Familiares da secretária de Segurança do DF vão de viatura à escola
Sob a justificativa de ser civil, não ter porte de armas, ou noções de defesa pessoal, a secretária de Segurança do DF, Márcia de Alencar, tem a seu dispor uma viatura e um policial militar que levam e buscam seus parentes na escola
atualizado
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No comando da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal desde 6 de janeiro, Márcia de Alencar ostenta algumas credenciais inéditas à frente da pasta. É a primeira mulher e a primeira civil a ocupar o cargo efetivamente. É também a primeira, entre seus antecessores, a se valer da estrutura do Estado para levar e buscar familiares no colégio. Ao menos uma viatura e um policial militar do Governo do Distrito Federal foram designados especialmente para o transporte escolar de seus parentes.
Quem leva e busca os familiares de Márcia na escola é um 2º sargento da PM. O transporte é feito, diariamente, com uma das viaturas descaracterizadas da pasta, como revela o Metrópoles nas fotos abaixo.A rotina do policial que atende à secretária começa cedo. Ele chega ao prédio onde a família de Márcia mora no Plano Piloto por volta das 6h30. E, ao longo do dia, faz, pelo menos, quatro viagens para cumprir sua missão. Duas de manhã, quando leva e busca um dos familiares de Márcia na escola. E outras duas à tarde, para, mais uma vez, deixar no colégio e trazer de volta para casa outro parente da secretária de Segurança. As identidades dessas pessoas, assim como detalhes do percurso, serão preservados para evitar a exposição de menores.
A missão do militar destacado para servir Márcia de Alencar só termina no fim da tarde, quando os dois parentes da secretária de Segurança já estão em casa. O carro usado para o serviço é um Nissan March e faz parte de uma das frotas mais recentes adquiridas pela secretaria, ainda no governo do petista Agnelo Queiroz. À disposição da própria secretária está uma Hilux preta oficial (veja galeria).
Indignação
O uso da viatura e de um militar para transportar parentes de Márcia tem causado revolta entre servidores das forças de segurança. Levando em consideração os secretários da pasta desde o governo de Joaquim Roriz, nenhum deles se valeu deste tipo de prerrogativa agora dispensada à atual titular. Cinco dos ex-ocupantes do cargo ouvidos pelo Metrópoles afirmaram categoricamente que nunca utilizaram da estrutura oficial para o transporte de familiares.
Psicóloga e bacharel em Direito, Márcia de Alencar se ampara em um ofício datado de 1º de abril deste ano para justificar o uso do aparato estatal. Segundo o documento, assinado pelo chefe da Casa Militar do GDF, Cláudio Ribas, o fato de Márcia “não ser policial, não ter porte de arma de fogo nem dominar técnicas de defesa pessoal” determina a necessidade de o Estado destacar “profissionais especializados para atendê-la, bem como a seus familiares”.
Por meio desse ofício, a Casa Militar sugere que a pasta designe policiais militares para atender a secretária de Segurança Pública e cada um de seus familiares mais próximos. O aparato inclui a viatura oficial e uma equipe composta por dois agentes, sendo um motorista e o outro segurança pessoal propriamente dito.
O ofício prevê ainda que “é possível estender a segurança pessoal prestada para a secretária a seus filhos menores, conforme disposto no inciso 1, do Artigo 1º do Decreto 36.842 de 26 de outubro de 2015.” Acontece que a legislação mencionada é taxativa ao restringir a prerrogativa da segurança somente ao “chefe do Poder Executivo do Distrito Federal, de seus familiares e de autoridades eventualmente designadas”. Ou seja, parentes de secretários não entram no escopo da lei.
O ofício da Casa Militar de 1º de abril afronta ainda uma outra norma expressa do próprio governador Rodrigo Rollemberg (PSB). Em 16 de fevereiro deste ano, ele publicou o Decreto nº 37.121, de 16 de fevereiro de 2016, que limita e disciplina a utilização de carros de representação do GDF. A única menção a familiares diz respeito a parentes do próprio governador e de seu vice.
O fato de a secretária de Segurança agora ter sob o seu comando o sistema prisional, antes vinculado à Secretaria de Justiça, também foi usado pela Casa Militar como argumento para justificar a necessidade do aparato de segurança.
Plano ineficaz
Especialistas na área, no entanto, apontam que o suposto plano de segurança elaborado para atender à família da secretária não é eficaz, porque, na prática, desobedece às recomendações não só da Casa Militar, mas de qualquer estratégia mínima para resguardar a integridade de uma pessoa sob ameaça.
Não é possível imaginar um plano eficiente no qual o motorista é o próprio segurança. Isso é, sem dúvida, mais um exemplo do mau hábito das autoridades brasileiras
Coronel José Vicente da Silva Filho, ex-secretário Nacional de Segurança Pública
Doutor em segurança pública pela Georgetown University, George Felipe de Lima Dantas também reforça o entendimento de que é inviável manter a segurança dos vulneráveis levando em consideração que apenas uma pessoa faz o serviço. “Um verdadeiro plano de segurança precisa seguir uma série de protocolos, como o uso de rotas alternativas, viaturas preparadas para manobras defensivas e até blindagem veicular. Sem falar na necessidade de um comboio de apoio, com carros descaracterizados”, disse Dantas. Na avaliação do especialista, o caso em questão estaria mais enquadrado no bom e velho transporte escolar.
Resposta oficial
Por meio de nota, a Secretaria da Segurança Pública informou que, “por conta dos riscos inerentes às atividades do cargo, a secretária e seus familiares recebem proteção e segurança institucionais, conforme prevê o inciso I, do artigo 1º do Decreto n° 36.842, de 26 de outubro de 2015“.
O órgão sustenta que “essas medidas de proteção e segurança foram recomendadas pela Casa Militar, de forma extensiva aos familiares da titular da pasta, após a vinculação do sistema penitenciário à SSP. Não se trata, portanto, de utilização de viaturas por motivações pessoais, mas, sim, de imposição decorrente dos riscos do cargo”.
PSB de Pernambuco
Antes de ser nomeada secretária, Márcia de Alencar ocupava a Subsecretaria de Segurança Cidadã da pasta. Psicóloga, bacharel em Direito, mestre em Sociologia e com formação em Gestão Pública, foi consultora do Ministério da Justiça no campo de alternativas penais. Também prestou consultoria ás Nações Unidas, em Moçambique, em prevenção e justiça criminal.
Márcia integrou a coordenação executiva da Conferência Nacional de Segurança Pública com Cidadania e o Comitê Executivo do Pacto pela Vida de Pernambuco, no governo de Eduardo Campos (PSB), morto durante a campanha presidencial de 2014 em um acidente aéreo. Ela também atuou no Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci) e foi secretária executiva de Segurança Cidadã de Jaboatão dos Guararapes (PE). A secretária é um nome simpático ao grupo político ligado ao ex-governador de Pernambuco e é considerado um quadro político importado de lá.