Execução brutal de travesti revela megaesquema de prostituição no DF
Ágatha foi morta a facadas em central dos Correios de Taguatinga Sul, cidade onde cafetões cobram pelos pontos de exploração sexual
atualizado
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A investigação sobre a morte brutal de uma travesti levou a Polícia Civil a um grande esquema de prostituição que ocorre nas ruas, motéis e casas do Setor de Indústrias de Taguatinga Sul. Esfaqueada dezenas de vezes na tarde de 26 de janeiro deste ano, Ágatha Lios, 23 anos, perdeu a vida tentando escapar da brutalidade de seus algozes. O crime ocorreu dentro de uma central de distribuição dos Correios, próximo ao local onde ela costumava fazer ponto.
Registrada como Wilson Julio Suzuki Júnior, Ágatha foi executada a golpes de facão. Filmado pelas câmeras de segurança, o assassinato, segundo testemunhas, foi motivado por inveja, vingança e disputa por ponto de prostituição.
Daniel Ferreira Gonçalves (Carolina Andrade); Francisco Delton Lopes Castro (Samira); Dayvison Pinto Castro (Lohanny Castro) e Greyson Laudelino Pessoa (Bruna Alencar) são acusados de armar uma emboscada e matar a vítima.
“Donos” da rua
Ágatha era considerada uma ameaça para outras travestis porque chamava atenção dos clientes por sua beleza. Além disso, a vítima teria se recusado a abandonar o DF e permanecia fazendo programas sexuais na região de Taguatinga Sul, incomodando a concorrência.
Como se não bastasse, a vítima teria ameaçado um de seus algozes poucos dias antes. Segundo as investigações, o desentendimento ocorreu com Lohanny, após a travesti assaltar um motorista de Uber. A discussão, por meio do WhatsApp, terminou com ameaças. Lohanny enviou mensagem afirmando que seu marido mataria Ágatha. O companheiro seria Bruna, outra travesti envolvida no homicídio.
O assassinato investigado pela Decrin acabou revelando a briga por pontos de prostituição que existe nas ruas do Setor de Indústrias de Taguatinga Sul. As vias são comandadas por cafetões que cobram uma espécie de pedágio de quem quer se prostituir no local. Por dia, cada travesti desembolsa entre R$ 50 e R$ 100 para ocupar um ponto. Caso se recuse, pode sofrer retaliações de todo o tipo, desde assaltos, passando por espancamentos, até assassinatos.
O Metrópoles percorreu todas as ruas da região por onde Ágatha se prostituía. Mesmo cinco meses após o crime, o clima entre travestis e garotas de programa permanece tenso. Poucas profissionais do sexo aceitam falar abertamente sobre o caso. Uma delas, que resolveu quebrar o silêncio, contou à reportagem que conhecia a travesti assassinada e confirmou que é preciso pagar para fazer programas no local.
“Realmente ela era uma travesti muito bonita e chamava atenção. Acabava atraindo os clientes mais ricos. Ela também pagava para fazer o ponto. A Ágatha morreu por ter atiçado a inveja de outras travestis e por não querer abandonar o ponto que ocupava”, disse.
Código de conduta
No decorrer da investigação, os policiais descobriram que existe uma espécie de código de conduta violento entre as travestis. Para serem respeitadas, elas precisam ter esfaqueado alguém, cometido pelo menos um assalto e participado de uma sessão de espancamento. Nem todas pactuam com as regras e acabam se indispondo com outras. Foi o caso de Ágatha, que repreendeu uma de suas assassinas após o assalto a um motorista de Uber.
De acordo com a chefe da Decrin, delegada Gláucia Cristina da Silva, a inveja foi o principal motivo do ataque de fúria das travestis contra Ágatha. O crime, inclusive, teria sido premeditado. “Elas utilizaram um veículo do Uber para ir até ao local onde a vítima estava. Quando percebeu que seria atacada, ela fugiu para dentro da central de distribuição dos Correios, mas não conseguiu escapar. Estamos procurando as quatro autoras para cumprir os mandados de prisão”, explicou.
Testemunhas ouvidas na delegacia afirmaram à polícia que, após o assassinato, as travestis ainda pegaram todos os pertences que Ágatha mantinha na república onde morava. Foram levadas roupas, perfumes e a bolsa que ela deixou na rua após começar a fugir das assassinas.
Morte anunciada
Os depoimentos de carteiros e outros funcionários dos Correios foram essenciais para detalhar o ódio e o requintes de crueldade do assassinato. Um dos servidores contou ter visto a vítima encurralada entre os carrinhos usados para transportar material. Ele tentou se aproximar, mas foi atingido com um golpe de faca na perna por uma das autoras. O carteiro chegou a ouvir uma das travestis dizer: “Eu te avisei que te matava e falei pra não mexer com minhas filhas”.
Outro servidor relatou ter visto a vítima gritar de forma desesperada por ajuda enquanto corria e era perseguida pelas quatro travestis — duas estavam armadas com facões e outras duas seguravam facas do tipo peixeira. Uma das acusadas decretou: “Não adianta correr, não, hoje você morre”. A testemunha tentou ainda segurar a mão de uma das assassinas de forma a impedir que ela golpeasse a vítima, mas não conseguiu conter os ataques.
República
Natural de Porto Velho (RO), Ágatha costumava viajar o Brasil atrás de novos clientes. Antes de desembarcar em Brasília, no fim do ano passado, havia trabalhado em Cuiabá (MT), Porto Alegre (RS) e Caxias do Sul (RS), Rio de Janeiro, São Paulo, Balneário Camboriú (SC) e Florianópolis (SC). No DF, Ágatha se hospedou em uma casa que funciona como uma república apenas para travestis.
A residência, localizada na QSF 11, em Taguatinga Sul, também hospedava as quatro acusadas pelo assassinato. Por algum tempo, a vítima permaneceu na casa, mas logo se mudou para outro imóvel, no Plano Piloto. Os policiais também identificaram que há repúblicas ocupadas por travestis em outras regiões do DF, como Riacho Fundo e Ceilândia.
A reportagem foi até a república onde Ágatha morou. Cercada por grades nos dois pavimentos, a residência ainda conta com tapumes que bloqueiam a visão de todo o térreo da casa. No segundo andar, vidros fumês também evitam os olhares curiosos. Câmeras foram instaladas ao redor para registrar a movimentação da rua.
Triste estatística
A morte violenta de Ágatha é uma entre tantas a vitimar uma população que vem sendo alvo de crimes de ódio. Monitoramento da Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil (Rede Trans Brasil) aponta que, nos últimos cinco anos, 21 travestis foram assassinadas no DF, seis delas apenas em 2016.
Segundo outro levantamento, do Grupo Gay da Bahia (GGB), mais antiga associação de defesa dos homossexuais e transexuais do Brasil, 2016 foi o ano com o maior número de assassinatos da população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais) desde o início da pesquisa, há 37 anos. Foram 347 mortes em todo o país somente no ano passado.