Juristas, advogados, policiais e sociedade divergem sobre audiências de custódia, mas concluem: é preciso aprimorá-las
Especialistas debateram, por seis horas, a norma imposta pelo CNJ. Seminário foi promovido na Câmara Legislativa
atualizado
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Iniciadas em outubro do ano passado no Distrito Federal, as audiências de custódia dividem a opinião dos variados atores envolvidos no campo da segurança pública. Ao mesmo tempo em que são defendidas por categorias do Judiciário, provocam insatisfação de outros órgãos e são questionadas por segmentos da sociedade civil. Com o propósito de debater o assunto, a Câmara Legislativa recebeu um seminário nesta quinta-feira (28/1). Foram mais de seis horas de discussão e uma conclusão: a regulamentação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) precisa ser aperfeiçoada.
Um dos maiores questionamentos é a obrigatoriedade da apresentação do preso em flagrante no prazo de 24 horas. Para alguns operadores do direito, as audiências de custódia são uma brecha que incentiva o criminoso a cometer delitos, pois pode recolocá-lo de volta às ruas mais rapidamente.Diretor-geral adjunto da Polícia Civil, o delegado Anderson Espíndola explicou que hoje é impossível cumprir o prazo de 24 horas. “Não temos condições logísticas. Isso ocorre em 48 horas, mesmo assim, com dificuldade”, contou.
Segundo ele, foram realizadas, em 2015, 2,3 mil audiências de custódia. Espíndola, no entanto, lamenta que 57% dos presos foram postos em liberdade por meio delas. “Foram liberados presos por tráfico, roubo e até uma pessoa que cometeu homicídio.”
Anderson Espíndola falou, em nome da categoria policial, que a corporação está desanimada desde que as audiências foram implementadas. “A gente vê o desestímulo do colega. A pessoa é autuada erapidamente é colocada em liberdade. Isso desanima o policial.”
A visão do diretor foi um questionamento à declaração do representante do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT), juiz Pedro de Araújo Yung-Tay Neto, que havia usado a palavra antes para defender as audiências de custódia: “Elas não são para soltar bandidos, mas para garantir a presunção da inocência”, afirmou o magistrado.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil — Seção DF (OAB-DF), Juliano Costa Couto, ponderou as críticas e os elogios à medida. Segundo ele, o lado bom das audiências de custódia é que colocam em prática a presunção de inocência. “A Ordem as apoia, desde que sejam presenciais.” Couto, entretanto, fez uma ressalva. “A medida atrapalha os advogados novos. Vou usar um termo chulo: o malandro experimentado sabe que, se não contratar um advogado, será solto com o trabalho da Defensoria”. Dessa forma, diz o presidente da OAB, o suspeito dispensa a contratação de um profissional.
O evento desta quinta (28) foi promovido por iniciativa do deputado distrital e ex-secretário de Justiça Raimundo Ribeiro (PSDB). Segundo o parlamentar, a discussão é oportuna. Ele lembrou a repercussão que teve o vídeo de desabafo do delegado-chefe da 4ª Delegacia de Polícia (Guará), Rodrigo Larizzatti, no início do mês. “Vi esse vídeo, que me motivou a propor o debate. E me surpreendi com a adesão ao evento por este ser um mês em que, geralmente, muitas pessoas estão de férias.”
“Espinhoso”
O promotor de Justiça José Theodoro de Carvalho classificou o tema como “espinhoso”, mas disse que a análise dele está mais alinhada com a de Anderson Espíndola: “Deveria ter uma lei própria de cada município. É importante que o juiz tenha sensibilidade se aquela pessoa oferece perigo à sociedade; se a prisão dessa pessoa foi adequada ou não; se ela representa risco para a sociedade. Em alguns casos, o juiz adota o posicionamento que talvez não seja o mais usual. Na semana passada, um rapaz flagrado com 200 pedras de crack foi solto. Nós vamos recorrer”, exemplificou.
Também presente no seminário, o secretário de Justiça e Cidadania, João Carlos Souto, avaliou que as audiências são uma “demonstração inequívoca de que a Constituição está funcionando. A humanidade conquistou, ao longo de muita luta, a garantira da inocência. Claro que, como toda novidade, causa uma certa perplexidade. Deve ser aperfeiçoada”, disse.
Críticas
O diretor da Penitenciária do Distrito Federal I (PDF I), do Complexo da Papuda, Mauro César Lima (foto), é contra a determinação do CNJ. “Hoje, prendemos bandidos perigosos que vão para a rua por causas dessas audiências”, disse o delegado.
O diretor-geral da Defensoria do DF, Ricardo Batista, fez um discurso mais ameno. “Atendemos não só aqueles são acusados, mas também as vítimas. A audiência foi um ganho inestimável. Até mesmo para acabar com a máxima de que só vai para cadeia quem é pobre. Temos feito 25 audiências por dia, mesmo sem termos defensores suficientes.”
Depen
Já a secretária da Segurança Pública e da Paz Social, Márcia de Alencar, anunciou um convênio assinado com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, que destinará R$ 3 milhões para o DF criar a Central Integrada de Alternativas Penais.
Embriaguez ao volante
Mesmo sem estar inscrita e sentada na penúltima fileira de cadeiras do auditório da Câmara, a moradora do Riacho Fundo Vanessa Dark, 46 anos, não precisou de microfone para interromper várias vezes o debate. Em uma intervenção, criticou a soltura do marido, após uma audiência. Ele foi flagrado dirigindo embriagado. “Sou a favor do que é certo. Ele foi pego três vezes e nunca ficou preso”, lamenta a mulher, que é casada há 20 anos.