PCDF e PM vão adotar padrão de armamento calibre 9 milímetros
Corporações relatam falhas nos atuais armamentos de calibre 0.40. Polícia Militar vai recolher 12,4 mil pistolas da Taurus
atualizado
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Após diversas falhas comprovadas em relatórios técnicos das atuais pistolas fabricadas pela indústria brasileira Forjas Taurus, as polícias do Distrito Federal decidiram adotar como calibre padrão as armas semiautomáticas de 9 milímetros. Em uma portaria publicada neste mês de julho, a PM estabeleceu os tipos de armamento a serem empregados e escolheu a marca austríaca Glock. O projeto para a aquisição está em fase final de elaboração, segundo confirmado pela corporação.
O documento assinado pela comandante-geral da tropa, a coronel Sheyla Soares Sampaio, destaca a necessidade de substituir o calibre .40, adotado atualmente pela corporação. “Conforme comprovam as análises, a 9mm mantém a mesma eficiência da balística terminal da .40, contudo possui maior capacidade do carregador, causa menor desgaste no armamento, apresenta menor recuo e melhor precisão”, diz o texto. Ainda de acordo com a oficial, a nova pistola garante economia com aquisição de munições, já que os projeteis nesse calibre são até 40% mais baratos.
Na portaria, a coronel Sheyla também cita “a pouca qualidade do material bélico fornecido no mercado nacional”, os quais, segundo ela,
de forma contínua, vem apresentando os mais diversos defeitos, ocasionando seguidos recalls, o que de acordo com a PM, demonstra serem pouco confiáveis. A PM destaca que eventuais falhas no armamento podem expor tanto o militar quanto o cidadão a danos físicos, e psicológicos ou de morte.
A comandante destaca a necessidade de que a eficiência das armas de fogo para uso policial seja comprovada por meio de avaliação segundo critérios de certificação internacional e experiência de campo. Os principais fatores citados pela PMDF são: segurança, ergonomia, precisão, durabilidade, economia, necessidade de padronização e simplificação do processo de manutenção e reparo.
Ainda de acordo com a coronel, a única fabricante de armamento que cumpre os requisitos mínimos de porte para uso policial, conforme um estudo elaborado pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), é a Glock.
“O armamento Glock é adotado por centenas de polícias no mundo, a exemplo da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícias Militares dos Estados de São Paulo, Espírito Santo, Paraná, Mato Grosso, entre outras, sendo sido exaustivamente testada e aprovada em rigorosas verificações ou em campo, demonstrando que atende a necessidade da administração pública, na busca do interesse público”, disse a comandante-geral da PMDF.
PCDF
A Polícia Civil, no entanto, ainda trata o caso com cautela. Apesar de confirmar a mudança para o calibre 9x19mm, a corporação afirmou que está elaborando uma licitação internacional onde todas as empresas poderão participar. Segundo a PCDF, serão adquiridas 5 mil armas. A corporação vai analisar, principalmente, dois requisitos: capacidade técnica e preço.
O diretor-geral da PCDF, Robson Cândido, por meio de uma portaria publicada em maio deste ano, afirmou que estudos feitos pela comissão especial constataram que o acervo de pistolas calibre .40 está em grande parte deteriorado ou tem mais de década de uso. “Além disso, foi realizado o recolhimento de 750 pistolas, que atualmente constam como impedidas de serem acauteladas para uso em razão da decisão proferida na ação civil pública ajuizada pelo MPDFT em desfavor da Forjas Taurus”, diz o documento.
O grupo de estudo da PCDF também concluiu que o calibre 9mm apresenta diversas vantagens técnicas, operacionais e econômicas em relação ao calibre .40, atualmente usado pelos delegados e agentes.
A Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) determinou nessa segunda-feira (29/07/2019) o recolhimento imediato de 12.438 pistolas da marca Forjas Taurus. De acordo com relatórios técnicos, as armas apresentam graves falhas e são inadequadas para uso. A reportagem apurou que cerca de 34 policiais ficaram gravemente feridos após os equipamentos dispararem sem o acionamento do gatilho, alguns no Distrito Federal.
