MPDFT e GDF trocam farpas sobre contrato do Hospital da Criança
Ministério Público divulgou nota para embasar ação judicial contra entidade que gerencia a unidade de saúde. GDF refutou as justificativas
atualizado
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Em meio a polêmicas, protestos e questionamentos, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) publicou nota de esclarecimento sobre o imbróglio em torno da gestão do Hospital da Criança de Brasília (HCB). Com documentos e processos de diversos órgãos, a 2ª Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde (Prosus) explicou por que a entidade ingressou com ação judicial questionando a contratação do Instituto do Câncer Infantil e Pediatria Especializada (Icipe). O GDF, no entanto, diverge da opinião e tenta reverter decisão judicial. Os posicionamentos divergentes colocaram governo e MPDFT em rota de colisão.
Na nota, o MPDFT afirmou repudiar “os ataques que tem sofrido, e que se estendem ao Poder Judiciário e aos órgãos de controle”. Disse que o interesse do órgão é cumprir a lei e os princípios constitucionais da administração pública: “Em especial, o da economicidade e a proteção do erário”. Alegou que o HCB funciona “sob o regime de ‘portas fechadas’”, atendendo a um contingente limitado de usuários do SUS.
Os argumentos do Ministério Público foram contestados com veemência pelo secretário de Saúde, Humberto Fonseca. Segundo o gestor, o índice de aprovação dos usuários no HCB é de 99%. “É realmente uma marca impressionante. Nós temos 40 mil atendimentos por mês. São mais de 3 milhões desde 2011. A nossa sociedade tem que brigar, se mobilizar para que a gente não perca esse grande equipamento de saúde, que é tão necessário para as crianças do Distrito Federal”, reforçou.
Durante o fim de semana, o secretário de Saúde usou as redes sociais para criticar a ação do MPDFT e a decisão da Justiça. Ele iniciou o texto com uma frase em letras maiúsculas: “POR FAVOR, NOS DEIXEM TRABALHAR!”.
Documentos
Dois dias após a nota de desagravo de Fonseca, o MPDFT veio a público e apresentou parecer do Conselho de Saúde do Distrito Federal que aponta irregularidades em pelo menos dois contratos com o Icipe. No Contrato de Gestão n° 1/11, celebrado entre GDF e Icipe, foram empenhados cerca de R$ 93 milhões. Já o Contrato de Gestão n° 1/14 teve R$ 390 milhões empenhados.
Além disso, foram expostos, na página oficial do órgão, dois trabalhos da Controladoria-Geral que apontam irregularidades. Confira:
Parecer da Procuradoria-Geral do DF by Metropoles on Scribd
Problemas
Entre os pontos descritos pelo MPDFT, estão: a ausência de previsão, em estatuto social, do prazo de dois anos para primeiro mandato de metade dos membros do conselho de administração; falta de publicidade na celebração do contrato de gestão; celebração do compromisso sem a comprovação de experiência prévia da entidade qualificada como organização social (OS); ausência de estudos técnicos prévios à contratação para demonstrar a vantagem da execução por parte da organização social; entre outros.
Na nota, considerou ainda que os problemas encontrados no contrato não são falhas meramente formais – pelo contrário: atingem o documento em sua essência. “Por dever de ofício, o MPDFT ajuizou a Ação de Improbidade Administrativa 2016.01.1.116141-5, que obteve provimento favorável. Por isso, ao ver do Ministério Público, e, agora, também da Justiça, as irregularidades que pairam sobre os referidos contratos vêm desde a origem”, diz o órgão.
Ainda segundo as explicações sobre a ação, o MPDFT justificou que, “em relação ao Contrato de Gestão n° 1/14, celebrado em ano eleitoral, a situação é ainda pior, pois houve elevação de preço (41%) injustificada em relação ao Contrato de Gestão n° 1/11, mantendo-se a falta de clareza quanto aos preços pactuados, por inexistir composição dos custos unitários”.
