Esquema de propina no transporte se espalhou por terminais rodoviários
Informações constam no inquérito da Operação Checklist. Metrópoles teve acesso exclusivo à íntegra do documento
atualizado
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O depoimento de um servidor preso no último dia 1º na Operação Checklist, que apurou a cobrança de propina por parte de funcionários da Secretaria de Mobilidade (Semob), foi fundamental para a Polícia Civil dar sequência a uma nova ação, batizada de Mobilidade, desencadeada na quinta-feira (5). O homem, lotado na Subsecretaria de Fiscalização, Auditoria e Controle (Sufisa), órgão da Semob, detalhou como agentes do Estado extorquiam empresas de transporte da capital federal. Mas essas irregularidades, conforme a reportagem apurou, são apenas parte de um grande esquema de desvios.
O servidor ouvido pela Polícia Civil atua como auditor fiscal e revelou que, além da propina paga por empresários no momento da vistoria dos ônibus, outra quantia era cobrada por funcionários da Sufisa nos mais diversos terminais rodoviários das regiões administrativas. Após ser preso temporariamente, ele confessou que recebia valores irregulares e acabou afastado do trabalho por dois meses.O Metrópoles teve acesso exclusivo à íntegra do inquérito da Operação Checklist. O documento apresenta diversas provas de que a corrupção está enraizada no setor de transporte do Distrito Federal há anos.
O homem deu detalhes de como os fiscais agiam e citou nomes de funcionários que foram alvo de prisões temporárias na Operação Mobilidade, desencadeada pela Divisão Especial de Repressão aos Crimes contra a Administração Pública (Decap) em parceria com o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Outros servidores também são apontados como corruptos. Eles não foram detidos, mas estão sob investigação.
Prisões
Conforme o Metrópoles antecipou na quinta (5), o depoimento ajudou a colocar o auditor Pedro Jorge Oliveira Brasil, um dos possíveis líderes do esquema, atrás das grades. Outro servidor apontado como responsável pelas fraudes, Cláudio Marcello Oliveira Pinheiro, também foi preso. Ambos foram afastados, segundo publicado no Diário Oficial do DF desta sexta (6).
De acordo com o depoimento, um dos suspeitos passou a lacrar carros por “qualquer irregularidade” e, em seguida, as pessoas pagavam para ele deslacrar os veículos. As atividades irregulares eram feitas próximo aos terminais para não levantar suspeitas, segundo o servidor. Ele revelou que as atividades ilícitas surgiram há mais de sete anos.
Quando comentavam sobre os carros novos e sem irregularidades de grandes empresas, um dos suspeitos chegou a dizer: “Poxa, mas eles vão ficar velhos ainda”, fazendo referência ao esquema de propina, e que um dia as empresas teriam que se “adequar”.
Segundo o homem, as falhas mais comuns são vazamento de óleo, setas, luzes de freio e de ré queimadas, além de problemas com as rampas de acessibilidade. Por mês, o homem estima que eram liberados cerca de 10 ou mais veículos irregulares.
Outro depoimento de um dos presos na Checklist aponta para o crime de prevaricação — quando o funcionário público retarda ou deixa de praticar suas funções para obter vantagem pessoal — e o possível envolvimento de um dos secretários que ocupou a pasta da Mobilidade, assim como de um servidor que chefiou a Divisão de Inspeção da Sufisa.
R$ 300 por ônibus
Com relação aos pagamentos feitos no terminal de vistorias, o servidor que deletou os colegas apontou outros três funcionários como parte do grupo corrupto. O trio realizava a vistoria de vala, na qual é olhada a parte de baixo do veículo. Após esse processo, eles liberavam uma guia e faziam “vista grossa” para as irregularidades.
Em seguida, os automóveis eram encaminhados para o setor do servidor delator, a vistoria de pátio. Ele afirma que alguns veículos precisavam ser liberados mesmo apresentando defeitos.
Os empresários recebiam a informação de que a equipe era capaz de encontrar mais de 100 irregularidades em um único veículo. Tudo para arrecadar o máximo de propina possível.
O homem lembrou ainda de um episódio que resultou em discussão entre a equipe. Segundo ele, um ônibus estava com vazamento de óleo e não poderia ter passado pela vistoria de vala. O servidor conta que achou um absurdo e acabou reprovando o coletivo por um defeito no para-brisas.
Revoltados, os auditores que já haviam recebido a propina para liberar o veículo tiraram satisfação e teriam dito, segundo o fiscal: “Eu já recebi o pagamento. Como você não libera?”. Ele afirmou, ainda, que as empresas pagavam cerca de R$ 300 por ônibus vistoriado e que os servidores colocavam todas as irregularidades possíveis nos coletivos cujo pagamento não teria sido realizado.
O homem que prestou depoimento confessou que recebia de R$ 50 a R$ 100 dos R$ 300 cobrados pela equipe. Ele também levantou suspeitas sobre vistorias feitas em táxis, mas não soube dar detalhes.
Pedido de ajuda
O depoimento do funcionário de uma grande empresa de ônibus também foi anexado nos autos. Ele afirmou que um servidor da Sufisa promoveu uma reunião com os empresários para estabelecer um valor fixo mensal a ser pago aos vistoriadores a fim de facilitar o processo. Ele confessou que, todo mês, entregava um envelope a um dos fiscais da vistoria. Motoristas de outras cooperativas chegavam a deixar o dinheiro nos bancos dos veículos.
O volume de cobranças era tão grande que um cooperado enviou uma denúncia para a Secretaria de Mobilidade dizendo que não aguentava mais pagar propina. Confira: