Saúde no campo: dificuldades vão de transporte a encaminhamento no DF
Grandes áreas de abrangência e falta de linhas regulares de transporte público dificultam acesso de pacientes às unidades rurais
atualizado
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O Distrito Federal é a unidade da Federação mais urbana do Brasil, mas tem uma população de cerca de 90 mil moradores em zonas rurais – conforme último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – que dependem exclusivamente dos serviços públicos de saúde. O atendimento a esses habitantes, que representam 3% do total de pessoas no DF, é focado na atenção primária, e as unidades básicas de saúde (UBSs) são para onde eles costumam se dirigir ao primeiro sinal de problema.
Atualmente, o Distrito Federal conta com 33 UBSs em zonas rurais, distribuídas por Sobradinho, Planaltina, Brazlândia, Paranoá, Ceilândia, São Sebastião, Recanto das Emas e Gama. Ao todo, 321 profissionais da Secretaria de Saúde (SES) atuam nessas unidades.
O Metrópoles esteve em postos de saúde na zona rural de Região Norte, onde estão as maiores áreas destinadas à agricultura e pecuária no DF. O local costuma atender agricultores familiares, trabalhadores de latifúndios de monocultura e pessoas que vivem em assentamentos.
A percepção dos moradores sobre os serviços prestados nos postos de saúde é bem diferente daquela demonstrada por usuários de prontos-socorros dos hospitais e unidades de pronto atendimento (UPAs) do Distrito Federal.
Ao contrário das frequentes reclamações de quem chega a esperar mais de oito horas para conseguir se consultar com um médico e dos problemas que começam antes mesmo da triagem de classificação de risco, habitantes de áreas rurais tentam resolver complicações de saúde nas UBSs e evitam a todo custo terem de se deslocar a um hospital.
O momento em que precisam de atendimento de média e alta complexidade é quando os moradores mais sofrem. A primeira dificuldade é o transporte. Com raras linhas de ônibus passando em frente aos postos e sem coletivos trafegando próximo às residências, quem não tem veículo próprio costuma voltar para casa sem conseguir consulta com um especialista.
Para amenizar o problema da dificuldade do transporte, agentes comunitários de saúde fazem visitas às moradias dos pacientes. Parte da estratégia é marcar um ponto intermediário e estabelecer horários para que os profissionais e a população se desloquem a um endereço no meio do caminho.
Localizada em uma área cedida em contrato de comodato – sem custos para o DF –, a UBS 17 de Planaltina, no Jardins do Morumbi, oferece consultas com médico da família e de enfermagem, pré-natal, acompanhamento do crescimento e desenvolvimento de crianças, curativos, retiradas de pontos e coleta para exames.
O local passa por reformas e aguarda por uma cadeira de dentista. Quem precisa ser atendido em outras especialidades, como nutrição e psicologia, é encaminhado para a clínica da família mais próxima.
Problemas de acesso
A diarista Lucineide Viana Souza, 31 anos, sempre procura a UBS 17 de Planaltina quando precisa vacinar um dos dois filhos ou necessita de coleta de material para exames ou, até mesmo, de acompanhamento quando alguém da família adoece.
O local onde ela mora, na Comunidade Palmeiras, é mais perto do centro de Planaltina de Goiás, embora Lucineide resida no Distrito Federal. “Eu já desisti do Hospital Regional de Planaltina [HRP], geralmente vou ao Hospital Municipal Santa Rita de Cássia [na cidade goiana]. Lá, a espera é bem menor”, diz a diarista.
No hospital em Goiás, Luciene tratou a dengue que o filho, Paulo Mateus Souza, 8 anos, contraiu em abril. Já recuperado, o menino faz o acompanhamento no posto de saúde.
O casal Guilherme Lourenço da Silva, 18, e Thaira de Amorim, 16, fizeram todo o pré-natal da pequena Isabella, agora com pouco mais de 10 dias, na UBS 17. Eles moram a 15 minutos de caminhada do posto e geralmente vão a pé. “Deu tudo certo e ela nasceu saudável no Hmib [Hospital Materno Infantil de Brasília]. Hoje, eu vim tirar os pontos da cesariana”, diz a mãe.
Na sala anexa a uma igreja católica, dentro de um haras, funciona a UBS 4 de Sobradinho, na Rota do Cavalo. A unidade é responsável por atender moradores de vários assentamentos, chácaras, fazendas e um acampamento de ciganos.
Mãe de três filhos, feirante e agricultora familiar, Samara Gomes, 25 anos, levou o filho Kaleb, de 9 meses, para saber o motivo de uma tosse que persiste há três dias. Nascida e crescida na cidade de Tianguá, no Sertão cearense, a produtora rural desembarcou em Brasília há dois anos, quando começou a plantar hortaliças e criar galinhas poedeiras, para a venda de vegetais e ovos caipiras.
Segundo a enfermeira da unidade, Eliana Lisboa, houve um aumento no número de pessoas que procuraram o posto neste primeiro quadrimestre, em razão do surto de dengue no Distrito Federal. “É importante que se invista em atenção primária para desafogar os pronto-socorros. Já teve um caso de paciente que chegou aqui grave, com suspeita de dengue, foi feita a hidratação e ele saiu daqui andando com o encaminhamento.”
Outro lado
Por meio de nota, a Secretaria de Saúde informou que unidades básicas de saúde rurais possuem peculiaridades, como uma população menor e em pequenos aglomerados.
A Diretoria de Atenção Primária da Região de Saúde Norte (Diraps Norte), que engloba Sobradinho e Planaltina, alegou que estuda formas de facilitar o acesso desses aglomerados ao atendimento em saúde.
Segundo o órgão, já existem pontos de apoio nos quais uma equipe responsável pela comunidade organiza os dias de atendimento. Dessa forma, a população é atendida mais perto do local em que mora. O deslocamento maior passa a ocorrer eventualmente, quando há a necessidade de realização de outros procedimentos.
A respeito da grande área de abrangência do Jardins do Morumbi, que resulta no percurso de grandes distâncias, a Secretaria de Saúde disse que está sendo finalizado o processo de doação de um terreno para a construção de uma nova unidade básica rural em Planaltina.
De acordo com a pasta, um novo inventário de equipamentos será realizado para a instalação de cadeira odontológica na UBS, brevemente.
Também foram solicitadas ao Transporte Urbano do Distrito Federal (DFTrans), segundo a SES, novas linhas de ônibus que contemplem as unidades básicas de saúde, o que facilitaria o acesso ao serviço.