Ministério Público apura 31 mortes de presidiários do DF em 2019
Problemas das unidades prisionais da capital vão além da fuga de detentos: esbarram em superlotação e no baixo efetivo de servidores
atualizado
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A fuga de três presos do Complexo da Papuda, ocorrida na madrugada dessa terça-feira (28/01/2020), expôs a vulnerabilidade do sistema penitenciário da capital. Os problemas, contudo, não se limitam à falta de segurança e ao baixo efetivo de servidores no período noturno. Superlotadas, as unidades prisionais viraram alvos de investigação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) após 31 presos morrerem na capital em 2019.
Neste ano, o MPDFT afirmou já ter tomado ciência de outras duas mortes, ambas no Centro de Progressão Penitenciária (CPP). “Para cada ocorrência, o Núcleo de Controle e Fiscalização do Sistema Prisional (Nupri) instaura procedimento, a fim de apurar se houve conduta ilícita ou negligência por parte de agentes públicos”, disse o órgão, em nota.
A investigação é assistida pela Comissão de Acompanhamento do Sistema Penitenciário da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Distrito Federal. Em entrevista ao Metrópoles, a presidente do colegiado, Claudia Duarte, afirmou que as mortes são resultado da “situação caótica” em que se encontram os presídios da capital.
“O sistema penitenciário do DF é modelo em procedimento de disciplina, mas é totalmente falho na proposta de ressocialização. É preciso lembrar que o preso que está ali vai sair um dia. A realidade hoje é caótica no contexto do aprisionamento”, explicou a advogada.
Atualmente, a capital possui, em todas as unidades prisionais, mais de 16,4 mil detentos, segundo balanço do Sindicato dos Agentes de Execução Penal do DF (Sindpen). O número chama atenção se comparado ao primeiro registro da entidade, feito em 2002, quando o número de presos era de 5.833. Ou seja, em 17 anos, a população carcerária do DF aumentou em 11 mil internos.
De acordo com a advogada Claudia Duarte, o crescimento da população carcerária deveria ser acompanhado pela contratação de novos servidores e policiais penais, o que não ocorreu. Em 2019, a capital tinha, segundo o Sindpen, 1.658 funcionários contratados até maio. Na prática, significa que existem hoje, pelo menos, 10 presos para cada policial penal.
Em algumas unidades prisionais, a divisão é ainda mais problemática. Localizada na Papuda, a Penitenciária do Distrito Federal 1 (PDF) tem, em média, 19 presos sob custódia de apenas um agente. Segundo a presidente da Comissão de Acompanhamento do Sistema Penitenciário da OAB-DF, a distribuição de servidores por detentos contraria o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP). O órgão recomenda um agente prisional para custodiar, no máximo, cinco presidiários.
“Efeitos colaterais”
O baixo efetivo foi apontado como um dos motivos que permitiram a fuga dos três suspeitos na madrugada dessa terça. “A avaliação técnica que faço é que a situação tenha sido consequência do baixo efetivo. Eles fugiram no período noturno, durante o plantão, quando há menos agentes trabalhando”, continuou a defensora.
A advogada afirma que, além da instabilidade dentro da cadeia, a superlotação acarreta outros “efeitos colaterais” ao sistema. “Em celas que comportam de 12 a 18 presos, existem 35 custodiados. Esse cenário propicia a propagação de doenças infectocontagiosas. Há outro problema: a falta de servidores impede que os presos tenham direito até mesmo ao banho de sol ou a uma ação ressocializadora.”
Na expectativa de inaugurar quatro novos Centros de Detenção Provisória (CDPs), sendo três deles ainda no primeiro semestre, a capital espera desafogar a superlotação com a chegada das novas unidades, que terão 3,2 mil vagas. A representante da comissão da OAB-DF afirma, no entanto, que a inauguração das unidades pode não ocorrer por falta de efetivo.
Para o presidente do Sindpen, Paulo Rogério, o sistema penitenciário brasiliense dá demonstrações de que “está entrando em colapso”. “O presídio, hoje, é uma cidade, são 17 mil pessoas morando ali para 1,7 mil agentes. É muito complicado querer exigir do policial penal que garanta a segurança diante desse cenário caótico”, afirmou.
Fuga investigada
Por volta das 2h de terça-feira, três detentos fugiram do CDP por um buraco aberto na parede da cela. Localizada em uma das alas mais antigas do complexo, as paredes da cela eram feitas de tijolos e uma fina camada de cimento.
Há indícios de que os detentos tenham subido no telhado do Bloco 1 da Ala A do CDP, pulado dois muros e escapado. A fuga é investigada pela 30ª Delegacia de Polícia (São Sebastião). A Subsecretaria do Sistema Penitenciário (Sesipe) determinou que os policiais reforcem as buscas aos foragidos.
Um dos detentos que fugiu do CDP é velho conhecido da polícia por ter cometido prática semelhante. Roberto Barbosa dos Santos, preso pela 18ª Delegacia de Polícia (Brazlândia) por estelionato em agosto do ano passado, fugiu da delegacia no dia do flagrante.
A última fuga registrada no complexo ocorreu em 21 de fevereiro de 2016, quando 10 detentos da PDF 1 escaparam durante chamada nominal feita por agentes, ato conhecido como “confere”. O local abriga presos que cumprem pena em regime fechado.
O que diz a Sesipe
Segundo a Subsecretaria do Sistema Penitenciário, de acordo com levantamento realizado na terça-feira (28/01/2020), há 16.406 internos nas seis unidades prisionais administradas pelo órgão. A capacidade é de 7.398 vagas.
“Até junho de 2018, a lei que organiza a careira de execução penal no DF limitava a um total de até 1,6 mil vagas de agentes de execução penal. Em julho do mesmo ano, com a criação de mais 1,4 mil vagas pelo Poder Legislativo, foi ampliada a possibilidade de contratação para até 3 mil agentes”, disse, por meio de nota.
Atualmente, informa a Sesipe, o sistema prisional possui 1.998 servidores em atuação nas unidades prisionais, entre agentes de execução penal, agentes policiais de custódia, delegados de polícia e servidores de áreas administrativas.
“Com o preenchimento de todas as vagas, a média de internos por agente chegará a 5,6, valor bem próximo do recomendado pelo CNMP, qual seja, um agente para cada cinco presos nas unidades prisionais”, acrescentou a subsecretaria.
Com relação à fuga na madugada “diversas equipes da Diretoria Penitenciária de Operações Especiais (DPOE) realizam as buscas nas redondezas do complexo para a captura dos fugitivos. Elas contam com o apoio de equipes das polícias Civil (PCDF) e Militar (PMDF)”.
“A subsecretaria esclarece que foi aberto procedimento administrativo para apurar as circunstâncias do ocorrido, como é praxe em todas as ocorrências de fuga registradas no sistema prisional do DF”, disse o órgão.
Ainda segundo a nota, a Sesipe “ressalta que realiza vistorias rotineiras em todas as unidades prisionais do DF. Corredores e áreas sensíveis das penitenciárias são monitorados por circuito de videomonitoramento”.