Guerra entre gangues deixa dois mortos e sete feridos em menos de 48h
Todos os casos ocorreram em Planaltina. As duas mortes foram na manhã desta terça (1°). Em outro episódio, ataque quase resulta em chacina
atualizado
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A guerra entre gangues que há anos causa pânico e insegurança aos moradores de Planaltina resultou em duas mortes e sete feridos em menos de 48 horas. As duas execuções foram neste feriado de 1º de maio. As fatalidades só não foram maiores porque as pessoas baleadas escaparam por sorte, segundo investigadores da Polícia Civil. A principal suspeita é de que os crimes tenham relação com acerto de contas e briga por territórios.
Pela manhã, Ronaldo Cardoso de Lisboa, 39 anos, foi atingido por quatro disparos de pistola 9mm: dois no rosto, um no pescoço, outro no peito. Ronaldo era usuário de drogas e estava em liberdade provisória por furtos. O crime ocorreu próximo do Colégio Dona América, em Arapoangas.
O ataque mais expressivo só não terminou em chacina porque nenhum dos quatro baleados morreu. Eles foram alvejados por um criminoso que usou pistola com seletor de rajada – o mecanismo permite mais disparos por segundo do que um modelo convencional.
A múltipla tentativa de homicídio ocorreu na noite de segunda-feira (30/4), na Quadra 25 da Vila Buritis IV. Suspeitos que estavam em um Santana preto usaram uma pistola PT 9mm para atingir um grupo de homens que conversava na rua. Todas as vítimas foram socorridas pelo Corpo de Bombeiros e levadas para o Hospital Regional de Planaltina (HRP). O caso está sob investigação da 31ª Delegacia de Polícia (Planaltina).
Como as quatro vítimas já haviam sido detidas em outras ocasiões, a Polícia Civil suspeita que as tentativas de homicídio sejam fruto de um acerto de contas entre gangues rivais que lutam pelo território na região da Vila Buritis.
Outras três tentativas de homicídio ocorridas na segunda (30) também teriam sido motivadas por acerto de contas: no Jardim Roriz, no Arapoangas e no Condomínio Portal do Amanhecer. Todos os baleados foram encaminhados ao hospital.
Gangues mapeadas
Em 2016, os investigadores da 31ª DP mapearam os territórios ocupados pelas gangues, verificaram o nível de organização dos criminosos e descobriram as engrenagens que movimentam a máquina criminosa das quadrilhas de Planaltina. Todos os detalhes fazem parte de relatórios produzidos pelos policiais, aos quais o Metrópoles teve acesso em junho do ano passado.
De acordo com as apurações, três gangues de Planaltina — a Pombal, a Pé de Rôdo (que age no Arapoanga) e a que domina a área Buritis IV — se juntaram em uma. A facção deu origem a um grupo criminoso que passou a se chamar Crime, Morte e Maldição (CMM). O bando faz questão de deixar sua marcas nos muros das quadras que dividem seus territórios.
A CMM é inimiga da gangue que age no bairro Jardim Roriz, que se uniu a outras facções do Arapoanga, como as quadrilhas do Triunfo, Bola 10, Morrinho e Dona América.
Tráfico equipa as facções
O tráfico de drogas é o combustível que alimenta a guerra entre as gangues. Explorando os pontos de venda, os integrantes das facções encontram facilidade para comprar armas, munições e veículos. O armamento é essencial para impor respeito e executar desafetos. O comando das quadras é disputado a bala.
Em um dos acertos de contas, ocorrido em 2008, câmeras de uma agência bancária no Jardim Roriz flagraram a violência do ataque. As imagens fazem parte do relatório de investigações da 31ª DP e ajudaram a identificar integrantes de gangues da região (veja vídeo).
O vídeo mostra dois adolescentes armados surpreendendo integrantes de uma gangue rival. No episódio, um jovem morreu e outros dois ficaram feridos. As imagens ainda registraram o momento em que uma das vítimas se arrasta pelo chão na tentativa de fugir sem ser baleada. Os autores foram identificados e, depois de cumprirem medida socioeducativa, colocados em liberdade.
Ao longo das investigações, a polícia descobriu que a associação de traficantes instalada no “Beco do Pombal” é forte porque possui um excelente “ponto comercial”, conhecido em todo o DF.
O bairro Buritis II recebe diariamente centenas de pessoas envolvidas no comércio ilícito de entorpecentes, desde usuários de drogas que vivem em bairros de Planaltina – inclusive na região rural – até pequenos traficantes, que buscam a droga para revender em outros locais, como cidades do Entorno, principalmente Planaltina de Goiás e Formosa (GO).
Por meio de vídeos, fotografias e depoimentos, os investigadores conseguiram comprovar que as gangues utilizam uma rede estável, estruturada, permanente e organizada para atingir seu principal objetivo: manter o fluxo do tráfico. “Identificamos que os bandos sempre pretendem possuir droga disponível em estoque, evitando desabastecimento”, aponta o relatório.
Hierarquia bem definida
Como em uma empresa, as gangues definiram postos de comando, execução e contenção, como atuam os chamados “frentes” – homens ou adolescentes armados que saem às ruas para combater os rivais. O chamado “patrão” tem a função de abastecer a boca de fumo.
A figura do chefe é quem faz contato com grandes fornecedores e cuida da logística para a droga chegar ao ponto onde será comercializada, garantindo o fluxo principal do tráfico na região. O patrão é quem dá as ordens, cuida da contabilidade geral, possui o maior poder financeiro e obtém o lucro mais fácil. O líder dificilmente lida com usuários ou mantém contato com a droga.
Os chamados “gerentes” coordenam as vendas, dão ordens aos funcionários e cuidam da proteção da área dominada. Eles atuam diretamente na divisão da droga dentro do grupo, realizam o “acerto de contas” no caso de devedores ou daqueles que desobedecem às leis.
Também é de responsabilidade dos gerentes aliciar os adolescentes que compõem as gangues. Os gerentes raramente atendem aos usuários; como de costume, eles fecham o negócio, definindo valores e quantidade, pegam o dinheiro e ordenam aos funcionários a entrega da droga.
Os funcionários realizam atendimento direto aos usuários, cumprindo as ordens dos gerentes. São eles que retiram a droga dos esconderijos, entregam aos usuários, fazem a “correria” – termo usado para definir a negociação – a fim de adquirir mais droga, em caso de urgência. Além disso, atuam na linha de frente, armados, no caso de necessidade de proteção ou de ataque aos rivais.