PMs de milícia no DF movimentaram R$ 1 milhão. Oficial é investigado
Militares teriam recebido depósitos e transferências de pessoas envolvidas em crimes como roubos e grilagem de terras em Ceilândia
atualizado
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Acusados de integrar uma milícia no Distrito Federal, os policiais militares presos na Operação Horus em 29 de maio faturaram cerca de R$ 1 milhão nos últimos quatro anos. O dinheiro, segundo diligências da Polícia Civil do DF e do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), veio de crimes – como extorsão, tráfico de drogas, grilagem de terras e homicídios – no Setor Habitacional Sol Nascente, em Ceilândia. A ação da PCDF que desarticulou o grupo revelou a existência de uma banda podre em um dos batalhões responsáveis pelo policiamento na região administrativa.
No dia da operação da corporação e do MPDFT, foi revelado que ao menos 12 policiais militares tinham envolvimento com atividades criminosas na área. A lista de suspeitos, contudo, aumentou. Em delação premiada, um dos criminosos afirmou que um major da Polícia Militar (PMDF) também integrava o esquema. É o primeiro oficial a ser vinculado ao caso. Até então, a lista de suspeitos incluía apenas praças, soldados e sargentos.
De acordo com relatos do delator, o major teria influência em órgãos fiscalizadores para retardar ou até evitar derrubadas em regiões que haviam sido invadidas pela organização criminosa. Ele recebia pagamentos em dinheiro como propina pelos serviços prestados. O nome do oficial não foi divulgado, para não atrapalhar outras apurações em curso.
Facção criminosa
Os militares formavam um braço armado e agiam em conluio com integrantes de uma organização criminosa chamada Comando do Sol Nascente (CSN). Os detalhes da hierarquia, a distribuição das funções na estrutura e a forma como os inimigos eram eliminados são relatados na delação premiada assinada por um ex-membro do CSN. Ao longo de oito meses, o colaborador narrou, em detalhes, como PMs entraram na disputa por terras na região.
O acordo de colaboração, que faz parte do inquérito conduzido pela Coordenação Especial de Combate à Corrupção, ao Crime Organizado, aos Crimes Contra a Administração Pública e aos Crimes Contra a Ordem Tributária (Cecor), cita nomes de alguns dos PMs presos recentemente. Um deles é o segundo-sargento da reserva Jorge Alves dos Santos.
Segundo os depoimentos, o militar passou a integrar a quadrilha após questionar os criminosos: “Pô, vocês invadem os lotes e não pagam nem um café para nós?”, teria dito o policial.
Recebimento de lotes
De acordo com a delação do ex-integrante do esquema, em 2015, Jorge dos Santos passou a receber lotes dos criminosos e, em troca, faria a segurança dos membros da organização criminosa, combatendo os inimigos da facção. Tanto Jorge quanto outros policiais, entre eles Francisco Carlos Cardoso da Silva, começaram a apreender drogas, armas e veículos dos rivais do CSN. Tudo era repassado aos integrantes do grupo.
O depoimento aponta que os militares faziam uma espécie de “gestão” junto a servidores públicos para evitar a derrubada de casas erguidas em lotes invadidos e revendidos por eles. Cada vez mais próximos dos líderes do CSN, os PMs corruptos investigados na Horus faziam apreensões de drogas e armas durante ocorrências e não levavam o material para as delegacias.
Movimentação bancária
Nós últimos cinco anos, os policiais militares investigados na Operação Horus tiveram as movimentações bancárias rastreadas por meio da quebra de sigilos bancários. Somadas, as transações suspeitas somam cerca de R$ 1 milhão. Alguns dos PMs alvos das apurações receberam depósitos e transferências de pessoas envolvidas em uma série de crimes, como roubo e grilagem de terras.
O policial militar João Batista Firmo Ferreira, tio da primeira-dama do país, Michelle Bolsonaro, é um dos investigados no suposto esquema criminoso. A Polícia Civil identificou diversas movimentações bancárias suspeitas em sete contas bancárias do PM. Ele recebeu R$ 88 mil entre 13 de junho de 2014 e 24 de julho de 2015.
Outro militar, o sargento José Cláudio Bonina, mais conhecido como “Véi da 12” por sempre estar com uma escopeta calibre .12, também teve o sigilo bancário de quatro contas quebrado pelos investigadores. Entre 17 de janeiro de 2014 e 10 de agosto de 2015, os policiais civis identificaram 37 depósitos de origem desconhecida nas contas de Bonina, totalizando R$ 55,78 mil.
No inquérito policial, os investigadores chamaram a atenção para uma série de depósitos recebidos por Bonina: em março de 2015, somando R$ 6,3 mil; em abril de 2015, mais R$ 11,6 mil; e em maio de 2015, R$ 5,9 mil.
Nas considerações finais do inquérito, a Polícia Civil relata que outros policiais também receberam quantias vultosas e sem origem determinada. Parte deles, somando-se tudo apurado no período em que durou a quebra de sigilos bancários, chegou a receber até R$ 125 mil. Embora esteja com o nome entre os investigados, o “Véi da 12” não está na lista dos presos.
O advogado criminalista Renato Araújo e a advogada Naiara Mendes, que representam os PMs Jair Dias Pereira, Paulo Henrique, José Deli da Gama e Francisco Cardoso, informaram por meio de nota que “os fatos não são contemporâneos. O lapso temporal entre o decreto de prisão preventiva e o seu cumprimento abrangem mais de cinco meses.”
Renato Araújo, que representa policiais militares em outras operações, afirmou que no caso da Operação Hórus “inexistem requisitos para prisão preventiva”. Ele enfatizou que ingressou com um habeas corpus no Tribunal de Justiça. A reportagem não conseguiu localizar a defesa dos demais suspeitos. Ao Metrópoles, a PMDF afirmou que colaborou com as diligências e que o caso corre sob sigilo de Justiça.
Organização criminosa
A ação é um desdobramento de investigação iniciada na 19ª Delegacia de Polícia (P Norte) há oito anos. Ao longo da apuração, foi identificado, dentro da organização criminosa, um núcleo que atuava como braço armado para cometer crimes relacionados às invasões de terras – entre eles, ameaças e homicídios.
Essa primeira fase é voltada justamente à desarticulação desse núcleo, composto por policiais militares denunciados pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) por crime de organização criminosa. De acordo com o MPDFT, eles eram responsáveis por proteger e dar suporte aos grileiros, bem como por comercializar parte dos terrenos.
As investigações têm como base informações contidas em inquérito policial militar instaurado pelo Departamento de Controle e Correição da PMDF para apurar os fatos. A ação foi batizada de Horus – o deus do sol, segundo a mitologia egípcia. É uma referência ao Sol Nascente.
Veja os nomes dos PMs presos:
Agnaldo Figueiredo de Assis
Francisco Carlos da Silva Cardoso
Jair Dias Pereira
João Batista Firmo Ferreira
Jorge Alves dos Santos
José Deli Pereira da Gama
Paulo Henrique da Silva