Oficial é afastado após denúncia de assédio contra PM que se matou
Outras três subordinadas a Márcio Barbosa tiraram licenças recentemente devido a problemas psicológicos após supostos casos de assédio moral
atualizado
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O tenente-coronel Márcio Barbosa da Silva, da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), foi afastado provisoriamente das funções devido a uma investigação sobre possível indução ao suicídio de uma subordinada. O caso passou a ser investigado pela Promotoria de Justiça Militar do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e Corregedoria da corporação, após a morte de uma tenente em 22 de março, no Guará II.
De acordo com PMs ouvidos pelo Metrópoles, a tenente que tirou a própria vida não foi a única militar alvo de assédio moral por parte do superior. Mais três oficiais que eram subordinadas a Silva foram afastadas recentemente devido a problemas psicológicos. A reportagem preservou os nomes e os detalhes dos casos, em respeito às vítimas e aos parentes.
O afastamento se deu a pedido do encarregado do Inquérito Policial Militar (IPM), que tramita no Departamento de Controle e Correição. Além disso, conforme apuração da reportagem, o oficial teve o porte de arma suspenso, o passaporte recolhido e está proibido de assumir função de comando.Outras denúncias foram enviadas à promotoria e estão em fase de apuração. O tenente-coronel era subcomandante administrativo nas regiões do Guará, Estrutural, Lago Sul e Setor de Indústria e Abastecimento (SIA).
Por meio de nota, a PMDF confirmou a decisão e ressaltou que afastar chefes em casos de suicídios de subordinados trata-se de procedimento “rotineiro”.
O referido oficial não está preso, ele foi afastado provisoriamente das funções, enquanto perdurarem as investigações. A instituição não poderá se manifestar com mais detalhes, para preservar o sigilo das apurações
Trecho de nota da PMDF
O MPDFT também confirmou que há uma investigação em curso. Porém, segundo explicou, o procedimento é sigiloso, por isso não é possível divulgar detalhes da diligência. A reportagem não conseguiu contato com a defesa do tenente-coronel Márcio Barbosa da Silva.
Contradição
Apesar de a PMDF tratar o afastamento dos comandantes como procedimento rotineiro, em outro caso de suicídio, ocorrido menos de 24 horas após a morte da tenente no Guará II, o superior do sargento que tirou a própria vida permaneceu na função de chefia.
O major Cláudio Peres segue desempenhando as funções de comando da Rondas Ostensivas Táticas Motorizadas (Rotam), onde o policial que se matou era lotado.
Dados sob sigilo
O suicídio de militares e agentes de segurança nas diferentes polícias e instituições das Forças Armadas é tratado como tabu nas corporações. Tanto que não há dados públicos acerca do número de casos no Distrito Federal. Contudo, levantamento feito pelo Grupo de Estudo e Pesquisa em Suicídio e Prevenção da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) ajuda a jogar luzes sobre a questão e a dar uma ideia do tamanho do problema.
Com base nos dados da pesquisa, cuja fonte é a própria Polícia Militar fluminense, de 1995 a 2009, foram registrados 58 casos de suicídio de PMs naquele estado e mais de 36 tentativas.
Conforme análise divulgada em 2016, das 58 mortes por suicídio de policiais militares da ativa, três ocorreram em serviço e 55 durante folgas. Foram, em média, três suicídios a cada ano.
Em São Paulo, segundo a Secretaria de Segurança Pública, 228 agentes suicidaram-se nos últimos 10 anos. Ou seja, uma morte a cada 17 dias. Do total de ocorrências, 182 dizem respeito a militares (79,8%) e 46 a civis (20,2%).
De acordo com o relatório, policiais com os mais altos níveis de estresse ocupacional são aqueles com tempo superior a 15 anos de serviço, sargentos, oficiais exercendo funções administrativas, divorciados, com idade acima de 30 anos, que não desfrutam de lazer em suas horas vagas; e os que não têm hobbies.
Comportamento suicida
Em 2014, um estudo do Ministério da Justiça e da Uerj ajudou a traçar o comportamento suicida entre profissionais da segurança pública. As informações foram trabalhadas considerando o banco de dados da Rede EAD da Secretaria Nacional de Segurança Pública e entrevistas com policiais militares de 27 localidades.
A pesquisa mostrou que, apesar da gravidade do problema, o suicídio policial não recebe a devida atenção do poder público nem das organizações policiais internacionais e nacionais.
Uma das razões da invisibilidade do fenômeno deve-se à cultura hierárquica na polícia. “No Brasil, o descaso do poder público é condizente com o caráter tradicional das políticas de segurança pública no país. No Rio de Janeiro, por décadas, gestores públicos priorizavam investimentos materiais (viaturas, radiocomunicação e armas) em detrimento de políticas de valorização de recursos humanos de policiais civis e militares”, destaca trecho do estudo.
Especialista em formação de mão de obra na área de segurança, o ex-policial Jorge Matos Alencar levanta outra questão. De acordo com ele, ainda existe muita fantasia em torno da profissão: “Muita gente quer ingressar nas Forças por conta do glamour, do status… Pensam que a coisa funciona como nos filmes. E a realidade é bem diferente”.
Para Alencar, é importante que essa realidade fique muito clara ao longo do treinamento. “Infelizmente, muitos soldados, policiais, vigilantes e seguranças vão para as ruas sem estar preparados para enfrentar a violência, ver pessoas morrendo, suportar uma hierarquia forte, muitas vezes injusta”, destaca. Isso, segundo ele, gera frustração e depressão.
Busque ajuda
O Metrópoles tem a política de publicar informações sobre casos de suicídio ou tentativas que ocorrem em locais públicos ou causam mobilização social, um tema debatido com muito cuidado pelas pessoas em geral.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que o assunto não venha a público com frequência, para o ato não ser estimulado. O silêncio, porém, camufla outro problema: a falta de conhecimento sobre o que de fato leva essas pessoas a se matarem.
Depressão, esquizofrenia e uso de drogas ilícitas são os principais males identificados pelos médicos em potenciais suicidas. Problemas que poderiam ser tratados e evitados em 90% dos casos, segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria.
Está passando por um período difícil? O Centro de Valorização da Vida (CVV) pode ajudar você. A organização atua no apoio emocional e na prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo, por telefone, e-mail, chat e Skype, 24 horas, todos os dias.
Disque 188
A cada mês, em média, 1 mil pessoas procuram ajuda no Centro de Valorização da Vida (CVV). São 33 casos por dia, ou mais de um por hora. Se não for tratada, a depressão pode levar a atitudes extremas.
Conforme dados da OMS, a cada dia, 32 pessoas cometem suicídio no Brasil. Entre os estudiosos e a própria organização, existe um consenso de que 90% desses casos poderiam ser evitados. Hoje, o CVV é um dos poucos serviços em Brasília nos quais se pode encontrar ajuda de graça. Cerca de 50 voluntários atendem 24 horas por dia a quem precisa.