Crise das marmitas nas prisões do Rio pode chegar ao Distrito Federal
Empresas que fornecem refeições nas carceragens do DF são investigadas por servirem menos comida e bebida do que o determinado em contrato
atualizado
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No universo carcerário do Brasil, o café da manhã, o almoço e o jantar de 622 mil presos se transformaram em negócio bilionário. E despertaram o apetite de empresas que passaram a abocanhar suculentas fatias de dinheiro público em troca de um serviço prestado de forma indigesta. Ações policiais e do Ministério Público descobriram um cardápio de irregularidades em carceragens de Minas Gerais, Goiás e Rio de Janeiro — estado alvo da Operação Ratatouille, deflagrada na quinta-feira (1°/6). Agora, a crise de embrulhar o estômago corre o risco de chegar ao DF e azedar de vez as quentinhas da capital federal.
As três empresas responsáveis pela comida oferecida aos detentos brasilienses — Cial, Nutriz e Confederal/Confere — são alvo de reclamações frequentes dos familiares dos presos e estão na mira do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Os promotores querem saber o motivo de o alimento não corresponder ao que está acertado legalmente com o governo.
Mas os valores milionários não são convertidos em produtos de boa qualidade. No caso do Distrito Federal, a quantidade de itens fornecidos ainda vem em menor número do que o estipulado e, às vezes, em condições impróprias para o consumo.
Queijo minas vencido
Essa diferença entre o preço do menu e a fatura apresentada ao contribuinte motivou uma investida policial em Minas Gerais, onde quatro pessoas foram presas em 2012. Segundo investigações da Operação Laranja com Pequi, foi montado um esquema no estado para favorecer a empresa Stillus, de Alvimar de Oliveira Costa. Alvimar é irmão do senador Zezé Perrella (PMDB-MG).
A Stillus foi acusada de superfaturar quentinhas servidas nas penitenciárias. A investigação apontou que uma das formas de a empresa lucrar por fora era pelo fornecimento de alimentação de baixa qualidade. A fraude, em valores da época, estava estimada em R$ 166 milhões.
Conexão Carlinhos Cachoeira
De 2012 para cá, outras ações do gênero foram conduzidas pelas forças policiais e pelo Ministério Público no país. Em Goiás, por exemplo, um escândalo recente envolveu um grupo de 10 pessoas e dois empreendimentos, todos relacionados com o contraventor Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira.
Em 22 de maio passado, a Justiça determinou o bloqueio de R$ 2 bilhões dos envolvidos em um esquema de fraudes na contratação de empresas para o fornecimento de refeições no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia.
Cidade Maravilhosa. Marmita, nem tanto
A mais recente investida das autoridades foi feita no Rio de Janeiro, onde a Polícia Federal deflagrou, na quinta-feira (1°), a Operação Ratatouille. O caso é um desdobramento da Lava Jato e levou à prisão um fornecedor de merenda escolar e de alimentação para presídios: o empresário Marco Antônio de Luca.
Marco Antônio teria pago pelo menos R$ 12,5 milhões em propina para pessoas ligadas ao ex-governador Sérgio Cabral (PMDB). O objetivo era assegurar os contratos com o governo fluminense. Segundo a PF, ele é ligado às empresas de alimentos Masan e Milano. Juntas, elas receberam, entre 2011 e 2017, R$ 7 bilhões do estado para prestar os serviços de alimentação.
Curiosamente, as refeições feitas pelas empresas de Luca são as servidas para o ex-governador Sérgio Cabral, preso desde novembro do ano passado por desvios milionários de recursos públicos.
Lavagem no Distrito Federal
Na capital da República, as distorções verificadas entre o que está no papel e o que chega ao prato dos presidiários foram noticiadas em reportagem do Metrópoles publicada em 15 de maio. Relatos de parentes apontaram que a comida chega azeda, com mal cheiro e aspecto de lavagem. Além disso, a quantidade prevista em contrato não estaria sendo respeitada.
O lanche da noite, por exemplo, deveria ter pão com queijo e presunto ou salame, além de suco de caixinha de 200ml. No entanto, o que chega para os presos é pão seco.
Segundo os parentes, faltam ainda itens determinados nos contratos firmados entre o GDF e as empresas. No Bloco 5, Ala B, do Centro de Detenção Provisória (CDP), por exemplo, onde deveriam ser entregues por dia 176 caixinhas de suco para atender 44 detentos, são distribuídas, quando muito, apenas 80.
Ao deixar de entregar mais da metade das caixinhas de suco ou achocolatados, por exemplo, os fornecedores fazem no montante uma economia milionária. Rotina de irregularidade para a qual a Subsecretaria do Sistema Penitenciário do Distrito Federal (Sesipe), que deveria fiscalizar sistematicamente o serviço, tem feito vista grossa.
Outra denúncia apontava ainda que, em uma cela com 28 presos, eram entregues apenas 17 marmitas, o que os obrigaria a dividir a comida.
Confira relatos
Nessa quinta-feira (1°), a reportagem entrou em contato novamente com famílias de detentos no Distrito Federal. Segundo as pessoas ouvidas, ao menos o lanche melhorou na segunda quinzena de maio — após a matéria do Metrópoles. Durante uns poucos dias, o pão vinha conforme estipulado em contrato: com uma fina fatia de queijo, uma de presunto e manteiga. Mas a situação não durou uma semana e o pão voltou a ser entregue seco. A reportagem não conseguiu contato com os representantes das empresas para comentar o assunto.
Inspeção
Na ocasião da reportagem publicada em 15 de maio, a Secretaria da Segurança Pública e da Paz Social disse, por meio de nota, desconhecer irregularidades na prestação do serviço de alimentação ao sistema carcerário, embora as reclamações sejam públicas e recorrentemente expostas pelos familiares dos presos. Segundo o texto, “os alimentos são inspecionados por nutricionistas das empresas prestadoras do serviço e por servidores da Sesipe, que checam as refeições assim que chegam às unidades prisionais”.
A secretaria afirmou ainda que as marmitas e os lanches são pesados por equipes do Núcleo de Suprimentos, localizado em cada presídio, para verificar se a quantidade está de acordo com o que foi contratado. “Caso contrário, a Sesipe notifica a empresa para adequação.”
A pasta alegou ainda que, “quando é feita reclamação de refeições supostamente inapropriadas ao consumo por parte de algum interno, uma amostra é colhida pela empresa para análise. E quando acontecem casos de infecção intestinal de custodiados, eles são atendidos pelas equipes médicas na unidade e, se necessário, levados ao hospital”, completou.