Com Comando Vermelho e PCC em prisões goianas, PMDF reforça divisa
Em 17 de agosto, a corporação brasiliense apreendeu dezenas de fuzis que seriam usados para resgatar detentos em presídio de Formosa (GO)
atualizado
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Por questões geográficas e econômicas, Brasília absorve diversos problemas dos municípios goianos situados à sua volta. Um deles está na área de segurança pública. Recentemente, as forças policiais da capital do país passaram a ter uma preocupação a mais em relação a duas cidades goianas próximas ao Distrito Federal: Formosa e Anápolis. Em fevereiro de 2018, o governo de Goiás inaugurou dois presídios nessas localidades, que passaram a abrigar detentos de alta periculosidade.
A fim de evitar confrontos entre presos integrantes das duas maiores facções criminosas do Brasil, a administração penitenciária do estado vizinho optou por segregá-las. Para a unidade de Formosa são mandados os detentos identificados como membros do Comando Vermelho (CV). Já os presos fiéis ao Primeiro Comando da Capital (PCC) são mantidos em Anápolis.
O agrupamento de encarcerados extremamente organizados e violentos em unidades distintas fez a Polícia Militar do Distrito Federal alterar a forma de patrulhar as regiões mais próximas às saídas para essas duas cidades. Segundo o comando da corporação, houve orientação para os batalhões de área e as unidades especializadas da PMDF (Rotam e Patamo) reforçarem o efetivo em Planaltina – que faz divisa com Formosa – e nas redondezas de Alexânia, cidade vizinha do DF que está na rota para Anápolis.
De acordo com o major Michelo Bueno, da Comunicação Social da Polícia Militar do Distrito Federal, os praças e oficiais que circulam por essas localidades receberão armamento mais pesado a fim de poderem responder à altura eventuais ataques das facções.
Aumentamos a quantidade de viaturas nessas fronteiras e, além disso, estamos destinando armas de grosso calibre para equipes que atuam nos locais
Michelo Bueno, major da PMDF e integrante da Comunicação Social da corporação
Veja a posição geográfica de Brasília em relação aos dois presídios:
A preocupação das autoridades policiais brasilienses é justificada. Na noite do último dia 17, a PMDF apreendeu fuzis, pistolas e uma grande quantidade de explosivos (foto em destaque) em uma caminhonete na BR-060, na altura do Restaurante Comunitário de Samambaia. O condutor do veículo e outras quatro pessoas foram presas.
Um deles admitiu ter recebido R$ 3 mil para levar o arsenal até as proximidades do Presídio Estadual de Formosa. Segundo a Polícia Civil e o Ministério Público de Goiás, a intenção do grupo era promover um ataque à unidade e resgatar três irmãos supostamente ligados ao Comando Vermelho: Robson Pires de Andrade, Roberto Carlos de Andrade e Alan Pires de Andrade.
Juntos, eles têm condenações que somam 114 anos de prisão. Entre os crimes atribuídos ao trio, há tráfico internacional de drogas, sequestro e formação de quadrilha.
O armamento apreendido surpreendeu até mesmo os policiais que participaram da operação. Alguns fuzis são usados pelo exército dos Estados Unidos e por terroristas.
Confira imagens da apreensão do arsenal:
Troca de informações
Diante da ameaça, o promotor da Comarca de Formosa Douglas Chegury anunciou que requisitará reforço na unidade prisional. “Estamos acompanhando de perto os desdobramentos das investigações e pediremos à Diretoria Penitenciária e à Secretaria de Segurança Pública reforço na segurança do presídio e também no efetivo da PM na cidade”, disse o representante do MPGO.
O diretor da Subsecretaria do Sistema Penitenciário (Sesipe) do DF, Celso Wagner de Lima, ressaltou haver uma troca sistemática de informações com autoridades goianas a fim de antever e evitar qualquer tipo de movimentação atípica desses grupos dentro do Complexo Penitenciário da Papuda, no Distrito Federal.
“Por enquanto, não verificamos nenhuma ocorrência que pudesse sugerir ameaça ao nosso sistema [carcerário], mas, logicamente, estamos em contato permanente com nossos vizinhos de Goiás para monitorar qualquer atividade fora do comum”, ressalta.
O Metrópoles fez contato com a Polícia Civil do DF para saber se a instituição, a exemplo da PMDF, faz algum monitoramento dessas facções, mas a Divisão de Comunicação Social informou que o delegado Fernando César, responsável por investigar tais grupos, não se manifestaria. Ele é o titular da Coordenação Especial de Combate à Corrupção, ao Crime Organizado e aos Crimes contra a Administração Pública (Cecor).
Estratégia de risco
Para especialistas da área, a estratégia da Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP) de Goiás de segregar o CV e o PCC é arriscada. Na avaliação do ex-secretário Nacional de Segurança Pública coronel Vicente da Silva Filho, a repressão deve ser focada nos detentos que mais exercem influência no sistema prisional.
“Concentrar bandidos de uma mesma facção num só lugar apenas facilita a organização e a logística do crime organizado. O correto é isolar as lideranças, pois são elas capazes de insuflar seus subordinados. Feito isso, não há problema de misturar detentos que se autodenominam de grupo A ou B”, opina.
O consultor e pesquisador em segurança pública Nelson Gonçalves entende que a medida só se justifica se o estado prover recursos para impedir qualquer tentativa de articulação e comunicação dos detentos. “Se você mantém integrantes do PCC no mesmo presídio, mas não consegue cortar a comunicação deles com quem está fora, não adianta, pois daí eles aumentam sua capacidade de organização e as lideranças passam a exercer enorme influência”, destaca.
O presidente da Associação dos Servidores do Sistema Prisional de Goiás, Jorimar Bastos, reclama da fragilidade dos dois presídios inaugurados recentemente. Segundo ele, as unidades carecem de mais efetivo a fim de oferecer resistência em caso de ataque. Pelos cálculos da entidade sindical, entre 20% e 30% dos encarcerados em Formosa e Anápolis integram o CV ou o PCC.
Temos cerca de 500 presos em cada um dos presídios e, em média, cinco ou seis agentes por plantão. É uma bomba-relógio prestes a explodir
Jorimar Bastos, presidente da Associação dos Servidores do Sistema Prisional de Goiás
O outro lado
Em nota, a Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP) de Goiás, informou que a segregação dos faccionados é uma medida imperativa adotada pelo órgão com o objetivo de conter o crescimento das organizações criminosas no estado de Goiás. “Até então, as facções criminosas estavam disseminadas nas diversas unidades prisionais goianas, promovendo a cooptação de novos membros por meio de ‘batismo’ de presos. A medida foi imprescindível para que se evitasse uma verdadeira ‘metástase’ no sistema”, destaca o texto.
Ainda de acordo com o texto, “a presença de facções rivais na mesma unidade prisional sempre foi o principal motivo dos motins e rebeliões nos presídios brasileiros. Essa rivalidade sempre teve como consequência um alto índice de violência nesses locais, além de prejuízos inestimáveis como a destruição das estruturas carcerárias. A rebelião ocorrida na Colônia Agroindustrial do Regime Semiaberto foi consequência dessa concorrência dentro dos presídios”.
A DGAP garante, ainda, que as unidades possuem servidores suficientes para garantir a segurança das unidades prisionais: “A média é, inclusive, muito melhor do que o recomendado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Entretanto, a informação de quantitativos é restrita e não pode ser divulgada por questões de segurança”.
Conheça mais o histórico das duas facções presentes nos presídios de Formosa e Anápolis:
Primeiro Comando da Capital (PCC) – É considerada uma das mais fortes e organizadas facções criminosas do país. Estudiosos afirmam que ela teria surgido em 1993, dentro do presídio de Taubaté, em São Paulo, com estatuto e organização hierárquica. O objetivo central do PCC, inicialmente, era contestar o tratamento dado aos presos e exigir melhores condições no sistema carcerário. Com o tempo, o PCC passou a atuar no tráfico de drogas e a desempenhar ações criminosas dentro e fora das prisões. Em 2006, a facção amedrontou o estado de São Paulo e paralisou a maior cidade do país, com ataques em unidades prisionais e fora delas, atingindo centenas de civis. Hoje, o PCC opera em rotas internacionais do tráfico e teria atuação em todas as 27 unidades da Federação.
Comando Vermelho (CV) – Surgiu em 1979, no presídio da Ilha Grande (RJ). Com forte atuação no Rio de Janeiro, também está presente em Roraima, Rondônia, Acre, Pará, Amapá, Tocantins, Maranhão, Ceará, Bahia, Espírito Santo, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso do Norte e Distrito Federal. Organizações e estudiosos do sistema carcerário afirmam que o CV e o PCC fizeram, no passado, uma aliança tácita que teria acalmado a tensão dentro dos presídios. Porém, esse “acordo de cavalheiros” foi rompido nos últimos dois anos. Não se sabe ao certo a razão, mas o rompimento foi detectado por serviços de inteligências nas unidades da Federação onde as facções atuam.