Hackers foram contratados para fraudar mais de R$ 1 milhão em multas no DF
O Metrópoles apurou que o servidor do Detran-DF Cláudio Rodrigues de Queiroz foi preso durante a Operação Backdoor
atualizado
Compartilhar notícia
Um grupo investigado pela Polícia Civil do Distrito Federal é suspeito de cancelar indevidamente mais de R$ 1 milhão em multas de trânsito. A apuração indica que os criminosos montaram um complexo esquema envolvendo fraudes, corrupção de servidores públicos e crimes cibernéticos. Os investigados teriam contado com auxílio de hackers para invadir o sistema do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF).
O Metrópoles apurou que o servidor Cláudio Rodrigues de Queiroz – originalmente da Seplag, mas que estava cedido ao Detran – foi preso durante a Operação Backdoor, deflagrada na manhã desta quarta-feira (29/7). A investigação foi conduzida pela Coordenação Especial de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Cecor). A ação teve apoio do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).
Foram cumpridos cinco mandados de prisão e oito de busca em residências e no local de trabalho dos investigados. Segundo as apurações, há indícios de que as fraudes foram realizadas pelos hackers por meio de uma falha no sistema on-line do Detran.
Os criminosos se aproveitaram da vulnerabilidade e conseguiram cancelar multas, bem como retirar restrições judiciais e administrativas, permitindo, inclusive, o licenciamento e a transferência de propriedade de veículos com pendências.
O servidor cedido ao Detran-DF que foi preso é suspeito de repassar informações internas a ex-despachantes que realizavam as fraudes. A Polícia Civil acredita que os crimes eram encomendados pelos proprietários dos veículos a intermediários que, por sua vez, solicitavam aos hackers a alteração no sistema Getran.
Os delegados Wenderson Teles e Luiz Eduardo Mendes, responsáveis pelo caso, explicam a atuação da quadrilha.
Assista:
Veja imagens da operação:
O laudo pericial produzido pelo Instituto de Criminalística da PCDF, por meio da Seção de Perícias de Informática, apontou que o montante dos valores das multas canceladas indevidamente chega a R$ 1.371.658,99.
Os suspeitos agiram entre os meses de maio de 2019 a janeiro de 2020, segundo a PCDF. As multas pertenciam a um total de 612 veículos. As restrições judiciais e administrativas desbloqueadas utilizando o mesmo modus operandi pertenciam a um total de 80 veículos.
Backdoor
O nome da operação faz referência ao Backdoor, um programa malicioso usado para permitir ao agressor remoto acesso não autorizado a um sistema privado de informações. Ele explora as vulnerabilidades de segurança. Um Backdoor trabalha em segundo plano e os criminosos conseguem acessar o computador comprometido sem que o usuário perceba.
É muito semelhante a outros vírus malware e também algo difícil de detectar. O agressor pode utilizar um backdoor para espionar atividades on-line, acessar arquivos e pastas, controlar todo o sistema operacional e atacar outros computadores.
Em 2013 esse recurso ganhou notoriedade quando Edward Snowden revelou um esforço de décadas pela agência de espionagem norte-americana, em parceria com a GCHQ da Grã-Bretanha, para pressionar empresas a instalar backdoors em seus produtos, principalmente os fabricantes de sistemas de criptografia. Assim, esses acessos secretos permitiam que as agências de inteligência conseguissem contornar as proteções de segurança e, dessa forma, tivessem acesso a sistemas e a dados.
O que diz o Detran?
Por meio de nota, o Detran-DF afirmou que “as investigações são realizadas pela Polícia Civil do Distrito Federal” e que “continuará colaborando com as informações solicitadas.”
Esclareceu também que o servidor detido “não é do quadro da autarquia, mas, sim, cedido da antiga Seplag, e que será devolvido ao seu órgão de origem imediatamente”, diz o texto.
Denúncia
Em fevereiro deste ano, o Metrópoles revelou que ao menos 50 mil infrações tinham sido anuladas irregularmente. Para conferir legalidade ao procedimento clandestino, os suspeitos usavam o mesmo número de processo, que, na verdade, não existe. Os investigadores suspeitam de que 16 pessoas integrem o suposto esquema.
Em apenas um dos casos, um único veículo conta com 55 penalidades invalidadas. Outro carro soma 47 cancelamentos. Há, ainda, dois automóveis com 25 e 24 infrações suspensas.
Segundo funcionários públicos ouvidos pela reportagem, o volume de cancelamentos aumentou nos últimos meses. Um dos acontecimentos foi detalhado em memorando enviado ao coordenador regional de Policiamento e Fiscalização de Trânsito Oeste (Copol).
De acordo com o documento, em 10 de novembro de 2019, uma equipe foi acionada para verificar denúncia de que havia um condutor supostamente embriagado trafegando em via pública nas proximidades da Quadra 516 de Samambaia Sul.
Tão logo chegaram ao local, os agentes do Detran abordaram o veículo e constataram que o motorista não tinha Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e apresentava “nítidos sinais de embriaguez”. Além disso, o automóvel não estava licenciado.
Foram lavrados três autos de infração correspondentes à legislação de trânsito e o veículo acabou removido ao depósito do órgão em Taguatinga.
Em 27 de novembro, os agentes verificaram que os três autos de infração tinham sido extintos, assim como outros dois emitidos pela Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF). No campo “motivo do cancelamento”, constava, como justificativa, que o carro tinha placa clonada.
A equipe compareceu ao depósito e foi informada pelos plantonistas que o automóvel não tinha qualquer adulteração em seus sinais identificadores, ou seja, tratava-se de um carro original.
Diante da possível irregularidade, os servidores do Detran pediram a apuração dos fatos, a adoção das medidas necessárias ao recadastramento das autuações, bem como a responsabilização dos envolvidos em procedimentos administrativos (veja documentos abaixo).
Em nota, o Detran-DF informou que as investigações são realizadas pela PCDF e que “apoia apenas com as informações necessárias”.