Reorganização no IHBDF deixa pacientes com doenças raras na mão
Com extinção de ambulatório, pessoas que faziam infusão na unidade estão sem saber aonde ir. GDF diz estar “reorganizando” a assistência
atualizado
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Desde janeiro deste ano, quando o Hospital de Base do Distrito Federal virou instituto (IHBDF), a maior unidade de saúde da capital da República tem sido fonte de dor de cabeça para pacientes com doenças raras. Após a reestruturação interna, o ambulatório de genética foi desativado e a infusão agora é incerta.
É o que garante a Associação Maria Vitória de Doenças Raras e Crônicas (Amavi). Diretora executiva da entidade, Lauda Santos explica que a ideia do GDF era reorganizar o atendimento específico e convocar as pessoas antes atendidas no Base para o Hospital de Apoio de Brasília (HAB), referência em genética. Mas, com a transição, ao menos 60 pacientes que faziam a Terapia de Reposição Enzimática (TER) estão desassistidos. De acordo com ela, por conta disso, alguns chegam a manipular em casa a medicação, aplicada na veia.
Lauda explica que o tratamento de reposição é feito para estabilizar a doença em múltiplos órgãos. “Os pacientes estão procurando a Amavi porque não têm recebido medicamento e também estão sem a referência da infusão. Eles necessitam de uma equipe interdisciplinar muito bem treinada e com assistência permanente”, frisa.
O servidor público Tiago*, 37 anos, é portador da Doença de Fabry. O distúrbio é causado por uma deficiência no cromossomo X, que impede o corpo de produzir quantidade suficiente de uma enzima responsável pela remoção das substâncias gordurosas das células. Segundo ele, é preciso fazer a infusão a cada 15 dias. Contudo, a reorganização do IHBDF o deixou sem tratamento desde o início deste ano.
Com a falta de medicação, alguns órgãos são comprometidos, o que pode ser irreversível. Posso ter um problema renal ou cardíaco, por exemplo. Essa retirada da genética do Hospital de Base é uma perda grande.
Tiago, portador da Doença de Fabry, está sem atendimento desde janeiro
Por outro lado, a pedagoga Ana Márcia Carvalho Moreira, 56, até conseguiu fazer a infusão em fevereiro, mas, no início deste mês, perdeu a viagem quando procurou a unidade. Conforme contou, por falta de uma enfermeira para manipular o remédio, não conseguiu repor as enzimas.
“É uma pastilha, então tem de diluir em soro. Só quem dilui são as enfermeiras. Os técnicos não estão autorizados a fazer”, conta. Embora tenha Doença de Gaucher, ela diz que tem sido atendida na ala de quimioterapia.
Segundo o coordenador do Observatório de Doenças Raras da Universidade de Brasília (UnB), Natan Monsores de Sá, os pacientes estão “perdidos”. “Tem um outro movimento acontecendo que é tentar levá-los para o centro de referência, mas ainda não há local definido pela Secretaria de Saúde, apesar de um centro já existir no papel”, esclarece.
De acordo com o especialista, os pacientes necessitam de uma estrutura mínima para receber a infusão. “É preciso de injeção, medicamentos injetáveis e cadeiras específicas para esse tratamento”, complementa. “Não está funcionando como deveria, com as equipes e local adequados”, garante.
A terapia repõe aquilo que o corpo naturalmente não consegue produzir. A Doença de Fabry e a de Gaucher, por exemplo, geram efeitos genéticos nos quais falta produção de uma enzima — um mecanismo que faz com que os órgãos funcionem normalmente. Sem o tratamento, em algumas situações, você vai ter depósito de substâncias tóxicas que levam as células a falharem
Natan Monsores de Sá, coordenador do Observatório de Doenças Raras da UnB
Em busca de uma solução, Lauda Santos relata que a Amavi e o grupo Mães da Imunodeficiência Primária procuraram o secretário adjunto de Relações Institucionais e Sociais, Antonio Apolinário Rebelo Figueiredo. Ele se comprometeu a abraçar a causa e lutar pela criação do centro de infusão.
Medicação
A constante falta de medicação também gera indignação. Natan Monsores comenta que os remédios são, em maioria, caros e todo o tratamento dificilmente seria garantido por um plano de saúde. No caso de Tiago, por exemplo, cada ampola custa em torno de R$ 15 mil — ele precisa de duas a cada 15 dias. Se fosse custear só os remédios, precisaria desembolsar cerca de R$ 60 mil a cada mês.
Tiago denuncia que, desde o segundo semestre de 2016, o Fabrazyme está em falta. “Só consigo o tratamento porque tinha doações. Agora, estou sem remédio e sem local para fazer a infusão”, lamenta. Situação semelhante ocorre com Ana Márcia. Em 2017, ela ficou três meses — de outubro a dezembro — sem o Imiglucerase, remédio necessário para o tratamento. “Senti dor nos ossos nesse período”, lembra.
“Isso é crítico para nós. Não pode faltar medicamento. Tudo vai piorando sem medicação. As plaquetas vão baixando e pode afetar outros órgãos”, diz Ana Márcia.
O coordenador do Observatório de Doenças Raras da UnB complementa que, se continuarem sem medicamento e sem assistência, os pacientes podem morrer. “Não ter acesso aos remédios é sentença de morte”, garante.
O Ministério Público Federal (MPF) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) investigam irregularidade na compra de três drogas para doenças raras, entre elas, o Fabrazyme. Segundo os órgãos, a empresa Global Gestão em Saúde venceu a licitação em outubro e não entregou os medicamentos, mesmo tendo recebido R$ 19,9 milhões do governo federal com antecedência.
O outro lado
Em nota, o Instituto Hospital de Base disse que o serviço de genética funcionava com médicos cedidos pelo Hospital de Apoio de Brasília (HAB). Segundo a instituição, pacientes continuam sendo atendidos em ambulatórios de especialidades da unidade, “entre eles, cardiologia e neurologia, com o apoio da genética, além do próprio HAB”.
A Secretaria de Saúde complementou o comunicado informando que está reorganizando a assistência médica, “com o objetivo de aprimorar a qualidade do atendimento”. Ressaltou, porém, que, “em nenhum momento, foi dada orientação para infusão em casa”.
Os locais onde funcionavam a genética estão lotadas outras especialidades, esclareceu a pasta. “O serviço de genética funciona normalmente no Hospital de Apoio. Os médicos que prestavam serviços no IHBDF são oriundos daquele hospital e continuam trabalhando com carga horária plena”, reforçou.
Sobre os medicamentos, destacou que, por falta de padronização, o Fabrazyme não é entregue pela rede pública de saúde. Por outro lado, o Imiglucerase é distribuído nas Farmácias de Componentes Especializados do Distrito Federal e comprado pelo Ministério da Saúde, mas, atualmente, está em falta, de acordo com a secretaria.