Retrato do descaso: 96,7% dos usuários da rede pública de saúde do DF estão insatisfeitos com o atendimento
Pesquisa foi feita pela Codeplan, órgão do governo local. Reclamação sobre a qualidade do serviço atinge também médicos e enfermeiros
atualizado
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Os números de uma pesquisa realizada pela Companhia de Planejamento do DF (Codeplan) dão a dimensão exata do drama dos brasilienses que precisam da rede pública de saúde. A melhoria do atendimento, um dos compromissos de campanha do governador Rodrigo Rollemberg (PSB), ficou apenas na promessa no primeiro ano de mandato do socialista. De acordo com o estudo, 96,76% dos entrevistados que buscaram os hospitais públicos avaliaram a qualidade do serviço como péssima (58,89%), ruim (22,43%) ou regular (21,75%). Nos postos de saúde, a reprovação não ficou muito atrás: 91,22% dos usuários estão insatisfeitos.
O levantamento, obtido pelo Metrópoles, vai além. Ele mostra que o descontentamento atinge, também, os servidores lotados nessas unidades. Para quem buscou atendimento em um hospital público, por exemplo, a qualidade dos médicos foi considerada péssima, ruim ou regular em 73,5% das entrevistas. No caso dos enfermeiros, o índice de reprovação foi de 66,7%. Segundo a Secretaria de Saúde, cerca de 33 mil profissionais estão no quadro da pasta.Com um orçamento previsto de R$ 7,5 bilhões, não há muito espaço em 2016 para fazer investimentos que possam reverter essa situação. Dados do Fundo de Saúde do DF mostram que no ano passado apenas R$ 48 milhões foram investidos, sendo a maior parte nas obras de ampliação do Hospital da Criança. A pasta encerrou 2015 com uma dívida de R$ 700 milhões e começou com dois tomógrafos quebrados (em Taguatinga e no Gama), de acordo com a secretária-adjunta, Eliene Berg. Já no Hospital Regional do Gama, o esgoto invadiu uma ala da unidade, ameaçando a saúde dos pacientes internados.
Drama na porta dos hospitais
Na porta dos hospitais, o que não falta é reclamação das mais variadas: falta medicamento, equipamentos quebrados, ausência de profissionais, demora no atendimento, sujeira nas instalações, longas esperas para cirurgias e exames mais complexos. Até reagente para exames simples como de urina e sangue faltaram na rede pública em 2015.
Diagnosticada com febre chikungunya, a dona de casa Alfra Sales, 50 anos, busca há oito dias atendimento na rede pública para fazer um exame de sangue. “Já fui no Hran e eles me informaram que não tinha médico. Espero ser atendida aqui no Hospital de Base. Ainda sinto dores pelo corpo. Preciso dar continuidade ao acompanhamento da doença”, contou ao Metrópoles.
Na última segunda procurei um ortopedista no Hospital do Gama. Esperei de 11h as 20h para só depois me informarem que o médico que estava ‘a caminho’ não chegou. É um descaso total.
Alfra Sales, dona de casa
Para o marceneiro Valdevi Castro (foto o lado), 60 anos, o atendimento é péssimo. “Falta tudo. Médico quase não tem e os medicamentos são escassos. Moro em Samabaia e o hospital de lá segue com o mesmo problema”, desabafou enquanto acompanhava um familiar no Hospital de Base.
O estudo foi feito pela Codeplan por telefone, no período entre 23 de outubro e 02 de novembro do ano passado. Foram realizadas 2.385 entrevistas, numa amostra baseada no cadastro da Central de Atendimento ao Cidadão (CAC). Dos 476.293 números registrados na central, oito mil foram sorteados.
Moradora de Brazlandia, Hosana Ferreira, 50, tem refluxo e levantou cedo para fazer uma consulta no Hospital Regional de Ceilândia (HRC) nesta quarta-feira (6/1): “Para conseguir esse atendimento tive que tentar por dois meses. A situação está tão complicado que tive que pagar o exame em uma clínica particular porque também não estava conseguindo marcar”.
Cansei se virar a noite em pronto socorro esperando atendimento. Para a gente, que mora em Brazlandia, é ainda pior. Lá não tem cardiologista, ortopedista e outras especialidades. Todo mundo corre para Ceilandia. Quando chega aqui, claro, está lotado.
Hosana Ferreira, dona de casa
“Eles falam que tem médico, mas tem gente no pronto socorro desde ontem”, reclamou indignado o aposentado Joaquim Souza, 73 anos. Ele foi até o hospital de Ceilândia acompanhar a mulher, também idosa, que busca tratamento ortopédico. “É uma vergonha”.
No limite
A presidente do SindSaúde, Marli Rodrigues, discorda da pesquisa sobre a avaliação dos profissionais da área. Ela ressalta que os servidores estão trabalhando desmotivados com as péssimas condições de trabalho. Para a entidade, os profissionais estão no limite. “Os servidores da saúde também são vítimas do sistema. Os profissionais fazem o que podem para atender bem, porém existe essa sobrecarga que é perceptível para os pacientes”, defende.
Não é o que pensa Naiane Araújo, moradora de Samambaia. Ela acusa o médico que atendeu o filho dela, de 12 anos, de negligente. O menino passou as 12 primeiras horas de 2016 com uma bala alojada na boca, até a família descobrir que ele tinha sido atingido por um tiro.
A mãe disse que o primeiro médico, no Hospital Regional de Taguatinga (HRT), atribuiu o ferimento a um caco de vidro e liberou o menino sem qualquer exame. O motivo real do sangramento e das dores só foi identificado em outro hospital, em Sobradinho.
O outro lado
Pressionado pelo Ministério Público e pela população, o governador reuniu a cúpula da Secretaria de Saúde, nesta terça (5) para cobrar explicações sobre os diversos problemas no setor. Após duas horas e meia de reunião, anunciou que autorizou a contratação de médicos, técnicos e enfermeiros, sem especificar datas e número de vagas.
Segundo o chefe do Executivo local, há um deficit de mais de mil servidores na saúde, em função de aposentadorias e fim de contratos com terceirizados. O governo admitiu, entretanto, que a demora no atendimento dos pacientes é resultado, também, da desorganização das escalas de pessoal.
O governador também decidiu tornar permanente um grupo criado no final do ano para percorrer os 16 hospitais regionais e as seis unidades de pronto-atendimento (UPAs), identificar problemas e propor soluções.