metropoles.com

Reorganização no IHBDF deixa pacientes com doenças raras na mão

Com extinção de ambulatório, pessoas que faziam infusão na unidade estão sem saber aonde ir. GDF diz estar “reorganizando” a assistência

atualizado

Compartilhar notícia

Google News - Metrópoles
Istock
Drip on the background a hospital corridor
1 de 1 Drip on the background a hospital corridor - Foto: Istock

Desde janeiro deste ano, quando o Hospital de Base do Distrito Federal virou instituto (IHBDF), a maior unidade de saúde da capital da República tem sido fonte de dor de cabeça para pacientes com doenças raras. Após a reestruturação interna, o ambulatório de genética foi desativado e a infusão agora é incerta.

É o que garante a Associação Maria Vitória de Doenças Raras e Crônicas (Amavi). Diretora executiva da entidade, Lauda Santos explica que a ideia do GDF era reorganizar o atendimento específico e convocar as pessoas antes atendidas no Base para o Hospital de Apoio de Brasília (HAB), referência em genética. Mas, com a transição, ao menos 60 pacientes que faziam a Terapia de Reposição Enzimática (TER) estão desassistidos. De acordo com ela, por conta disso, alguns chegam a manipular em casa a medicação, aplicada na veia.

No total, 44 têm a doença de Fabry; 12 de Gaucher; e 4 de Pompe, aponta a Amavi. As enfermidades causam deficiência em enzimas, grupos de substâncias proteicas. Grande parte das enfermidades raras são de origem genética.

Lauda explica que o tratamento de reposição é feito para estabilizar a doença em múltiplos órgãos. “Os pacientes estão procurando a Amavi porque não têm recebido medicamento e também estão sem a referência da infusão. Eles necessitam de uma equipe interdisciplinar muito bem treinada e com assistência permanente”, frisa.

O servidor público Tiago*, 37 anos, é portador da Doença de Fabry. O distúrbio é causado por uma deficiência no cromossomo X, que impede o corpo de produzir quantidade suficiente de uma enzima responsável pela remoção das substâncias gordurosas das células. Segundo ele, é preciso fazer a infusão a cada 15 dias. Contudo, a reorganização do IHBDF o deixou sem tratamento desde o início deste ano.

Com a falta de medicação, alguns órgãos são comprometidos, o que pode ser irreversível. Posso ter um problema renal ou cardíaco, por exemplo. Essa retirada da genética do Hospital de Base é uma perda grande.

Tiago, portador da Doença de Fabry, está sem atendimento desde janeiro

Por outro lado, a pedagoga Ana Márcia Carvalho Moreira, 56, até conseguiu fazer a infusão em fevereiro, mas, no início deste mês, perdeu a viagem quando procurou a unidade. Conforme contou, por falta de uma enfermeira para manipular o remédio, não conseguiu repor as enzimas.

“É uma pastilha, então tem de diluir em soro. Só quem dilui são as enfermeiras. Os técnicos não estão autorizados a fazer”, conta. Embora tenha Doença de Gaucher, ela diz que tem sido atendida na ala de quimioterapia.

Segundo o coordenador do Observatório de Doenças Raras da Universidade de Brasília (UnB), Natan Monsores de Sá, os pacientes estão “perdidos”. “Tem um outro movimento acontecendo que é tentar levá-los para o centro de referência, mas ainda não há local definido pela Secretaria de Saúde, apesar de um centro já existir no papel”, esclarece.

De acordo com o especialista, os pacientes necessitam de uma estrutura mínima para receber a infusão. “É preciso de injeção, medicamentos injetáveis e cadeiras específicas para esse tratamento”, complementa. “Não está funcionando como deveria, com as equipes e local adequados”, garante.