Além de colocar a vida dos agentes em risco, os problemas deixaram sequelas físicas e psicológicas aos integrantes das forças de segurança pública. As denúncias foram publicadas com exclusividade pelo Metrópoles, que acompanha o caso desde 2016.
Pelo menos 172 modelos PT 24/7 PRO, 24/7 PRO-DS e 24/7 PRO Tátical passaram por inspeção. De acordo com a PMDF, ficou comprovado defeito em 100% delas. Os problemas detectados são: falhas no carregamento; disparos em rajada; acidentes em caso de queda, tiros sem acionamento do gatilho, dentre outros. A aquisição de novos equipamentos para a substituição dos atuais será feita em caráter emergencial, no prazo de seis meses.
As determinações são resultado de processo administrativo instaurado em 2016 pela corporação e foram publicadas no Diário Oficial dessa segunda-feira (29/07/2019). De acordo com o texto, assinado pelo chefe do Departamento de Logística e Finanças, Stéfano Enes Lobão, a Forjas Taurus será declarada empresa inidônea, ou seja, ficará impedida de participar de novas licitações.
Veja:
Foi determinado, ainda, que seja calculado os prejuízos ao erário. A decisão foi comunicada aos seguintes órgãos de controle: Tribunal de Contas da União (TCU); Tribunal de Contas do DF (TCDF); Controladoria Geral do DF (CGDF); Ministério Público de Contas (MPC); Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT); Departamento de Fiscalização de Produtos Controlados (DFPC) do Exército Brasileiro; e Procuradoria-Geral do DF (PGDF).
O que dizem a Taurus e a PMDF
Em nota, a Taurus declarou não existir “penalidade de declaração de inidoneidade aplicada contra a empresa”. “Publicações incorretas ou falsas ensejarão a tomada das medidas legais cabíveis. A Taurus cumpriu todos os contratos de aquisição de armamentos celebrados com a PMDF, entre os anos de 2006 e 2011, e com a PCDF no ano de 2014”.
A Taurus destacou, ainda, que todas as perícias técnicas realizadas de acordo com as normas vigentes comprovaram não ter haver falha ou defeito nos mecanismos de funcionamento e segurança das armas da companhia.
A PMDF informou que como a publicação tornou-se pública nessa segunda (29/07/2019), “há um prazo para análise dos pedidos por parte do comando da corporação”. Na nota enviada à reportagem, a instituição sublinhou ter recolhido, entre os anos de 2018 e 2019, 6 mil pistolas da marca.
No texto, a corporação ressalta não ter mais vínculo com a Taurus. “Atualmente, não tem mais nenhum contrato vigente com a empresa. Além disso, um projeto para aquisição de novas armas se encontra em fase final de elaboração”, salientou.
Além disso, o MP cobrou a responsabilização criminal de seis executivos da empresa. Eles foram denunciados por crimes contra as relações de consumo, previstos na Lei nº 8.137/90, como comercializar produtos em condições impróprias e induzir o consumidor a erro.
A ação, que está em fase de alegações finais, partiu do Núcleo de Investigação e Controle Externo da Atividade Policial (NCAP) em conjunto com a Promotoria de Defesa do Patrimônio Público e Social (Prodep).
O MPDFT teve acesso a vários relatos de panes durante uso, inclusive a respeito de casos que ocasionaram lesões nos policiais. O contrato firmado entre a Taurus e a PCDF estabelecia que as armas deveriam ter mecanismo contra disparos acidentais, mas foi constatado que esse dispositivo não existia ou não funcionava adequadamente.
As ações tramitam na 8ª Vara Cível e na 7ª Vara Criminal de Brasília. Os casos de disparos acidentais são recorrentes em delegacias e batalhões. Técnicos penitenciários, agentes de polícia e militares colecionam histórias e cicatrizes decorrentes do mau funcionamento dos equipamentos da marca brasileira.
