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Sem material, médicos até quebram ossos para poder operar pacientes

Com a falta de placas, hastes e parafusos, fraturas expostas recebem “gambiarras” com o material que estiver à disposição dos profissionais

atualizado

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Reprodução/Arquivo pessoal
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1 de 1 pe - Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

Pessoas que sofreram fraturas expostas e dependem do atendimento nos hospitais da rede pública de saúde do Distrito Federal estão sendo mutiladas durante as cirurgias. Sem os materiais necessários, médicos passaram a quebrar ainda mais os ossos de pacientes. O objetivo das medidas drásticas é encaixar os parafusos, placas, hastes ou fixadores externos que estejam disponíveis nas unidades.

A situação é tão caótica que as denúncias têm partido dos próprios profissionais. João (nome fictício), um ortopedista que atua há 25 anos na rede pública, relata que, atualmente, o sistema sobrevive à base de gambiarras. Muitas vezes, as peças são inadequadas, como as usadas para imobilizar a perna do paciente mostrado na foto principal.

A imagem, registrada nesta semana, revela um “fixador tabajara”, conforme definição do médico. Os materiais foram improvisados: precisaram ser retirados de outras peças para que a pessoa atendida pudesse receber o tratamento adequado. “Havia dias que o paciente esperava pelo material, que nunca chegou. Tivemos que improvisar”, disse João.

Nos casos em que é necessário provocar novas lesões que permitam o uso dos materiais, a situação é mais complexa. Muitas vezes, a pessoa corre o risco de perder um membro por falta de equipamentos adequados.

A escolha é dramática. Se o paciente não concordar em aumentar a fissura que provocou a fratura para a instalação de uma placa, ele pode perder a perna se a cirurgia demorar demais

João (nome fictício), ortopedista da rede pública do DF

Os pacientes, segundo o médico, são consultados e sempre concordam com os procedimentos pouco ortodoxos.

O ortopedista ilustra a situação com outro caso. Em uma cirurgia recente, precisou aumentar em 8cm uma fratura de fêmur porque não havia as placas necessárias para usar na operação. “Alertei o paciente sobre o procedimento. O hospital só tinha uma placa de 14cm e a fratura dele era de apenas 6cm. Ou fazia a operação ou a pessoa corria o risco de ficar com sequelas”, disse.

 

Arquivo pessoal
Raio X de um fixador usado corretamente. Na foto em destaque, médicos improvisam o aparelho

 

Falta de insumos
O dilema vivido pelos servidores da saúde não se restringe aos materiais usados para fixar fraturas. Insumos básicos, como fios de sutura utilizados para costurar e dar pontos em ferimentos, estão em falta. “Não existe saída. Quando não temos fio, o corte fica aberto. O jeito é esperar cicatrizar sem dar pontos”, afirmou o médico.

O mesmo problema ocorre com os medicamentos que estão em falta na rede pública. No caso da prescrição de antibióticos,  os médicos relatam ter que prescrever remédios mais fortes e de alto custo em razão da carência de outros, mais fracos e de baixo valor. “Quando não existe o medicamento ideal a ser prescrito, somos obrigados a receitar outros”, exemplifica o profissional.

O presidente do Sindicato dos Médicos (Sindmédicos-DF), Gutemberg Fialho, confirmou as denúncias e ressaltou que os ortopedistas passaram a se sentir obrigados a fazer “gambiarras” durante as cirurgias. “Essa prática se tornou uma rotina diária. Se o profissional não fizer esses gatilhos durante as operações, o paciente corre risco de ficar com sequelas graves ou até morrer”, destacou.

Segundo o sindicalista, em uma reunião recente coordenada pela entidade, um grupo de médicos ortopedistas desabafou sobre as condições de trabalho.

Realidade comparável à de países em conflito
João, por exemplo, compara a realidade na capital da República à rotina dos chamados “médicos de guerra”, que socorrem feridos em áreas de conflito, como países africanos e do Oriente Médio. “Nunca esteve tão complicado. Todo dia, temos que fazer escolhas difíceis. O pior é que uma decisão errada pode custar a vida de alguém”, disse.

Outro médico, que também pediu para não ser identificado, concorda com o colega. “Estamos nos valendo de técnicas que eram utilizadas na guerra fria devido à falta de estrutura em que a ortopedia da Secretaria de Saúde se encontra. Já estamos esgotando nossa criatividade para tentar, de alguma maneira, assistir a população”, desabafou.

Licitação
Procurada pela reportagem para falar sobre as denúncias, a Secretaria de Saúde informou que abrirá licitação na primeira semana de janeiro de 2017 para a compra regular de materiais ortopédicos.

“A secretaria reconhece que o estoque dos itens citados na matéria estão baixos ou em falta em algumas unidades. Porém, já trabalha para que a reposição desses itens ocorra o mais brevemente possível”, disse a pasta, por meio de nota.

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