Cresce o número de policiais civis que buscam ajuda psicológica no DF
No ano passado, a Policlínica da PCDF fez 4.134 consultas psicológicas ou psiquiátricas, 17,4% a mais que em 2015
atualizado
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Estresse, endividamento, frustração. Esses são os principais motivos que têm levado parte dos policiais do DF a adoecer e, em casos extremos, tirar a própria vida. O caso mais recente que se tem notícia é de um PM da reserva que se matou em uma rodovia movimentada perto de Sobradinho, em 26 de janeiro. Um dia antes, um policial civil tentou suicídio. Muitos têm buscado socorro médico. Para se ter ideia, diariamente, é realizada uma média de 11 consultas por psiquiatras e psicólogos na Policlínica da PCDF. O número cresce a cada dia e preocupa a corporação.
Dos 28.218 atendimentos aos policiais feitos pela Policlínica no ano passado, 4.134 (14,6%) foram consultas com psicólogos ou psiquiatras — 11 por dia. O número é 17,4% maior do que em 2015, que fechou em 3.520. Entre 2015 e o ano passado, foram 7.654 atendimentos médicos nas duas especialidades voltados para a corporação composta por 5 mil policiais.
Os casos de suicídio também são motivo de preocupação. O Sindicato dos Policiais Civis do DF (Sinpol) diz não ter acesso ao número oficial de agentes que se mataram nos últimos anos. Mas a estimativa é de que, de 10 mortes envolvendo policiais civis entre 2015 e 2016, metade tenha sido causada pela própria vítima. A corporação admite dois registros neste período.Para o sindicato, o quadro, apesar de grave, estaria sendo negligenciado pela corporação. De acordo com o Sinpol, o atendimento prestado pela Policlínica, por exemplo, é precário, especialmente porque a quantidade de médicos seria insuficiente para atender as demandas. “Se algum policial tiver problemas ou até algum surto e não conseguir tratamento estará desassistido, pois também não temos plano de saúde”, reclama Rodrigo Franco, presidente da entidade.
Franco garante que o bom funcionamento da Policlínica é essencial para que armas sejam retiradas de policiais que estão em acompanhamento, mas que os agentes não estariam conseguindo atendimento psiquiátrico adequado.
Nós, como sindicato, comunicamos a direção quando há algum problema e tentamos as consultas, porque é um risco para o policial, para a família dele e para a sociedade, pois são pessoas armadas
Rodrigo Franco, presidente do Sinpol
Vocação x frustração
O presidente do Sinpol elenca os motivos que mais levam ao adoecimento dos agentes. “Ser policial é uma vocação. Muitas vezes, não conseguimos dar a resposta que gostaríamos à sociedade e isso nos frustra. Também tem a questão do estresse da rotina de trabalho, que agrava ainda mais o quadro”, ressalta.
A diretora da Policlínica da PCDF, Zildinai França de Oliveira, nega que os acompanhamentos estejam suspensos ou com falhas, como acusa o Sinpol. Perita médica, ela também afirma que o quadro de pessoal, de 40 servidores, é suficiente para suprir a demanda. Diz ainda que, somente no mês de janeiro, a policlínica fez 152 atendimentos psicológicos e psiquiátricos.
A Policlínica oferece consultas e tratamentos com psicólogos, psiquiatras, fisioterapeutas, dentistas, além de atendimento assistencial e médicos peritos. Em 2015, a equipe que trabalha no local começou um acompanhamento de diagnóstico preventivo. O primeiro contato com os policiais é feito nas delegacias e, dependendo do quadro de saúde, os agentes são encaminhados para tratamento.
Mais importante do que cuidar das consequências é estabelecer as causas dos problemas e evitá-las. Estamos fazendo o diagnóstico da corporação e criando políticas de prevenção
Zildinai França de Oliveira, diretora da Policlínica
A diretora ressalta que os dados sobre o nível de estresse dentro da corporação ainda estão sendo elaborados e, segundo ela, no ano passado, dois policiais tiraram a própria vida. “Oferecemos um tratamento continuado com apoio, suporte e prevenção. Trabalhamos para que esse índice seja de zero”, explica.
