Mãe e irmãs de Naja que picou estudante foram vendidas por R$ 5 mil no DF
Há indícios de que após uma reprodução clandestina, outras Najas tenham sido adquiridas por criadores de animais exóticos
atualizado
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A Naja kaouthia que picou Pedro Henrique Santos Krambeck Lehmkuhl, 22 anos, e deu início a uma ampla investigação sobre tráfico internacional de animais exóticos, pode ter familiares em Brasília.
O Metrópoles teve acesso a conversas que indicam ter havido uma reprodução clandestina no Distrito Federal e cada animal da ninhada de Najas foi vendido por cerca de R$ 5 mil.
Além de Pedro, outros criadores de animais exóticos em Brasília adquiriram exemplares, que seriam irmãs e até mesmo a mãe da serpente que deixou em coma o estudante de medicina veterinária.
A reportagem ouviu médicos veterinários, que disseram que cobras são diferentes de outros bichos e não se reconhecem como “família”.
Na sexta (14/8), o Metrópoles divulgou que o universitário tinha intenção de reproduzir o animal de origem asiática. Em um diálogo, o interlocutor indaga: “Você vai vender ela (sic)?”. Pedro responde: “Quero reproduzir”. As investigações envolvendo o estudante foram o fio para um esquema enraizado na capital federal há décadas.
Pedro é considerado novato no esquema ilegal de compra e venda de animais silvestres, mas já era conhecido entre os principais fornecedores por adquirir animais caros.
Segundo as investigações conduzidas pela 14ª DP (Gama), Pedro contava com apoio do seu núcleo familiar para cuidar e manter os animais ilegais. A quantidade de espécies foi crescendo tanto que ele precisou usar um outro apartamento para colocar parte das serpentes.
O universitário foi indiciado por tráfico de animais, associação criminosa e exercício ilegal da medicina. Este último porque fez cirurgia em uma das cobras dentro do estabelecimento comercial de sua família. A mãe e o padrasto do rapaz são sócios de uma franquia de lanchonete.
Associação criminosa
A mãe de Pedro, Rose Meire dos Santos Lehmkuhl, e o padrasto dele, o coronel da PMDF Eduardo Condi, também foram indiciados, assim como o major Joaquim Elias Costa Paulino, comandante do Batalhão Ambiental da Polícia Militar do DF.
“Foi elucidado um esquema de tráfico de animais a partir desse rapaz, onde se comprovou que ele trafica animais. Ele traz cobras de outros estados. Temos registros de viagens, vendas, diálogos a partir de aplicativos de conversa. Compra, venda, valores. Pessoas que compareceram à delegacia e que confirmaram o valor, modo de entrega”, afirmou o delegado Willian Ricardo, da 14ª DP (Gama).
Confira todos os indiciados:
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- Pedro Henrique: tráfico de animais, associação criminosa e exercício ilegal da medicina.
- Rose Meire: fraude processual, corrupção de menores, tráfico de animais, maus-tratos e associação criminosa.
- Clovis Eduardo Condi: tráfico de animais, fraude processual, maus-tratos e associação criminosa.
- Gabriel Ribeiro: posse ilegal de animal silvestre, maus-tratos, fraude processual e corrupção de menores.
- Julia Vieira: posse ilegal de animal silvestre e corrupção de menores.
- Fabiana Sperb Volkweis: fraude processual.
- Raynner Leyf: posse ilegal, fraude processual e associação criminosa.
- Major Joaquim Elias: prevaricação, fraude processual, associação criminosa, coação no curso do processo.
- Silvia Queiroz: fraude processual.
- Luiz Gabriel: favorecimento real.
- Gabriel Moraes: associação criminosa e maus-tratos.
Preços
Pedro entrou no mundo do tráfico de animais em 2017, segundo os investigadores. Passou a reproduzir as serpentes e a vender os filhotes. Cada um custava cerca de R$ 500. “Deixamos claro que não se trata de um colecionador. Nessa investigação, tratamos de separar os criadores de quem compra, vende”, esclarece o delegado.
A afirmação é corroborada por mensagens de texto trocadas entre o jovem e a mãe dele, Rose. Em uma delas, o universitário passava pela cidade de Ibotirama (BA) e trazia consigo uma cobra. Ele também mantinha contatos de outros traficantes de animais.
“Para alimentar essas cobras, são necessários ratos, que são oferecidos vivos ou mortos. Mortos, eles precisam estar congelados. Quem tem esses animais em casa geralmente mantém no congelador e depois descongela em banho-maria. Na residência desse rapaz tinha uma série de camundongos congelados no freezer”, explica Willian Ricardo.
A rede
Pedro passou a ter mais de 20 serpentes. O local onde ele as criava, no Guará, ficou pequeno e os amigos passaram a ajudar. A mãe era responsável por alimentar as cobras e cuidar: há fotos e vídeos em que ela alimenta os animais e cuida dos camundongos.
“O material colhido é extenso. Ela [a mãe de Pedro] forneceu o cativeiro e ajudou nos cuidados dessas cobras”, diz o delegado. E Rose foi indiciada por tráfico de animais, associação criminosa e maus-tratos. Os acusados foram indiciados 22 vezes, uma vez para cada animal.
Em relação ao padrasto, o coronel da PMDF Eduardo Condi, ele foi denunciado pelos mesmos crimes do rapaz e da mãe por ter permitido “que a residência virasse cativeiro”, nas palavras de Willian Ricardo.
Depois da picada
De acordo com as investigações, Gabriel Ribeiro, amigo principal de Pedro, foi acionado pela família quando o caso Naja estourou. Em uma dessas oportunidades, o padrasto de Pedro Henrique teria ajudado a tirar cobras do apartamento. “O delito caracteriza fraude processual. Todos também foram indiciados por fraude por essa conduta”, diz Willian Ricardo.
A Naja e outras serpentes foram escondidas em um haras. O Batalhão de Polícia Militar Ambiental foi avisado para recolher o animal atrás de um shopping. Então, entra o major Joaquim Elias Costa Paulino, comandante do BPMA, que chegou ao local para pegar a Naja. O policial também foi indiciado por fraude processual, prevaricação e coação no curso do processo.
“O rapaz afirmou à polícia que fez um acordo com o BPMA para entregar o animal e não ser preso. Em razão disso, Elias foi indiciado por prevaricação”, detalha o delegado. “A conduta dos PMs atrapalhou as investigações.”
A professora de veterinária Fabiana Sperb Volkweis também foi indiciada por fraude processual porque incentivou o aluno a soltar a cobra. “Todos fizeram questão de ocultar e atrapalhar as investigações. Não há outra consequência senão a responsabilização penal”, diz o delegado.
A polícia ainda não sabe quanto eles movimentaram em dinheiro, mas todos os indiciamentos serão multiplicados 22 vezes, que é o número de animais envolvidos no tráfico.