Saúde pública está há 7 meses sem exame para diagnosticar infarto
GDF informou que, desde dezembro de 2018, o abastecimento de enzimas usadas para confirmar o quadro clínico está suspenso
atualizado
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Os pacientes com problemas no coração que procuram as unidades públicas de Saúde escutam, há pelo menos sete meses, a mesma resposta: “Estamos desabastecidos para a realização de exame”. O posicionamento refere-se à falta total de enzimas cardíacas na rede, substância essencial para o diagnóstico preciso de infarto. Segundo a Secretaria de Saúde, o abastecimento do estoque está suspenso desde dezembro de 2018, ainda na gestão do ex-governador Rodrigo Rollemberg (PSB). Mesmo depois desse longo período, a pasta ainda não conseguiu normalizar a situação.
O Governo do Distrito Federal (GDF) explica que tenta aderir a alguma ata de registro de preços, modalidade prevista para casos que necessitem urgência especial. Nesse contexto, baseada em compra efetuada por outra unidade da Federação, a Secretaria de Saúde adquire a quantidade necessária pelo mesmo valor alcançado pela licitação vigente. Contudo, mesmo que o modelo seja mais rápido do que uma concorrência pública, por exemplo, ainda não há previsão para que o fornecimento seja regularizado.
As enzimas são consideradas essenciais para evitar, entre outros fatores, a evolução do quadro clínico em pacientes com sintomas de infarto. “As enzimas se manifestam precocemente. Por exemplo, quando um paciente cardíaco chega com mal-estar à emergência, com azia, tem histórico de hipertensão, mas nem sempre sabe que pode se tratar de um infarto. Com essas enzimas, as chances de salvá-lo são grandes. Porém, sem elas, o futuro é arriscado”, explicou Guttemberg Fialho, presidente do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal (SindiMédico).
Há, também, a possibilidade de avaliação clínica para quem sofre de cardiopatias. No entanto, o diagnóstico baseado somente nesses critérios, além de eletrocardiogramas, pode ser difícil, sendo “imprescindível” a realização de exames laboratoriais. A análise laboratorial baseia-se na determinação de macromoléculas intracelulares na circulação, especialmente proteínas e enzimas, que extravasam das células do coração fatalmente lesadas devido a uma membrana comprometida. Para essas situações, as proteínas e enzimas mais utilizadas e específicas são: mioglobina, troponinas I e CK-MB.
“É uma irresponsabilidade muito grande, diria até inaceitável. Esse descaso só mostra a falta de prioridade dos governos e também reforça, para mim, que, na prática, do ano passado e de outros governos até agora, nada mudou. O paciente ainda é refém da má-gestão”, disparou o médico.
Pacientes temem falta do insumo
À reportagem, a Secretaria de Saúde informou que a Corregedoria abriu procedimento e apura a responsabilidade da gestão anterior sobre a falta de renovação do contrato e possíveis irregularidades na execução. O Metrópoles questionou ainda quais métodos têm sido adotados para diagnosticar a doença, tendo em vista a inexistência das enzimas necessárias. Contudo, a pasta preferiu não se manifestar a respeito do tema.
O atual cenário da rede pública de saúde pegou de surpresa e assustou o motorista Alberto Ferreira, 58 anos. Paciente do Hospital de Base, o trabalhador conta já ter sofrido duas paradas cardiorrespiratórias. Relata ainda que a falta do diagnóstico poderia, inclusive, afetá-lo. “Já fiz dois cateterismos. Se preciso do atendimento e não consigo, ficaria sem saber o que fazer”, pontua.
Com a experiência de quem já passou por isso, Alberto espera que a falta das enzimas seja resolvida da maneira mais rápida possível. “Coração, dependendo do problema, morre pouco tempo depois. Tem de arrumar isso logo”.
Já o aposentado Vicente Coelho, 52, se diz indignado. Ao se colocar no lugar de quem pode ser prejudicado por conta da indisponibilidade de enzimas laboratoriais, considera a situação um verdadeiro descaso. “É uma falta de respeito com o ser humano. Sem o diagnóstico, há a possibilidade de a pessoa morrer em casa depois de não saber o que aconteceu”. Para ele, a ausência de meios de se diagnosticar a parada do coração é mais um exemplo do caos na saúde no DF. “Infelizmente, aqui é carência. Às vezes, não tem nem maca ou cadeira de rodas em hospital, imagina essas coisas mais elaboradas?”, lamenta.