Polícia Militar
Na PM, os casos de adoecimento por questões psicológicas também não são exceções. A Associação dos Praças Policiais e Bombeiros Militares do DF (Aspra) oferece atendimento psicológico aos militares. Apesar de não fazer levantamento da quantidade de casos, o vice-presidente, Manoel Sansão, afirma que a demanda é crescente.
O serviço é estressante, tenso, a escala é puxada. Além dos policiais, oferecemos tratamento aos familiares e percebemos que eles precisam cada vez mais, pois vivemos em uma segurança pública abandonada em todo o país
Manoel Sansão, vice-presidente da Aspra
Procurada, a Polícia Militar informou que não se pronunciaria sobre o tema por “ser este um assunto ainda tratado com sigilo médico”.
“Por que os policiais se matam”
Há poucas pesquisas sobre os problemas psicológicos enfrentados por policiais no país. Uma das mais recentes foi realizada em 2015 pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). A instituição elaborou um diagnóstico sobre suicídios de policiais militares do estado.
A pesquisa “Por que os policiais se matam” mostrou que, de 224 PMs ouvidos, 22% afirmaram já terem pensado em suicídio. O estudo foi realizado por cinco psicólogos da PMRJ e pesquisadores da universidade com a proposta de elaborar um plano de prevenção do comportamento suicida.
No dia 29 de janeiro, um caso ocorrido no Rio de Janeiro chocou o país. O PM Douglas Vieira, 28 anos, transmitiu o suicídio ao vivo pela internet. Antes, ele havia relatado que estava passando por dificuldades financeiras por conta da falta de pagamento de salários pelo governo do Rio.
Integrante do Departamento de Psicologia Clínica da UERJ, o professor Ademir Pacelli Ferreira garante que policial é uma profissão de risco e com tendência a levar os agentes à depressão. Ele ressalta que o acompanhamento psicológico dentro das corporação não deve ser obrigatório, mas é essencial que seja oferecido.
Eles (policiais) são vítimas de si mesmo. É importante ter o trabalho dentro das unidades para melhorar as condições psíquicas de cada um e, consequentemente, das famílias e da sociedade
Ademir Pacelli Ferreira, pesquisador da UERJ
Ponto a ponto
Pedro Paulo Gastalho de Bicalho é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e membro da diretoria executiva do Conselho Federal de Psicologia. Atuou como oficial psicólogo da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro e atualmente representa o Conselho Federal de Psicologia no Conselho Nacional de Segurança Pública (Conasp). Confira a entrevista que ele concedeu ao Metrópoles:
– A profissão policial é considerada de risco?
No Rio de Janeiro (onde existem pesquisas que apontam as condições de risco dos profissionais de segurança), o índice de mortalidade por perfurações por arma de fogo (PAF) é sete vezes maior em policiais, comparados a homens da mesma faixa etária, de outras profissões. Os dados denotam o risco inerente à atuação do profissional policial.
– Quais são os principais problemas psicológicos enfrentados pelos integrantes da segurança pública?
Os que envolvem a exposição constante ao risco, como estresse e estresse pós-traumático (e os sintomas associados aos mesmos), além de distúrbios do sono. Estas são as patologias de maior prevalência, mas existem muitas outras clinicamente observadas.
– Quais as recomendações do Conselho para o tratamento nos casos de quadro de depressão, de crises de ansiedade, crise de pânico? O que fazer para ajudar uma pessoa que apresenta esses sintomas?
O Conselho entende a importância de promoção da saúde psicológica nas instituições de segurança, tanto para o acompanhamento dos policiais que manifestam diferentes sintomas como para a prevenção do adoecimento psíquico. E, principalmente, que a psicologia possa contribuir com a construção de diferentes políticas no campo da segurança pública no país.