MPDFT exige que fornecedoras de marmitas a presídios cumpram contrato
As responsáveis pela alimentação de detentos são acusadas de não fornecer o serviço pelo qual o GDF pagará R$ 200 milhões até 2019
atualizado
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O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) abriu investigação para apurar denúncias de que as fornecedoras de alimentação para os presídios do DF não cumprem os contratos com o GDF. O MPDFT já notificou as três empresas que prestam o serviço na capital. A Confederal/Confere, a Cial e a Nutriz foram oficiadas sobre a necessidade de obedecer às determinações previstas nos acordos firmados com o governo local, que custarão aos cofres públicos R$ 200 milhões até 2019.
Caso as empresas insistam em descumprir as determinações legais, poderão ter os contratos rescindidos, e seus gestores, vinculados à Subsecretaria do Sistema Penitenciário (Sesipe), responder a uma ação de improbidade administrativa.
De acordo com o Núcleo de Controle e Fiscalização do Sistema Prisional do MPDFT (Nupri), as companhias não entregam os cardápios previstos no contrato, embora recebam pelo serviço. Na ceia noturna, por exemplo, em vez do pão com queijo, manteiga e presunto, os detentos recebem pão puro, sem recheio. Todos os 15.311 internos do sistema prisional têm sido prejudicados.
A falta de recheio no sanduíche é apenas uma fatia do problema da alimentação no sistema carcerário do DF. Há desajuste na quantidade de itens, como feijão e carne, além de problemas na qualidade e variedade de legumes, verduras e frutas que chegam às unidades prisionais. O que se tira da boca dos detentos fica no bolso dos donos dos contratos. E quem paga a conta é o cidadão.
Além disso, segundo o MPDFT, embora existam pelo menos três opções de ceia previstas nos acordos com o GDF, somente uma chega aos presos.Recentemente, verificamos que as empresas não faziam um revezamento entre os itens previstos no contrato para a ceia. Solicitamos os cardápios específicos e oficiamos para que passem a cumprir fielmente o que foi determinado
Berenice Maria Scherer, promotora de Justiça do Nupri
Dentro do núcleo existe um procedimento específico para acompanhar a alimentação dos detentos. Todos os meses, os profissionais recebem os cardápios das empresas e, quando verificam que elas não atendem ao serviço contratado, mandam o ofício para as companhias e para o gestor do contrato, a Sesipe.
Embalagem inadequada
Além de exigir o cumprimento dos contratos, o núcleo do MPDFT se reuniu com as empresas e determinou que elas tomem providências em relação às marmitas entregues aos presídios. Durante as visitas mensais feitas pelo MPDFT, foi verificado que as quentinhas não chegam aos presídios completamente lacradas. Embora as companhias usem o material previsto em contrato, o cuidado com o produto é insuficiente. “É possível melhorar, devendo haver um menor empilhamento das marmitas nas caixas box”, disse Maria Scherer.
O MPDFT sugeriu a troca do material de alumínio para isopor, mas não deu certo. “Foi combinado que seria feito um teste com embalagem de isopor. Mas as empresas disseram que essa alternativa não estava retendo o calor do alimento em temperaturas adequadas. Além disso, foi pontuado que o isopor era um material que, em combustão, produzia fumaça tóxica, não sendo possível a sua reciclagem, causando grande acúmulo de lixo”, afirmou a promotora.
No bolso
Para fornecer quatro alimentações diárias aos detentos dos seis presídios do DF, cada empresa conta com um orçamento milionário, segundo os contratos que abrangem o período de 2014 a 2019. A Cial Comércio de Alimentos, que atende o Centro de Detenção Provisória (CDP) e a Penitenciária do Distrito Federal II (PDF II) — ambos no Complexo Penitenciário da Papuda —, receberá R$ 91.873.700,98 até o término do acordo. A Nutriz abocanhará R$ 71.622.908,75; e a Confederal/Confere, R$ 31.208.401,53.
Veja um dos contratos firmados entre empresas e o GDF
Comida azeda
Reportagem publicada pelo Metrópoles em 15 de maio denunciou, com base em relatos dos familiares de presidiários, problemas na quantidade de marmitas e de caixas de suco entregues. As denúncias incluem reclamações sobre comida estragada. Um dos principais motivos de a alimentação chegar em péssimo estado diz respeito às condições de transporte e à temperatura na qual é mantida. Situações também questionadas pelo Nupri.
