Novinhas, viaturas da PMDF têm cubículos que mal cabem dois presos
Alvos da Operação Mamon, novas ASX são reprovadas pelo Conselho de Direitos Humanos, que vai acionar TCDF para questionar celas de detentos
atualizado
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A Polícia Militar recebeu reforço na frota no dia 20 de abril de 2018. São 299 utilitários modelo ASX, da Mitsubishi, que custaram R$ 37 milhões. No entanto, o que chamou atenção é o tamanho do cubículo reservado ao transporte de presos. Enquanto nos veículos antigos cabem até quatro detentos, os novos comportam apenas dois. Se forem mais gordinhos ficam apertados.
Ao lado das celas instaladas nas novas viaturas, cabe até um pneu extra. De acordo com o edital de licitação, o cubículo deve ser colocado no bagageiro de forma que promova “total isolamento do compartimento de passageiros e proteja integralmente os vidros e demais peças originais do veículo contra eventuais atos de vandalismo promovidos pela pessoa a ser conduzida”.
Embora a PM garanta que os novos compartimentos estejam dentro dos padrões legais, o presidente do Conselho de Direitos Humanos do Distrito Federal, Michel Platini, afirma que o transporte no porta-malas das novas viaturas “atenta contra a dignidade de qualquer ser humano, independentemente da faixa etária”.
Ele explica que a prática é condenada pelos organismos de Direitos Humanos internacionais e implica em risco à integridade física e mental dos detidos. “Em caso de capotamento de viatura policial que transporta presos na ‘gaiola’, quais as consequências para os eventuais detentos amontoados? Certamente, não terão a mesma segurança de passageiros que usam cinto de segurança”, destacou.
Platini prometeu denunciar o caso ao Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF). “Como o governo utiliza dinheiro público para adquirir algo que não atende os preceitos legais? Usa recursos que ajudam a naturalizar e oficializar a violação dos Direitos Humanos”, criticou.
O defensor dos Direitos Humanos lembra, ainda, que nos Estados Unidos os policiais utilizam a parte interna do veículo, que é separada. Lá, os presos não têm acesso à parte da frente da viatura, o que garante a integridade dos agentes de segurança.
“É um compartimento fechado e climatizado, sendo os presos conduzidos com algemas e não tendo acesso à maçaneta da porta, que só abre pela parte externa ou por um botão acionado pelo motorista. As janelas possuem grades de proteção e os vidros ainda são reforçados. Podem ser transportados de dois a três presos sentados”, compara.
Questionada, a Polícia Militar explicou que o cubículo instalado obedece a legislação e confirmou que o espaço comporta até duas pessoas adultas. “O compartimento tem capacidade para 380 litros. Ressalta-se que o transporte deve ser feito de forma a assegurar o respeito à integridade moral e física dos detidos”, diz a nota encaminhada pela corporação. A efeito de comparação, as Pajeros que já são usadas pela corporação têm porta-malas de 500 litros, e abrigam até quatro pessoas.
Alvo de investigação
De acordo com o contrato inicial, cada viatura custou R$ 124,3 mil. O negócio foi questionado e colocado no centro do escândalo investigado pela Operação Mamon, deflagrada em novembro de 2017 pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).
Promotores da Justiça Militar (PJM), do Centro de Informações (CI) e do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) suspeitam que a licitação para a compra das ASX Mitsubishi pode ter sido direcionada. Além disso, investigam suposto pagamento de propinas em troca do pagamento das notas de serviço.
Outro contrato na mira da operação é o de compra de rádios para as viaturas adquiridas no final de 2016 e entregues em agosto de 2017 pela corporação. Cada equipamento custou R$ 6,6 mil e as unidades chegaram a ser reprovadas por um especialista, que foi afastado do cargo.
As apurações — feitas com a colaboração da Corregedoria da PMDF — também identificaram, entre outros crimes, que responsáveis pelos pagamentos no Departamento de Logística e Finanças (DLF) da PM faziam vista grossa para um esquema que envolvia a manutenção das viaturas modelo Pajero. Peças dos veículos, que deveriam ser trocadas, jamais eram substituídas, apesar de os pagamentos serem feitos.
Durante a primeira fase da ação, o coronel Francisco Feitosa, então chefe do DLF, foi preso. Os promotores cumpriram mandado de busca e apreensão na residência dele, em Vicente Pires. O oficial é suspeito de exigir propina para a liberação dos valores devidos pela corporação aos serviços prestados por empresários.
Feitosa ganhou a liberdade provisória em janeiro de 2018. Ele também conseguiu ser aposentado e transferido para a reserva remunerada com o salário de R$ 17,6 mil.
Dezenas de documentos relacionados aos contratos de manutenção, computadores e pen drives foram apreendidos pelos promotores durante a operação. Existem indícios de que o esquema teria se perpetuado nos últimos cinco anos, sempre beneficiando oficiais do DLF.