Pacientes se humilham por remédios nas Farmácias de Alto Custo do DF
Levantamento da Saúde mostra que 23 medicamentos estão em falta, falha que leva milhares de pessoas a interromperem o tratamento
atualizado
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Há 20 anos, o serralheiro Fernando Aparecido Alves de Lima, 43, descobriu uma neuropatia diabética que fez sua vida virar de cabeça para baixo. Para manter-se sem crises, teve de parar de trabalhar e viver à base de remédios ofertados pela Farmácia de Excepcionais do governo do Distrito Federal.
No entanto, o tratamento não tem sido fácil. Segundo ele, um dos medicamentos essenciais para o seu bem-estar, o Gabapentina, constantemente está em falta nas prateleiras. “É uma luta. Nos últimos dois meses, não consegui pegar. Custa, em média, R$ 80. Já amputei três dedos e não quero ficar sem medicação e ter de passar por isso de novo”, desabafa.
A aflição do serralheiro é compartilhada por milhares de brasilienses que precisam contar com a sorte para conseguir remédios nas três farmácias de alto custo existentes no Distrito Federal. Por questão de sobrevivência, os pacientes, na maioria das vezes, dependem do tratamento contínuo e diário dos insumos.
Nesta reportagem da série DF na Real – na qual os candidatos ao Governo do Distrito Federal (GDF) comentam o que fariam (confira no fim do texto) para resolver os problemas apontados pelos moradores da capital –, o Metrópoles percorreu as unidades da Farmácia de Alto Custo da Asa Sul, Ceilândia Norte e Gama e acompanhou o calvário de homens e mulheres dependentes de medicamentos custeados pelo poder público.
Apesar das longas filas, nem sempre o medicamento está disponível. Um levantamento da Secretaria de Saúde do DF aponta que 23 remédios estão em falta. Ao todo, a Farmácia de Alto Custo disponibiliza 220 rótulos. Os insumos são indicados para o tratamento de aproximadamente 100 condições clínicas diferentes.
Doença
Em tratamento reumatológico há cerca de cinco anos, o piscineiro Josinaldo de Vasconcelos Nunes, 35, aguarda por uma cirurgia no Sistema Único de Saúde (SUS) para substituir articulações gastas por uma prótese.
Na manhã de quarta-feira (17/10), ele foi até a Farmácia de Alto Custo de Ceilândia com o objetivo de buscar o composto de uso diário, ao qual não teria tido acesso nos últimos 15 dias. O homem tem artrite psoriática, anda com auxílio de bengala e saiu de casa, em Águas Lindas de Goiás, às 7h, porém, só recebeu atendimento por volta das 10h.
Vim [na farmácia] há duas semanas e não tinha o medicamento chamado Leflunomida. Esse remédio é muito caro e eu não posso pagar. Estava em casa, sem andar. É um verdadeiro Deus nos acuda ficar sem. Não me aguento de tanta dor. A gente, que sofre com a doença, só suplica para que o governo não deixe faltar.
Josinaldo de Vasconcelos Nunes
Tratamento interrompido
O mesmo ocorreu com a manicure Daiana Silva, 36, e com o administrador de empresas José Fernandes Macedo, 72. Ambos têm mãe e esposa, respectivamente, com artrite reumatóide (doença inflamatória crônica capaz de afetar várias articulações) e relatam que, no último mês, não conseguiram a fórmula Leflunomida para o tratamento da doença das familiares.
Daiana, filha de Raimunda Silva, 69, demonstra preocupação com a interrupção do tratamento. “Sem a medicação, a doença avança e provoca atrofia muscular. Sem contar a dor insuportável que o paciente sente. Ela grita de fraqueza. Já precisei carregar no colo”, comenta a manicure, que revela ter comprado duas caixas nos últimos meses por R$ 500 cada. “Vivemos com um salário. É muito difícil. A pessoa não está aqui porque ela quer. A doença não espera”, lamenta.
José Fernandes foi buscar o Leflunomida para a esposa, Rita de Cássia Mateus Macedo, 65. “Até uma semana atrás não tinha na rede. Lutamos para que nunca falte. Se não precisássemos, nem estaríamos aqui nos humilhando e enfrentando longas filas”, diz o homem.
Espera e recadastramento deixam a desejar
O que leva a desempregada Patrícia Maria Alves da Silva de Assunção, 49, todo mês à Farmácia do Componente Especializado da 102 Sul é a doença do filho. Antônio Gabriel Alves Assunção, 9, descobriu ser portador de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) em 2015. Desde então, a mãe busca os remédios disponibilizados pela Secretaria de Saúde.
A criança toma duas substâncias diariamente. Um deles a família consegue gratuitamente através do cadastro na rede pública. “Moramos em Planaltina. Todo mês é essa saga. Às vezes falta a medicação, o Metilfenidato”, afirma.
Patrícia também reclama das longas filas. Segundo ela, por conta da falta de prestação adequada do serviço, a unidade vive lotada e os pacientes esperam várias horas no local. “Da última vez, só me avisaram que não tinha o que eu precisava na hora que estava na boca do guichê. Estou em tratamento contra um câncer de mama e também preciso de remédio. Além de não ter dinheiro para arcar com tudo, me sinto indisposta.”
Mãe de um paciente esquizofrênico, Ana Maria da Silva, 56, ficou mais de duas horas à espera de atendimento, na última quinta (18), na unidade da 102 Sul. De acordo com ela, é difícil faltar o fármaco que o filho ingere diariamente. Em compensação, não há uma só vez em que ela vá ao local e não tenha de esperar.
“Moro no Varjão e, quando venho, perco o dia todo. O governo diz que está tudo bem, mas não está. Estamos passando sufoco”, denuncia, em tom de desabafo.
O que diz o GDF
Ao ser questionada pela reportagem sobre as reclamações dos pacientes, a Secretaria de Saúde informou que as três unidades da Farmácia de Alto Custo — Gama, Ceilândia e 102 Sul — realizam, em média, cerca de 1,2 mil atendimentos por dia das 8h às 17h. Atualmente, cerca de 30 mil usuários estão cadastrados.
Em relação à falta de Leflunomida, destacou que a composição se encontra disponível nas três farmácias. “O Metilfenidato 10mg encontra-se disponível e o de 30mg aguarda a entrega do fornecedor, que não realizou as duas últimas programadas.”
Há oferta de Gabapentina de 300mg nas três unidades. Já o de 400mg, encontra-se sem estoque, mas com entrega prevista ainda em outubro, segundo explicou a pasta. “Cabe ressaltar que o médico assistente poderá solicitar quaisquer das apresentações dos medicamentos Gabapentina, ajustando apenas a quantidade de comprimidos. Com isso, o paciente poderá retirar o item, na posologia disponível, sem prejuízo ao tratamento”, diz trecho da nota.
Atualmente, 23 medicamentos dos 220 disponíveis na rede estão em falta. Desses, cinco são adquiridos e fornecidos pelo Ministério da Saúde e 18 ficam sob responsabilidade do GDF.
Ainda segundo a Secretaria de Saúde, a renovação do tratamento trimestral é uma exigência estabelecida para os medicamentos elencados no componente especializado, conforme determina o Ministério da Saúde. Finalizou dizendo haver um projeto de descentralização do serviço, que prevê a abertura de uma unidade na região Norte, que engloba Fercal, Sobradinho I e II e Planaltina.
Veja o que os dois candidatos ao GDF pretendem fazer em relação ao serviço: