Cantinas vazias aumentam a tensão nos presídios da Papuda
Existe o temor de que a falta de itens e até mesmo a possibilidade do fechamento desses estabelecimentos provoquem uma rebelião no complexo
atualizado
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O desabastecimento recente nas cantinas do Complexo Penitenciário da Papuda tem prejudicado e irritado detentos e seus familiares. Nos bastidores, o assunto está sendo tratado com atenção e temor por sindicatos, Secretaria de Segurança, Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT) e Controladoria-Geral do DF.
Há 21 dias, as 42 cantinas que existem na Papuda estão com as prateleiras vazias, sem alimentos, produtos de limpeza e de higiene pessoal. O cenário tem provocado instabilidade nos presídios e servido de combustível para inflamar a massa carcerária, que costuma usar os mantimentos para complementar a alimentação (na foto em destaque, detentos da Papuda mostram a quentinha de almoço). Os presos recebem entre R$ 50 e R$ 125, a cada três semanas, de seus familiares para realizarem pequenas compras.Existe o risco iminente de que a falta de mercadorias e até mesmo a possibilidade do fechamento desses estabelecimentos provoquem uma rebelião nos centros de detenção do Distrito Federal. Os massacres de presos em Roraima e Amazonas tensionaram a crise no sistema prisional de todo o país.
Os produtos vendidos nas cantinas começaram a ficar escassos após uma determinação do Tribunal de Contas do DF (TCDF), em setembro do ano passado. A Corte deu um prazo de 180 dias para que a Secretaria da Segurança Pública e da Paz Social regulamentasse a gestão dos estabelecimentos instalados dentro do sistema carcerário, até então administrados por empresas contratadas sem licitação.
O Núcleo de Controle Penitenciário do MPDFT havia feito uma recomendação para que a gestão das cantinas fosse regulamentada. O TCDF exigiu a abertura de uma concorrência pública, sob pena de fechamento das cantinas. Sem licitação ou uma solução alternativa, a Subsecretaria do Sistema Penitenciário (Sesipe) simplesmente deixou de fazer as encomendas para os fornecedores.
O presidente da Comissão de Ciências Criminais da OAB-DF, Alexandre Queiroz, admite que já tinha conhecimento da escassez de alimentos desde o ano passado. Segundo ele, a OAB se preocupa com a situação e fará inspeções nos presídios ainda este mês para, depois, tomar providências. “Isso pode trazer instabilidade e tensão ao sistema”, ressalta.
Temor de rebelião
Enquanto rebeliões se espalham pelo sistema penitenciário de várias regiões do país provocando uma onda de violência, a iminência do fechamento das cantinas na Papuda ligou o sinal de alerta tanto para os servidores que trabalham nas cadeias quanto para os familiares de presos. O medo é o mesmo: uma revolta em massa dentro das unidades prisionais em decorrência da falta dos produtos.
O desabastecimento das cantinas não prejudica apenas os detentos. Também são punidos os parentes dos presos. Muitos deles chegam à Papuda, em dias de visita, às 5h e só conseguem entrar ao meio do dia. Lá dentro, junto aos apenados, é que eles vão fazer a primeira refeição. Dependem do que é oferecido nas cantinas para ter o que comer, já que não podem carregar consigo alimentos além do que levam para seus pais, filhos e irmãos. Até mesmo crianças têm sofrido com a restrição.
A presidente da Associação de Familiares de Internos e Internas do Sistema Penitenciário do DF e Entorno (Afisp), Alessandra Paz, diz que o problema se tornou uma “bola de neve”. Segundo ela, a falta de mercadorias nas cantinas se acentuou nas últimas semanas. Familiares de presos chegaram a passar mal durante as visitas em razão da escassez de produtos. “Simplesmente não há nada para comprar, nem água”, denunciou.
Esposa de um detento que cumpre pena em regime fechado no Presídio do Distrito Federal II (PDF II), Camila* confirma que o clima é de revolta por causa do desabastecimento. “Só podemos entregar mantimentos uma vez por mês”, ressaltou. Eles recebem seis frutas, dois sabonetes, um creme dental, dois rolos de papel higiênico, um antitranspirante, 500 gramas de biscoitos e 500 gramas de sabão em pó.
Isso é tudo que pode ser entregue em um período de um mês. Não é suficiente. Sem as cantinas, fica impossível comprar mais mantimentos para complementar
Camila*, esposa de um detento da Papuda
Servidores preocupados
A reportagem também falou com vários servidores que trabalham no sistema carcerário. Todos confirmaram que o problema preocupa quem trabalha nos presídios da Papuda. Uma das unidades mais tensas é o Centro de Detenção Provisória (CDP). “Temos apenas 1,5 mil vagas para 4,5 mil presos. Existem celas com capacidade para 11 internos lotadas com 52 presos. Se houver um início de rebelião, será difícil conter”, disse um dos funcionários que trabalha na unidade.
Procurada pelo Metrópoles, a Secretaria da Segurança Pública e da Paz Social afirmou que o assunto envolvendo a administração das cantinas está sendo tratado por um grupo de trabalho, formado por integrantes da própria pasta, além do MPDFT, TJDFT e Controladoria-Geral do DF.
Ainda não existe, no entanto, uma definição sobre o que será feito. Segundo a SSP, os valores arrecadados com a venda de alimentos, refrigerantes, sucos, itens de higiene e de uso pessoal vão para o Fundo Penitenciário do DF. Em 2016, foi arrecadado R$ 1,7 milhão.
Enquanto outros estados tentam contornar as tragédias em seus presídios, o Poder Público no DF alimenta uma crise local ao permitir o desabastecimento de cantinas da Papuda.
*A pedido da entrevistada, seu nome foi trocado. Ela teme represálias