Delegado chama policiais militares de “milicianos” e aciona MPDFT
Plantonista da 12ª DP acusa PMs de “usurpar” funções de investigação e diz que prática pode fazer Brasília voltar “aos tempos da ditadura”
atualizado
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Dois policiais do 2ª Batalhão de Polícia Militar, em Taguatinga, foram indiciados por usurpação de função pública na terça-feira (31/1). O caso foi registrado pelo delegado Thiago Boeing Schemes da Silva, plantonista da 12ª DP (Taguatinga Centro). Na ocorrência, ele chegou a chamar os militares de “milicianos” e afirmou que, se os PMs seguirem com os trabalhos de investigação, Brasília pode voltar “aos tempos de ditadura militar”.
O caso abre um novo capítulo na briga entre a PM e a Polícia Civil do DF, que divergem sobre até onde vão as atribuições de cada corporação.
Inicialmente, o sargento Anderson Pinho e o cabo Flavio Alvin contaram à Polícia Civil que, na manhã de terça (31/1), estavam em um veículo descaracterizado quando receberam uma mensagem informando sobre um carro, do modelo Jetta, que havia sido roubado. Ao patrulhar a região de Taguatinga, eles conseguiram localizar o automóvel, estacionado na CSM 7, próximo ao Mercado Sul. Os militares entraram em contato com o proprietário. A vítima compareceu ao local e retirou o veículo.
O Jetta estava ao lado de um Peugeot 208. Após análise, os PMs verificaram que também se tratava de produto de roubo. Os militares perseguiram o condutor do segundo veículo até a QSA 25, onde o abordaram, prenderam e levaram à DP. O suspeito afirmou que o automóvel não era dele e, sim, de um cliente da oficina em que trabalha. Foi arbitrada uma fiança no valor de R$ 10 mil. Como não foi paga, o suspeito permaneceu detido.Diante dos fatos, o delegado avaliou que o trabalho realizado pelos policiais configura-se usurpação de função pública — uma vez que, por lei, a PM pode investigar somente outros militares. “Eles têm atuado de forma sistemática na área de Taguatinga, fora das atribuições de policiamento ostensivo. Mesmo diante de uma recomendação interna da própria PMDF, que pede para que os policiais à paisana evitem abordagens”, disse Thiago Boeing.
Ainda segundo o delegado, a dupla tem, sistematicamente, realizado abordagens e conduzido suspeitos à central de flagrantes. “Em quase todos os casos, os crimes tratam de receptação de veículos. Esse fato demonstra uma especialização dos militares e deixa claro o desvio de função”, ressaltou.
Na ocorrência, o delegado também alertou para fatos que podem prejudicar as investigações, uma vez que, segundo Boeing, os policiais teriam mostrado fotografias de suspeitos para as vítimas sem terem a qualificação completa dos supostos criminosos. “Fato que certamente induzirá a vítima no reconhecimento formal futuro. Além disso, há contradições nos depoimentos dos milicianos quanto ao reconhecimento do próprio autuado”, completou. “Todo caso de investigação criminal cível tem que ser apresentado ao órgão competente, sob pena de se voltar aos tempos da ditadura militar”, finalizou.
MPDFT e Corregedoria
O delegado notificou o Núcleo de Investigação e Controle Externo da Atividade Policial (Ncap), do MPDFT, e a Corregedoria da PM sobre a conduta dos policiais militares, indicando que eles responderão pelo delito de usurpação de função pública.
A Divisão de Comunicação da Polícia Civil (Divicom) afirmou que Thiago Boeing seguiu a determinação da Corregedoria Geral de Polícia da PCDF. “Quanto ao questionamento sobre o termo ‘milicianos’, a autoridade policial não o usou de forma pejorativa”, disse a corporação, por meio de nota.
Já a Polícia Militar defendeu que não houve irregularidades por parte dos militares e elogiou a atuação do sargento e do cabo. “O serviço de inteligência da Polícia Militar não realiza investigações, mas sim levantamentos e monitoramento de situações suspeitas. Essa equipe de policiais, além de ser recordista em recuperação de veículos roubados e furtados, é também a equipe que mais produz resultados contra esse tipo de crime. Isso tem trazido muito alívio ao cidadão que teve o seu bem levado por criminosos”, destacou.
A corporação afirmou que o emprego do serviço velado é feito em apoio às equipes ostensivas para não chamar a atenção. Com isso, as viaturas de área conseguem os flagrantes constantemente, sem que seja necessária “uma investigação que duraria meses para chegar aos criminosos”. Procurado, o MPDFT ainda não se manifestou sobre a ocorrência.
Briga recorrente
Não é a primeira vez que policiais civis entram em atrito com a PM. Em agosto do ano passado, um oficial do 28º Batalhão de Polícia, do Riacho Fundo, denunciou que os policiais civis proibiam a entrada de PMs nas delegacias e ameaçavam prender os militares que trabalham no serviço de inteligência da PMDF, fazendo policiamento velado.
A informação teria sido repassada pelo delegado da 29ª Delegacia de Polícia, Sérgio Bautzer. O caso também foi denunciado ao MPDFT.
Outro round na briga entre as duas corporações é o registro de ocorrências por parte dos PMs. A medida é durante criticada por integrantes da Polícia Civil.