A terapia repõe aquilo que o corpo naturalmente não consegue produzir. A Doença de Fabry e a de Gaucher, por exemplo, geram efeitos genéticos nos quais falta produção de uma enzima — um mecanismo que faz com que os órgãos funcionem normalmente. Sem o tratamento, em algumas situações, você vai ter depósito de substâncias tóxicas que levam as células a falharem

Natan Monsores de Sá, coordenador do Observatório de Doenças Raras da UnB

Em busca de uma solução, Lauda Santos relata que a Amavi e o grupo Mães da Imunodeficiência Primária procuraram o secretário adjunto de Relações Institucionais e Sociais, Antonio Apolinário Rebelo Figueiredo. Ele se comprometeu a abraçar a causa e lutar pela criação do centro de infusão.

Medicação
A constante falta de medicação também gera indignação. Natan Monsores comenta que os remédios são, em maioria, caros e todo o tratamento dificilmente seria garantido por um plano de saúde. No caso de Tiago, por exemplo, cada ampola custa em torno de R$ 15 mil — ele precisa de duas a cada 15 dias. Se fosse custear só os remédios, precisaria desembolsar cerca de R$ 60 mil a cada mês.

 

Arquivo pessoal
O Fabrazyme é indicado para pacientes com Doença de Fabry. Cada ampola custa em torno de R$ 15 mil. Tiago sofre com a falta do remédio: “É triste saber que a minha vida depende só disso”

 

Tiago denuncia que, desde o segundo semestre de 2016, o Fabrazyme está em falta. “Só consigo o tratamento porque tinha doações. Agora, estou sem remédio e sem local para fazer a infusão”, lamenta. Situação semelhante ocorre com Ana Márcia. Em 2017, ela ficou três meses — de outubro a dezembro — sem o Imiglucerase, remédio necessário para o tratamento. “Senti dor nos ossos nesse período”, lembra.

“Isso é crítico para nós. Não pode faltar medicamento. Tudo vai piorando sem medicação. As plaquetas vão baixando e pode afetar outros órgãos”, diz Ana Márcia.

O coordenador do Observatório de Doenças Raras da UnB complementa que, se continuarem sem medicamento e sem assistência, os pacientes podem morrer. “Não ter acesso aos remédios é sentença de morte”, garante.

O Ministério Público Federal (MPF) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) investigam irregularidade na compra de três drogas para doenças raras, entre elas, o Fabrazyme. Segundo os órgãos, a empresa Global Gestão em Saúde venceu a licitação em outubro e não entregou os medicamentos, mesmo tendo recebido R$ 19,9 milhões do governo federal com antecedência.

O outro lado
Em nota, o Instituto Hospital de Base disse que o serviço de genética funcionava com médicos cedidos pelo Hospital de Apoio de Brasília (HAB). Segundo a instituição, pacientes continuam sendo atendidos em ambulatórios de especialidades da unidade, “entre eles, cardiologia e neurologia, com o apoio da genética, além do próprio HAB”.

A Secretaria de Saúde complementou o comunicado informando que está reorganizando a assistência médica, “com o objetivo de aprimorar a qualidade do atendimento”. Ressaltou, porém, que, “em nenhum momento, foi dada orientação para infusão em casa”.

Os locais onde funcionavam a genética estão lotadas outras especialidades, esclareceu a pasta. “O serviço de genética funciona normalmente no Hospital de Apoio. Os médicos que prestavam serviços no IHBDF são oriundos daquele hospital e continuam trabalhando com carga horária plena”, reforçou.

Sobre os medicamentos, destacou que, por falta de padronização, o Fabrazyme não é entregue pela rede pública de saúde. Por outro lado, o Imiglucerase é distribuído nas Farmácias de Componentes Especializados do Distrito Federal e comprado pelo Ministério da Saúde, mas, atualmente, está em falta, de acordo com a secretaria.

(*) O nome completo foi preservado a pedido do entrevistado

Quais assuntos você deseja receber?

Ícone de sino para notificações

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

Ícone de ajustes do navegador

Mais opções no Google Chrome

2.

Ícone de configurações

Configurações

3.

Configurações do site

4.

Ícone de sino para notificações

Notificações

5.

Ícone de alternância ligado para notificações

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comDistrito Federal

Você quer ficar por dentro das notícias do Distrito Federal e receber notificações em tempo real?