Secretaria quer aprovar Lei do SIG sem estudo de impacto de trânsito
Especialistas temem que o já caótico setor fique ainda pior com a intenção do GDF em permitir construções mais altas na região
atualizado
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As alterações no Setor de Indústrias Gráficas (SIG) propostas pelo Governo do Distrito Federal (GDF) que chegam à Câmara Legislativa (CLDF) nesta semana convidam a uma reflexão. De especialistas a usuários, todos querem saber: com o adensamento após a extensão das atividades permitidas e o aumento do potencial construtivo, onde caberão tantos carros?
O próprio secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Mateus de Oliveira, admite que o estudo sobre impacto na mobilidade do setor nem sequer foi apresentado até agora, mesmo após aprovação do Conselho de Planejamento Territorial e Urbano do Distrito Federal (Conplan). O problema é que o projeto de lei complementar está na iminência de tramitar na CLDF e, se for aprovado, será o último passo para que as modificações sejam implementadas.
Além de margear o Eixo Monumental, o SIG fica a poucos metros do Parque da Cidade, símbolo da escala bucólica de Brasília. Conceito usado pela arquitetura e pelo urbanismo, as escalas de Brasília – bucólica, monumental, residencial e gregária – definem a identidade da capital reconhecida mundialmente como Patrimônio Cultural da Humanidade.
O arquiteto e especialista em patrimônio cultural Rogério Carvalho preocupa-se com possibilidade do crescimento no fluxo de veículos atingir o espaço verde. “Que tipo de vias urbanas serão abertas? Não acredito que o acesso ao SIG vai acontecer da mesma maneira de hoje. Com o adensamento, as pistas atuais não vão suportar, principalmente nos horários de pico. Englobar o Parque da Cidade nessa confusão toda é grave”, frisa.
Temerário
O governo prevê o aumento do potencial construtivo do setor ao permitir que as edificações passem dos atuais 12 metros de altura para 15 metros. Na prática, a medida significa a criação de um pavimento a mais. Assim, um empreendimento que abriga, por exemplo, 200 funcionários por andar e tem hoje quatro níveis, poderia, com as novas regras, ampliar seu corpo de pessoal em 25%.
Além disso, o GDF quer aumentar para até 200 as atividades econômicas permitidas na região. Originalmente, o setor foi idealizado para abrigar gráficas, mas ali são autorizadas também atividades bancárias, de serviços financeiros e de radiodifusão, além de pequenos comércios e serviços que apoiam esses segmentos.
O caos existe por todos os cantos do SIG, tanto que nem a própria CLDF, situada na Quadra 2, escapa. Nas proximidades da Casa, os veículos se amontoam em fila dupla. Na mesma rua da Câmara, um estacionamento improvisado desafia o Poder Judiciário: ao lado do Tribunal Regional Eleitoral do DF (TRE-DF), um dos terrenos com terra solta é usado como espaço para guarda de automóveis.
Para o especialista em transporte da Universidade de Brasília (UnB) Flávio Dias, é temerário o governo apresentar projeto de tal envergadura deixando em segundo plano a mobilidade urbana. “Como o Executivo encaminha uma proposta tão importante sem a conclusão de estudos básicos do plano viário? O SIG já funciona de forma estapafúrdia e ainda querem expandir ainda mais o local? Quais são os planos para a falta de estacionamentos? Quais são os projetos para revitalização das calçadas? Essas questões elementares precisam ser respondidas”, critica o docente.
Mas a situação no quesito mobilidade não é ruim apenas para quem está de carro. Um levantamento de 2018 do servidor público e criador do blog Brasília para Pessoas – que se dedica à defesa de um trânsito com menos veículos –, Uirá Felipe Lourenço, revela as dificuldades enfrentadas pelos pedestres. “No Setor de Indústrias Gráficas, faltam calçadas e sobra lama no caminho dos pedestres”, escreve.
Ao Metrópoles, Lourenço condena a contradição das autoridades quando o assunto é mobilidade urbana na capital do país. Em sua avaliação, a expansão do SIG sem um olhar cuidadoso pode colapsar a região. “Precisa ter uma demanda maior de transporte e melhorias em diversos aspectos, pois os pontos de ônibus não têm abrigo e o trânsito na região já é totalmente voltado para o transporte individual. Para viabilizar um projeto desse no SIG, é necessário, antes de tudo, que o governo crie condições para as pessoas priorizarem o transporte público em detrimento do individual.”
Problema de uns, lucro de outros
Cansada de se estressar por não encontrar vaga na região onde trabalha, a empresária Sirleide Alves, 50 anos, inova com uma placa fixada no para-brisa na qual avisa: “Boa tarde! Deixei meu carro atrás do seu. Caso precise sair, estou aqui do lado”. À reportagem, ela desabafa: “É insuportável estacionar aqui”.
O autônomo Romário Gomes, 33, faz uma previsão negativa sobre o trânsito caso a mudança de gabarito seja aprovada na CLDF. “Tem que regularizar os estacionamentos. Se não, a bagunça será maior ainda”, assinala.
Hoje motorista de aplicativo, o ex-taxista Paulo Germano, 45, conta que é cada vez mais comum transportar passageiros para o SIG, porque as dificuldades de estacionar o automóvel são conhecidas. “Aqui constroem os prédios, mas não se preocupam com os carros dos funcionários. Não tem garagem para esse povo todo”, pontua.
Achar um lugar público e gratuito para deixar o carro é demorado e estressante. Enxergando a dificuldade dos motoristas que passam pelo SIG, atores da iniciativa privada exploram o negócio de aluguel de espaços para veículos. Na mesma rua da CLDF e do TRE-DF, por exemplo, um edifício nobre oferece vagas ao custo de R$ 150 a R$ 200 por mês. Modelo semelhante existe ao lado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT).
O outro lado
Em nota, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh) reconhece que não há levantamento concluído sobre as consequências no trânsito. Segundo a pasta, há um projeto de renovação urbana em andamento.
A Seduh defende que a ampliação dos usos dos lotes vai permitir o desenvolvimento da área, com mais comércio, prestação de serviços e, consequentemente, geração de empregos. “O interesse público é na organização, no desenvolvimento da cidade e, especificamente, na adequada função social da propriedade, seja ela pública ou privada”, diz.