Teste decisivo
Diante das ocorrências registradas, o Instituto de Criminalística da Polícia Civil fez um teste por amostragem em 25 pistolas .40. Dez apresentaram falhas de segurança e dispararam ao cair no chão. O laudo, concluído em 2016, foi revelado com exclusividade pelo Metrópoles.
As armas usadas nos testes pertenciam à Polícia Civil e não apresentavam nenhum defeito aparente. Durante as verificações, elas foram jogadas em piso de concreto e borracha em cinco posições diferentes. Em três casos, o projétil foi detonado e, em sete, houve disparo, mas sem alteração na munição. A revisão do armamento foi tratada como urgente e partiu da Divisão de Controle de Armas e Explosivos (Dame).
De acordo com o documento, foi constatado que o ponto central para o tiro acidental é uma falha na trava de segurança. Quando há avaria, o projétil pode ser detonado sem o acionamento do gatilho.
Essa arma não oferece segurança para o policial e muito menos para a população. Ela pode disparar sozinha ou, em alguns casos, nem mesmo atirar em uma situação de perigo. As corporações não têm culpa. Isso acontece porque tem muita politicagem envolvida e não podemos comprar armas de outras marcas. A Taurus sempre financiou campanhas políticas, entre outros fatores.
Policial militar que pediu para não ter o nome divulgado
Em 2005, um agente de polícia deixou a arma cair em casa. A pistola disparou e atingiu a orelha direita dele. Em depoimento, alertou que o tio estava ao seu lado no momento do incidente e que algo pior poderia ter ocorrido.
Outro caso registrado em 2008 mostrou o quão vulnerável é o equipamento. Um agente da Divisão de Operações Especiais (DOE) estava em frente a um restaurante, na 707 Norte, quando a arma caiu e disparou ao ter contato com o chão. Por sorte, o projétil foi em direção ao céu e não atingiu ninguém.
O agente Luciano Vieira não teve a mesma sorte. Sua pistola .40 disparou e o atingiu na região da barriga e se alojou no ombro. Segundo ele, há evidências concretas de que a pane é recorrente. “É muito importante o policial registrar ocorrência se houver qualquer problema. A ocorrência também é mais uma prova que teremos sobre as constantes falhas”, explica.
Em abril de 2015, um agente penitenciário foi alvejado na panturrilha enquanto se preparava, colocando o cinto tático, para um curso de intervenção. “Em momento algum houve contato manual com a arma. Foi prestado os primeiros socorros. O agente foi encaminhado ao Hospital de Base em estado grave”, consta na ocorrência.
No mesmo ano, a pistola passou por perícia, que constatou falha no dispositivo de segurança. A arma disparou nos dois testes de queda. Os exames apontaram que a trava interna de segurança estava mal conservada. Em junho de 2015, o Instituto de Criminalística também constatou falha na pistola usada por outra agente de polícia. Ao cair, o projétil foi detonado e atingiu o teto do alojamento feminino de uma delegacia do Guará.
Boletim
Na época da divulgação do laudo, a Polícia Civil afirmou que tinha conhecimento dos casos, pois quando ocorre defeito o policial deve registrar boletim de ocorrência. A corporação informou que havia cinco registros dessa natureza envolvendo agentes da PCDF.
O Exército Brasileiro, órgão que controla a venda de armas no país, também foi oficiado, à época, para que prestasse esclarecimento ao MPDFT sobre as providências tomadas em relação às notícias de graves falhas nas pistolas. Ainda em 2016, a Força proibiu a produção e a comercialização das pistolas modelo 24/7 .40 S&W, fabricadas pela Forjas Taurus.
O comando-geral da Polícia Militar do DF e a direção-geral da Polícia Civil também tiveram de enviar relatórios sobre os defeitos verificados, informar a quantidade de armas problemáticas e o que foi feito em relação às ocorrências registradas por policiais feridos.