GDF questiona
Nesta segunda (16/4), o secretário de Saúde voltou a contestar os argumentos usados pelo MPDFT na ação. Em entrevista coletiva, Fonseca disse que diversas discussões foram realizadas sobre os aspectos formais na qualificação do Icipe, em 2011. “O Tribunal de Contas do DF já reconheceu que o assunto está superado. Não há nenhuma investigação, nenhuma acusação de desonestidade nem de desvio do dinheiro público”, afirmou.
De acordo com Fonseca, a decisão do juiz titular da 7ª Vara da Fazenda Pública, Paulo Afonso Cavichioli Carmona, que proíbe o Icipe de ter contratos com o poder público durante três anos, é baseada em alguns requisitos formais de 2011, os quais questionavam a qualificação da entidade.
“Basicamente, disseram primeiro que o Icipe não tinha qualificação para fazer um contrato de gestão com a secretaria porque a lei obriga uma comprovação de experiência. A segunda coisa é que não foi feito chamamento público. Na verdade, foi realizado um processo de dispensa de licitação”, afirmou. Segundo o chefe da pasta da Saúde, a única instituição a se qualificar foi o Icipe.
“Só havia uma instituição. Que diferença faria publicar um chamamento ou fazer uma dispensa de licitação? São requisitos formais, e eu só consigo atribuir isso a uma oposição pessoal ao modelo, não uma ação em relação ao contrato celebrado”, concluiu o secretário.
À noite, o GDF divulgou uma nota refutando, item a item, as pontuações do MPDFT. O Executivo local ainda critica as inúmeras ações judiciais sobre o assunto. “O que mais incomoda é o uso desregrado e inadequado de ações de improbidade para questionar atos comuns de gestão, na tentativa de criminalizar o Icipe e difamar seus gestores, desmoralizando-os perante a sociedade”, dispara.
Confira a íntegra:
GDF se pronuncia sobre nota do MPDFT by Metropoles on Scribd
Entrega da gestão
Entretanto, conforme o juiz Paulo Carmona considerou na decisão judicial que obriga a transferência da administração do HCB ao GDF, não foram cumpridos requisitos necessários à qualificação da entidade como organização social para a celebração do contrato de gestão.
“O Icipe buscou o Judiciário na tentativa de suspender a condenação até a resolução do mérito, o que foi negado pelo desembargador Alfeu Machado, em decisões publicadas nos dias 3 e 6 de abril de 2018”, disse o instituto, por meio de nota.
Segundo a instituição reiterou, “a condenação trata de questões formais” e “não há nenhuma suspeita ou acusação de má gestão de recursos públicos ou de falta de qualidade na assistência”, completou.
O instituto recorreu ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) para suspender os efeitos de uma sentença proferida em dezembro do ano passado que condenou o hospital e outros três réus por improbidade administrativa. No entanto, a Justiça negou por duas vezes os pedidos.
Na condenação por improbidade, o juiz sustenta que a Assistência às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer e Hemopatias (Abrace) foi contemplada com a concessão de uso, de modo gratuito e sem licitação, do lote onde foi erguido o Hospital da Criança, no Setor de Áreas Isoladas Norte (Sain).
Modelo
Inaugurado em 23 de novembro de 2011, o Bloco 1 do hospital foi construído pela Associação Brasileira da Abrace e doado ao GDF.
É uma unidade pública, que atende exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e faz parte da rede da Secretaria de Saúde. Por ser voltado a especialidades, o Hospital da Criança não atende emergências – os pacientes chegam encaminhados pelas unidades básicas de saúde (UBS).
As obras do Bloco 2 do Hospital da Criança estão 95% executadas. Com 21 mil metros quadrados, o espaço terá 202 novos leitos, 67 consultórios ambulatoriais, centro cirúrgico, laboratórios, centro de ensino e pesquisa, centro de diagnóstico e serviços de hemodiálise, hemoterapia e quimioterapia.