuário na investigação
Parentes querem que investigadores levem em consideração citação de “secreção gástrica escura”, que poderia ser suco de uva
atualizado
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Uma citação presente no prontuário médico sobre a suposta ingestão de suco de uva pelo professor Odailton Charles de Albuquerque Silva, 50 anos, levou amigos e familiares a se questionarem sobre uma das principais pistas que podem desvendar a morte do docente. Em áudios enviados por Odailton a colegas de trabalho, ele conta que começou a passar mal após beber uma garrafa de suco de uva.
O relatório produzido por médicos do Hospital Regional da Asa Norte (Hran), onde o professor ficou internado, detalha os procedimentos adotados, assim como os medicamentos. O Metrópoles teve acesso ao prontuário.
Os médicos citam que submeteram o paciente a uma lavagem estomacal e que “não evidenciou saída de comprimidos, apenas secreção gástrica escura (pelo suco de uva?).”
Pessoas próximas ao professor pegaram o prontuário e levaram para a delegacia a fim de ressaltar esse ponto considerado importante por eles. À reportagem, a família do servidor afirmou que espera justiça e que os fatos sejam apurados e revelados.
Odailton suspeitava de que teria sido envenenado pela bebida. No entanto, em coletiva de imprensa realizada pela Polícia Civil na tarde dessa quinta-feira (06/02/2020), investigadores e peritos afirmam que não encontraram resquícios do suco nas roupas e no sangue da vítima.
Rachadinha
Em áudio enviado a um amigo, ao qual o Metrópoles teve acesso com exclusividade, o professor Odailton, denuncia suposto esquema de “rachadinha” no Centro de Ensino Fundamental (CEF) 410 Norte. Na gravação, o ex-diretor, que morreu envenenado por uma espécie de raticida, popularmente conhecido como chumbinho, afirma que iria levar a denúncia para a Coordenação Regional de Ensino do Plano Piloto.
O docente se preparava para deixar o cargo de direção da unidade educacional e comentou que visitaria o colégio para se “acertar com o pessoal”. “Quinta-feira eu vou lá na escola, vou fazer os acertos com o pessoal: passar extrato bancário, essas coisas que eu tenho que passar. Estou recolhendo uns documentos particulares para fazer uma denúncia formal na [Coordenação] Regional de Ensino”, diz.
O educador continua dizendo que a denúncia envolveria “um dinheiro” deixado por ele no colégio. “Eles [os superiores] nunca repassaram para mim. Seguraram o dinheiro e agora estão utilizando da forma como eles querem, contratando a empresa que eles querem também. Acho que está havendo ‘rachadinha’ lá”, comenta.
Esquema
Segundo Charles, a acusação do esquema partiu de dentro da escola. “Andei conversando com os colegas e está havendo ‘racho’ de dinheiro, propina para beneficiar empreiteiros. Por isso que eu indiquei dois ou três empreiteiros lá e eles não aceitaram de jeito nenhum. Seguraram o dinheiro até agora, em janeiro. Agora, está de vento e popa, liberando dinheiro à vontade lá. Então, vou fazer essa denúncia, vou recolher tudo que eu tenho de prova, de gravação, e vou arrebentar a boca do balão lá.”
O professor termina o áudio manifestando, também, o interesse de levar o caso à Justiça. “Vou botar no pau esse povo, comigo vai ser tudo na Justiça”, finaliza. Em nota, a Secretaria de Educação (SEE-DF) disse aguardar as investigações policiais e a finalização do inquérito para se pronunciar.
Ouça o áudio:
A morte
As gravações ganharam notoriedade após a morte do docente, ocorrida nessa terça-feira (04/02/2020). Odailton Charles morreu envenenado depois de supostamente ter ingerido uma bebida contaminada com chumbinho. A suspeita inicial é que o veneno tomado estivesse em um suco oferecido a ele por uma colega.
Contudo, não houve comprovação de que ele tivesse ingerido o suco. “Achamos vestígios de raticida nas roupas e traços de vômito, mas nada relacionado a suco de uva”, explicou a perita criminal Flavia Pine Leite, que fez o exame nas vestimentas usadas por ele no dia do incidente, em 30 de janeiro.
A informação foi dada na quinta (06/02/2020). Em outro áudio enviado quando começou a passar mal, Charles desconfia de uma substância estranha em um suco que supostamente havia sido oferecido por uma colega. A servidora foi ouvida pela Polícia Civil e negou ter dado qualquer produto ao docente.
“Nós a ouvimos e ela foi firme em dizer que não ofereceu suco ao professor. Isso não quer dizer que ele não tenha bebido. As investigações continuam, muitas pessoas ainda serão ouvidas”, disse o delegado Laércio Rossetto, da 2ª DP (Asa Norte), que conduz as investigações sobre o caso.
A PCDF apreendeu dois aparelhos celulares de servidores da escola. “Vamos pedir uma série de medidas judiciais para ter acesso aos dados dos aparelhos”, afirmou Rossetto. Na quinta, amigos e parentes se despediram do professor Charles. O enterro foi realizado no Cemitério Campo da Esperança, na Asa Sul.
A cerimônia de despedida ocorreu pouco após peritos do Instituto de Criminalística (IC) e médicos legistas do Instituto de Medicina Legal (IML) concluírem que o professor Charles, como era conhecido, morreu vítima de intoxicação provocada por um raticida.
Bebida
O envenenamento ocorreu enquanto Charles participava de uma reunião na escola onde foi diretor por seis anos. Ele tomou alguma bebida – acreditava-se ser suco de uva, e, poucos minutos depois, começou a passar mal.
Durante a crise, enviou áudios angustiantes a familiares e colegas, pedindo socorro e detalhando seu estado de saúde. O docente chegou a dizer nas gravações de WhatsApp que desconfiava de alguma substância estranha em sua bebida.
“Alguém me ajuda, alguém me ajuda. Eu cheguei aqui, tomei um suco e acho que colocaram laxante, estou com muita diarreia”, disse o educador.
Uma servidora que estava com o docente em reunião e presenciou o episódio telefonou para a esposa de Charles e informou que ele estava passando mal. A mulher do educador sugeriu que o marido fosse levado ao hospital. O Corpo de Bombeiros foi acionado e conduziu o ex-diretor ao Hran.
Confira o áudio:
Dificuldades com colega
Segundo a reportagem apurou com pessoas próximas ao professor, Charles chegou a relatar dificuldade de relacionamento com uma colega da escola, justamente quem teria lhe oferecido bebida no dia da reunião.
Em uma das mensagens enviadas a um amigo que também trabalha na instituição, o docente pontuou que sua interlocutora “estava com a cara de poucos amigos”. Frisou ainda que não queria beber o suco, mas acabou aceitando a bebida para não fazer desfeita. O professor desconfiava de que o líquido teria lhe feito mal.
O Metrópoles não vai divulgar o nome da servidora porque o caso está sob apuração.