Hran é o hospital mais desorganizado da rede. Pacientes agonizam
Segundo auditoria do TCDF, hospital da Asa Norte atendeu apenas 4% dos usuários adequadamente em fevereiro. Em visita à unidade, a reportagem acompanhou de perto o drama de quem espera por atendimento
atualizado
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Não é preciso ficar muito tempo na emergência do Hospital Regional da Asa Norte (Hran) para verificar as péssimas condições enfrentadas por pacientes e médicos. O Metrópoles esteve no local nesta terça-feira (19/4) e acompanhou casos dramáticos, como o do cinegrafista César Silva Santos, 56 anos, que gemia de dor, deitado no chão da recepção do pronto-socorro. César foi um dos muitos brasilienses que procuraram atendimento na unidade de saúde na manhã de hoje. “Eles me disseram que não tem médico para atender agora”, relatou o paciente, que sentia fortes dores abdominais.
O episódio ilustra bem a rotina no Hran. Única clínica que trabalhava na emergência no turno da manhã, Lilian Lauton afirmou à reportagem que o número de profissionais na unidade é insuficiente. “As escalas estão defasadas desde o ano passado. Muitos médicos se aposentaram ou estão afastados e não foram repostos. É preciso convocar novos profissionais. Estamos sobrecarregados e as pessoas estão morrendo sem atendimento”, desabafou.Em visita à unidade de saúde, o presidente do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF), Renato Rainha, pôde confirmar as queixas da médica. Além de equipe reduzida, ele viu de perto a falha na adoção de procedimentos básicos e o sofrimento de quem precisa de atendimento. Isso porque o que se vê no Hran está longe do recomendado, inclusive, pelos padrões da própria Secretaria de Saúde do DF. Quem chega ao local dificilmente consegue passar pela triagem. Funcionários sem qualquer qualificação fazem o registro dos pacientes, que aguardam por horas até serem chamados ou acabam por desistir do atendimento.
Foi o que aconteceu com a auxiliar de jardinagem Francisca Xavier. Chorando, a mulher chegou ao hospital com fortes dores na cabeça e no corpo. Depois de ser informada de que não havia médicos na emergência, deixou o Hran e seguiu para outra unidade de saúde. Apesar de ter preenchido ficha de atendimento, Francisca, assim como todos que procuram o hospital, não foi classificada de acordo com o Protocolo de Manchester.
Essa metodologia estabelece que cada paciente deve receber uma pulseira colorida de acordo com a gravidade do caso: vermelha (atendimento imediato), laranja (até 10 minutos), amarela (até 1 hora), verde (até 2 horas) e azul (até 4 horas). O não cumprimento do protocolo impede os pacientes de receberem os cuidados necessários no tempo adequado. Outras unidades do DF contam com o sistema, a exemplo do Hospital de Base.
A médica que se esforçava para prestar atendimento na emergência na manhã desta terça-feira explica que, atualmente, as pessoas classificadas como verde ou azul sequer entram nos consultórios. “Recebo entre 20 e 25 casos graves por turno (com duração de oito horas cada). É preciso entender que esses pacientes exigem acompanhamento total, o que impossibilita auxiliar os outros. Só com mais médicos para resolver esse problema”, destacou Lilian Lauton.
O presidente do TCDF afirmou que o hospital precisa de adequação com urgência. “É fundamental que os pacientes recebam a classificação adequada quando chegam ao pronto-socorro. Para isso, é preciso que haja médicos e enfermeiros. Indicaremos a realocação de profissionais para esse atendimento”.
A secretaria adjunta de Saúde, Eliene Berg, comentou o assunto. “Nós criamos um grupo dentro da pasta para verificar o cumprimento da escala. Constatamos incongruências e médicos que supostamente estavam no hospital, mas não prestavam atendimento. Intensificamos as visitas, inclusive, nos feriados. É uma equipe de quatro a cinco pessoas que faz abordagem de pacientes e verifica o fluxo interno de atendimento. Percebemos uma melhora. A ideia não é fazer uma caça às bruxas, mas sensibilizar os profissionais.”
Auditoria
A visita do TCDF foi motivada pelos resultados das últimas auditorias na rede pública de saúde do DF. Segundo os estudos do primeiro bimestre de 2016, o Hran é o pior hospital quanto aos procedimentos de classificação de pacientes. Em janeiro, 6.888 pessoas procuraram assistência médica dessa unidade de saúde, mas 6.212 não tiveram o acolhimento realizado de forma correta. Isso quer dizer que 90% dos pacientes não foram classificados de acordo com o risco que corriam.
Em fevereiro, esse percentual negativo subiu para 95,69%, situação bastante preocupante, segundo o relatório de auditoria. Desta vez, foram 6.455 pessoas sem priorização de atendimento clínico.
Segundo o presidente do TCDF, Renato Rainha, novas visitas serão feitas nos próximos meses. A equipe ainda vai elaborar relatórios bimestrais e, em junho, a auditoria será finalizada. Caso as metas não sejam cumpridas, a Secretaria de Saúde poderá sofrer penalidades. “Os coordenadores podem ser responsabilizados. Mas nossa intenção é apontar pontos falhos para que sejam resolvidos”. Rainha aproveitou para cutucar a gestão Agnelo Queiroz. “A saúde, assim como a educação, é uma questão de prioridade. Não dá para entender como um governo gasta R$1,7 bilhão em um estádio enquanto outros setores essenciais sofrem.”
Além do Hran, outros quatro hospitais foram avaliados em 2016 quanto ao número de pacientes atendidos na etapa de classificação. Confira os percentuais de usuários que tiveram o devido atendimento nas unidades de saúde do DF.
Percentual de Classificação de Risco nos Hospitais do DF:
Hospital Regional da Asa Norte (Hran)
Jan 9,81% / Fev 4,31%
Hospital de Base (HBDF)
Jan 86,19% / Fev 84,63%
Hospital Regional de Ceilândia (HRC)
Jan 24,19% / Fev 38,65%
Hospital Regional do Gama (HRG)
Jan 28,36% / Fev 32,63%
Hospital Regional de Sobradinho (HRS)
Jan 24,02% / Fev 25,02%
Hospital Regional de Taguatinga (HRT)
Jan 49,50% / Fev 44,41%