Vigilância Sanitária
Os frequentes problemas relacionados à alimentação dos presos motivou inspeções nas fornecedoras. Um desses casos foi motivado após um grande número de intoxicações na Penitenciária Feminina do DF, a Colmeia. O Ministério Público pediu uma vistoria da Vigilância Sanitária na empresa Confere/Confederal, responsável pela comida da unidade.
A batida foi realizada em 28 de março, quando se verificou “que as marmitas de alumínio estavam chegando amassadas” e que “a temperatura estava abaixo do recomendado”, diz trecho do documento da Vigilância Sanitária entregue à Secretaria da Segurança Pública e da Paz Social (SSP).
De acordo com a Pasta, os fiscais verificaram as condições de produção, armazenamento e transporte da comida. Parte do relatório concluído apontou problemas na temperatura e no transporte da comida realizado pela empresa Confederal/Confere.
O Nupri, então, solicitou a relação das irregularidades encontradas, porém ainda não teve retorno por parte da Vigilância Sanitária, que não divulgou a íntegra do relatório. A Cial Comércio de Alimentos e a Nutriz também passaram por vistoria, mas as conclusões tampouco foram divulgadas pelo órgão.
A reportagem tentou contato com as três empresas em todos os números disponibilizados na internet, mas não obteve sucesso. Já a SSP afirmou que, a princípio, ainda não havia sido notificada pelo MPDFT sobre os problemas relativos ao cumprimento dos contratos por parte das empresas. Entretanto, a assessoria da secretaria afirmou que checaria se havia chegado algum documento do Ministério Público sobre o assunto. Até a última atualização desta reportagem, a pasta não havia se pronunciado novamente.
Falhas recorrentes
Não é de hoje que autoridades voltam os olhos para os problemas nos presídios locais. Em maio, o desembargador Roberval Belinati, supervisor-geral do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Socioeducativo do Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT), afirmou que é possível determinar a apuração de responsabilidades no caso de recebimento de queixas. “O preso tem que ser tratado com dignidade e respeito, conforme determina a Constituição Federal. Pelo princípio da dignidade humana, não admitiremos nenhum descumprimento às normas legais.”
A diretora da Associação de Familiares dos Internos e Internas do Sistema Prisional do DF e Entorno (Afisp-DFE), Darlana Godoi, disse que a questão é simples de ser resolvida: basta as empresas cumprirem os contratos.
Ninguém quer que preso coma filé-mignon, mas é uma questão de higiene, de transporte correto dos alimentos. A comida é quase uma lavagem, fede e não tem tempero. O frango chega cru
Darlana Godoi, diretora da Afisp-DFE
Prisões Brasil afora
Problemas de fraudes e superfaturamento em contratos para alimentação em presídios afetam outros estados. Em Minas Gerais, em Goiás e no Rio de Janeiro foram desencadeadas ações policiais e do Ministério Público relacionadas ao tema. A mais recente ocorreu no Rio, onde a Polícia Federal deflagrou, em 1º de junho, a Operação Ratatouille. O caso é um desdobramento da Lava Jato e levou à prisão um fornecedor de merenda escolar e de alimentação para presídios: o empresário Marco Antônio de Luca.
Marco Antônio teria pago pelo menos R$ 12,5 milhões em propina para pessoas ligadas ao ex-governador Sérgio Cabral (PMDB). O objetivo era assegurar os contratos com o governo fluminense. Segundo a PF, ele é ligado às empresas de alimentos Masan e Milano. Juntas, elas receberam, entre 2011 e 2017, R$ 7 bilhões do estado para prestar os serviços de alimentação.
Em Minas, a diferença entre o preço do menu e a fatura apresentada ao contribuinte levou à prisão de quatro pessoas em 2012. Segundo investigações da Operação Laranja com Pequi, foi montado um esquema no estado para favorecer a empresa Stillus, de Alvimar de Oliveira Costa. Alvimar é irmão do senador Zezé Perrella (PMDB-MG).
A Stillus foi acusada de superfaturar quentinhas servidas nas penitenciárias. A investigação apontou que uma das formas de a empresa lucrar por fora era pelo fornecimento de alimentação de baixa qualidade. A fraude, em valores da época, estava estimada em R$ 166 milhões.
Bloqueio de R$ 2 bilhões
Em Goiás, um escândalo recente envolveu um grupo de 10 pessoas e dois empreendimentos, todos relacionados com o contraventor Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira.
Em 22 de maio passado, a Justiça determinou o bloqueio de R$ 2 bilhões dos envolvidos em um esquema de fraudes na contratação de empresas para o fornecimento de refeições no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia.