Transplantes caem na pandemia e DF inicia 2021 com fila de espera 38% maior
Segundo a Secretaria de Saúde, 928 brasilienses começaram o ano aguardando um novo órgão. São 254 casos a mais do que no início de 2020
atualizado
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Em meio às dificuldades provocadas pela pandemia do novo coronavírus, como a queda no total de doações de órgãos na capital, Ivaneide Furtado Soares Gonçalves, 68 anos, viveu a felicidade de conseguir um transplante de fígado em 2020. O procedimento, feito em dezembro, permitiu que a idosa concluísse o ano renovada. Essa, contudo, não é a realidade de muitos brasilienses que vivem à espera de um novo órgão.
Segundo a Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF), a capital registrou 520 transplantes em todo o ano de 2020. O número é 14,3% menor do que o de 2019, quando ocorreram 607 transplantes – 87 a mais.
Com a queda na quantidade de procedimentos no ano passado, a fila de espera por um novo órgão no DF começou 2021 com 928 brasilienses. Isto é, 37,7% a mais do que no início de 2020, quando havia 674 pacientes na lista – 254 pessoas a menos.
Confira os dados:
Conforme a chefe do Núcleo de Distribuição de Órgãos e Tecidos da SES-DF, Ludmila Lamounier, o perigo de contágio pela Covid-19 foi o principal ponto que levou a essa queda em 2020. Devido à pandemia, as operações só ocorrem agora mediante testes negativos da doença naqueles envolvidos no transplante.
“Às vezes, o primeiro da lista é chamado para receber o órgão e testa positivo para Covid-19. Então, não consegue [fazer o procedimento]. Aí, tem que fazer o teste nacional e o transplante ocorre em outro estado”, explica.
Apesar da queda no número total de transplantes em 2020, a capital conseguiu superar a quantidade de transplantes de fígado realizados em 2019. Ao todo, foram 100 desses procedimentos no ano passado, frente aos 92 realizados no ano anterior. Dos 100, 60 ocorreram no Instituto de Cardiologia do DF (ICDF).
Presente de Ano-Novo
Uma das pessoas que conseguiram um transplante hepático no ICDF foi Ivaneide. A aposentada realizou o procedimento em 16 de dezembro e recebeu alta hospitalar no dia 31. Para ela, foi “o melhor presente de Ano-Novo”.
A luta da moradora de Vicente Pires começou em 2012, quando ela descobriu que estava com uma cirrose hepática. “Eu já tinha tido câncer, passado por quimioterapia e precisei tomar remédio durante anos. Acabou que isso causou uma cirrose, que só foi se agravando”, conta.
Após anos de idas a hospitais e de internações em sequência, Ivaneide hoje comemora que o tão esperado dia chegou. “Foi muito emocionante voltar para casa depois de tanto tempo. Uma graça que a gente não sabe nem definir. Serei eternamente grata à família do doador”, comenta.
Doação da mãe
No Hospital de Base, unidade especializada em transplantes de córneas e rins no DF, ocorreram 62 dessas cirurgias em 2020. Adriana Daniele Alves Bezerra, 22 anos, foi uma das pacientes atendidas. A jovem recebeu um novo rim doado pela própria mãe, Rita de Cássia Alves Santos, 46, após quase 14 anos de problemas renais.
“Comecei a ter sangue na urina aos 8 anos e descobri que era uma nefropatia por IgA. Então, comecei um tratamento e segui até os 14 anos. Mas, nessa idade, eu fui deixando de fazer acompanhamento. Acabou que, aos 18, voltei a passar mal e descobri que havia perdido toda a função renal”, relata.
Depois disso, a jovem passou três anos fazendo hemodiálise até, enfim, receber um novo rim. “Nós fizemos exames para o transplante e deu que o rim da minha mãe era compatível com o meu. Demos entrada em janeiro de 2020 e, em março, eu consegui”, narra.
“Agora, é uma vida totalmente restaurada. O transplante realmente abre portas”, comemora Adriana.
De acordo com o Instituto de Gestão Estratégica de Saúde (Iges-DF), do total de transplantes em 2020 no Hospital de Base, 18 foram de rins e 44 de córneas. Em 2019, o HB fez 13 transplantes de rim e 87 de córnea.
No caso das córneas — consideradas tecidos e não órgãos —, a queda nas cirurgias é justificada pelo fato de que os transplantes eletivos ficaram suspensos de abril a setembro, por recomendação da Coordenação Geral do Sistema Nacional de Transplantes, para evitar o contágio pela Covid-19.
No período, só foram autorizados os casos nos quais o doador estava “com o coração pulsando”. Em 18 de setembro, o Ministério da Saúde publicou uma nota autorizando a retomada com doadores “com o coração parado”.
Espera por nova chance em 2021
A chance de vida nova, contudo, não é a realidade de muitos. Uma das pessoas que iniciam 2021 aguardando transplante é Mara Mônica Campo Alves (foto em destaque), 46. Com problema nos rins sem diagnóstico desde 2016, a moradora de Samambaia faz hemodiálise de segunda a sábado, no ICDF, enquanto aguarda por uma doação.
“Em 2016, comecei a ter pressão alta e a passar mal. Um exame apontou alteração na ureia”, diz. “Comecei a fazer mais exames e não dava nada. Até que uma cintilografia mostrou que 50% dos rins já estavam parados. Depois, fiz uma biópsia, só que deu ‘causa indeterminada’ e, até hoje, ficamos sem saber”, acrescenta.
No final de 2017, a saúde de Mara piorou e ela precisou dar início à hemodiálise. Em janeiro de 2018, a paciente entrou para a fila de transplante, na qual segue até hoje esperando por um novo rim.
“O meu maior suporte é a minha família, meu marido e meu filho. Eles cuidam muito bem de mim, graças a Deus”, destaca. “Mas, hoje, é a hemodiálise que me dá condições de viver. Eu quero ter uma vida melhor, com qualidade, e luto por isso nesse ano”, deseja.
Doação de órgãos
No Brasil, existem dois tipos de doadores de órgãos:
- Doador vivo – qualquer pessoa pode doar um dos rins, parte do fígado, da medula óssea ou do pulmão. Parentes até o quarto grau e cônjuges podem fazer. Não parentes, só com autorização judicial. Para doação de medula óssea, interessados podem se cadastrar na Fundação Hemocentro de Brasília.
- Doador falecido – paciente com morte encefálica ou parada cardíaca. Neste caso, a prática só é feita após a autorização familiar.
Por isso, a chefe do Núcleo de Distribuição de Órgãos e Tecidos da Secretaria de Saúde do DF, Ludmila Lamounier, ressalta a necessidade da conversa entre familiares sobre a doação. “É um assunto que muitas vezes não é confortável, mas é necessário, porque quem vai decidir sobre isso após a morte são os familiares”, pontua.
“Nem todo paciente que poderia doar é doador, porque tem que ter consentimento da família e, às vezes, os parentes não permitem”, diz. “Então, é importante que as pessoas compreendam a importância e se conscientizem que a doação de órgãos é um gesto de amor”, conclui a especialista.