Saúde em colapso: UTIs para gestantes do Hmib viram leitos de adultos
Medida faz parte do esforço de ampliação da rede pública, sufocada pela pandemia, e dividiu opiniões entre profissionais de saúde
atualizado
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Pressionada pela pandemia da Covid-19, a Secretaria de Saúde do Distrito Federal transformou 10 unidades de terapia intensiva (UTIs), dedicadas ao tratamento de gestantes e puérperas no Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib) em leitos para mulheres adultas com o novo coronavírus. A medida dividiu opiniões entre profissionais de saúde.
Conforme a Secretaria de Saúde, devido à baixa demanda de pacientes gestantes e do pós parto na utilização dos leitos de UTI do Hmib, 10 leitos tiveram seu perfil de atendimento alterado, a fim de darem suporte ao restante da rede pública no tratamento da Covid-19.
“Dois leitos permanecem em regulação local, para pacientes do próprio hospital. Havendo necessidade, outros leitos regulados poderão ser utilizados”, disse a pasta, em nota. Ainda conforme o texto, “pacientes com doenças transmissíveis pelo ar ou por contato são isolados, como ocorre em todas as outras UTIs”.
Em mensagem por WhatsApp, profissionais de saúde do Hmib criticaram a medida. “A UTI Materna não cumpre mais o seu papel, a UTI que já salvou centenas de mães”, desabafaram. Segundo relatos, o local está cheio de germes multirresistentes e há déficit de pessoal.
“Sabemos que estamos vivendo um momento muito difícil na saúde brasileira, porém não é só Covid que mata”, destacaram os profissionais. Sem assistência devida, gestantes podem morrer por pré-eclâmpsia, sepse, hemorragia pós-parto e síndrome de Hellp, entre outras enfermidades.
Veja os relatos de servidores do Hmib:
As críticas da equipe do hospital, que atende a moradoras do DF e do Entorno, foram levadas ao deputado distrital Jorge Vianna (Podemos). Integrante da Comissão de Saúde da CLDF, o parlamentar visitou o Hmib na terça-feira (16/3). Para ele, a pressa do governo local em abrir mais leitos de UTI é compreensível frente ao aumento de casos da Covid-19, mas a redução de vagas para gestantes é uma decisão arriscada.
“A taxa de ocupação é baixa. A internação também é. Mas a rotativa pode ser muito alta. É um risco muito grande [para as pacientes do Hmib]”, alertou. “Com a mistura de pacientes, há chance de contaminação cruzada. E no caso da gestante, o risco é duplo: a vida dela e a do bebê. E a demanda é sazonal. Hoje o plantão pode ter um parto; amanhã, 30, e todos de risco”, ressaltou o distrital.
Além disso, de acordo com Vianna, a mudança pode comprometer os repasses do governo federal para a unidade, inserida no Programa Rede Cegonha. “Estamos cobrindo um santo para descobrir outro. Não adianta desespero. É preciso sentar, se acalmar, consultar especialistas e aí tomar a decisão”, pontuou.
Viabilidade e readequação
Pelo diagnóstico do presidente do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal (SindMédico), Gutemberg Fialho, diante da grave crise sanitária na capital brasileira, a mudança é viável.
“Olha, se tiver ociosidade desses leitos, não tiver obstetrícia de alto risco, nesta crise, o redirecionamento de pacientes é viável. É claro que precisam ter os recursos humanos adequados e não podem transferir pacientes com Covid-19 para esses leitos [obstétricos]”, explicou Fialho, que trabalhou por 30 anos no Hmib.
A professora do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília (UnB) Carla Pintas também considera a decisão da Secretaria de Saúde pertinente. “É mais do que válida. Neste momento de escassez, a disponibilidade de novos leitos é urgente”, assinalou. “Entre a vida e a morte, estão optando pela vida”, ponderou.
E a abertura de leitos não Covid, permite à pasta a criação de alas exclusivas para tratamento do novo coronavírus em outras unidades sobrecarregadas, a exemplo do Hospital Regional de Ceilânda (HRC), onde existem pacientes internados em banheiros. Ou seja, a medida permite que a rede possa se readequar.
Compaixão
Na avaliação da especialista da UnB, a medida extrema no Hmib é mais um sinal da importância do apoio da população na luta contra o coronavírus. “Falamos de leitos de UTI para gestantes do Hmib. A Secretaria de Saúde está em uma luta incessante por leitos. Mas de nada vai adiantar se a população não se tocar, se não tiver compaixão”, afirmou.
Para Carla Pintas, a população precisa seguir as recomendações sanitárias: uso de máscara, álcool em gel, aderir ao distanciamento social. “Precisamos respeitar o próximo. Tem muita gente assintomática nas ruas, transmitindo o vírus. É hora de estar na rua? De estar comprando capinha de celular?”, questionou.
Segundo a professora da UnB, nas condições atuais da pandemia, os meses de março e abril serão muito duros para o DF, com muitas mortes ainda.