Médico do Base que falou em colapso faz retificação: “Não faltarão respiradores”
Em nota enviada ao Metrópoles, gerente-geral de assistência da unidade, Lucas Seixas, fala sobre áudio que ganhou grande repercussão
atualizado
Compartilhar notícia
O gerente-geral de assistência do Hospital de Base do Distrito Federal, Lucas Seixas, escreveu, neste domingo (28/06), uma extensa carta em que abordou as informações divulgadas por ele em um áudio revelado pela imprensa nesse sábado (27/06). A gravação havia sido destinada a um grupo de chefes de unidades do hospital e falava com dramaticidade sobre a lotação das UTIs em três hospitais, o que indicaria que a rede de saúde estaria à beira de um colapso.
Na mensagem, Seixas, que opera na ponta do sistema de saúde do DF, alertava para a chegada do “pico da pandemia” em um momento no qual, alegava, as vagas nas unidades públicas e privadas teriam se esgotado. “Estamos com 100% de ocupação dos nossos ventiladores. Gostaria que vocês unissem forças para dar as altas necessárias”, diz. E prosseguiu: “Vamos aguentar firmes, todos unidos, porque o pico chegou e esta semana será muito difícil”.
Porém, 24 horas depois, em detalhada carta, o médico tentou explicar o contexto de sua fala e, em alguns pontos, chegou a voltar atrás, fazendo inclusive uma retificação explícita sobre o fato de que não haveria risco de falta de respiradores. Em outro trecho, ele afirma que sua visão foi setorial, de momento e restrita ao Hospital de Base.
No mesmo expediente, no entanto, o médico reforça que há uma preocupação da rede para não faltar insumos, mas diz que situação estaria sob controle. E a sob supervisão do Ministério da Saúde (MS), da Secretaria de Estado de Saúde (SES) e do Instituto de Gestão Estratégia de Saúde (Iges-DF), responsável pelo Hospital de Base.
O Metrópoles analisou a situação dos leitos de UTI destinados a pacientes com coronavírus, de acordo com dados da secretaria e a fotografia do momento (na tarde deste domingo) diz o seguinte: das 66 unidades no Hospital de Base, 57 estão ocupados (86,3%). Na rede pública como um todo, são 502 leitos e 302 com infectados (60,16%), enquanto nos hospitais particulares, são 184 de 219 (88,58%). Assim, de modo geral, o DF conta com 721 unidades, sendo que 486 estão tomadas (67,4%).
Nos bastidores, no entanto, circula a informação de que o profissional foi orientado pelos superiores a amenizar o seu diagnóstico sobre a situação da rede de saúde no enfrentamento da Covid-19, já que a divulgação do áudio causou comoção e, consequentemente, uma repercussão ruim.
Confira o áudio divulgado no sábado:
No fim da nota, o médico diz que precisa fazer uma retificação. “Não há risco de falta de respiradores na rede. Pode haver enchimento temporário em unidades isoladas como o HBDF, e a minha maior preocupação são os medicamentos escassos em todo o Brasil”.
Confira o texto enviado pelo médico na íntegra:
O áudio divulgado pela mídia foi uma orientação rotineira para um grupo interno de chefes de unidades do HBDF.
O GDF tem o maior e mais bem estruturado plano de mitigação das mortes causadas pela Covid-19.
Tudo foi meticulosamente tratado e treinado pela SES e Iges-DF. Basta ver os resultados.
Todos os fluxos foram auditados pelos MPs, CRM, COFEM e MS, que comprovaram a espetacular resposta que o GDF tem dado à sociedade, através da SES e do IGESDF.
O secretário do Ministério da Saúde esteve em visita no HBDF no dia de hoje, enquanto era divulgado o áudio, e nossa equipe já havia solucionado as altas e abertura de novas vagas na UTI, que estava cheia pela manhã.
Nessa visita, mostramos todos os fluxos e atividades de suporte aos pacientes com a Covid e os não Covid, como os dos pacientes com câncer, cardiopatias, neurocirúrgicos, trauma e até psiquiátricos, que o HBDF atende e manteve o atendimento na pandemia. Só do ambulatório foram cerca de 19 mil.
O atendimento possui toda segurança e não há cruzamento de fluxos.
O secretário saiu muito satisfeito com o que viu e testou pessoalmente.
O trabalho é árduo, de comprometimento total, mas recompensador.
Dessa forma, não pode ser abalado por má interpretações da fala de apenas um dos agentes envolvidos.
Foi muito esforço e de muitos para entregarmos qualidade ao Distrito Federal.
Todos os dias, a UTI Covid enche, e à tarde pacientes que estão melhores (fora do respirador) e de alta devem ir para os espaços chamados Coorte Covid, existentes nas enfermarias de isolamento.
Eles devem sair da UTI Covid e permanecerem por 72h isolados dos outros sem a doença até a alta hospitalar e, assim, abrem-se vagas para outros pacientes que precisam de suporte ventilatório.
Minha visão foi setorial, sou apenas gerente de uma unidade de saúde( HBDF). Estávamos cheios pela manhã e com pacientes aguardando alta das UTIs para as enfermarias e outros aguardando graves para entrarem nas UTIs, pois todos os leitos de UTI Covid são regulados por uma central de regulação técnica e ágil, que distribui os pedidos de UTI nas vagas existentes nos diversos hospitais da rede. Dessa forma, temos transparência total dessa distribuição.
O Painel Central de comando soma todas as vagas e dá um porcentual confortável ao gabinete central de crise, mesmo o HBDF, em determinados momentos, ficando cheio.
Portanto, mesmo com 66 leitos de UTI Covid e outras 68 não Covid, temos que fazer estratégias para que os pacientes entubados e graves tenham cuidados adequados até serem regulados para UTI.
Trabalho há 22 anos e estou nesse cargo há menos de 3 meses para ajudar junto com dezenas de gestores, a fazer do Hospital de Base o melhor e mais eficiente Hospital do DF.
O HBDF atende cerca de 5000 pacientes todos os dias, é referência de excelência e exclusiva em inúmeras patologias, e mesmo sendo referência, manteve seus compromissos de continuar atendendo e ampliando o acesso a todas as outras patologias que não deixaram de existir, e ainda assim, construiu 66 leitos de UTI Covid e expandiu 20 outros leitos de UTI, sendo 10 de trauma e 10 UTI de adulto. Tudo isso em menos de 2 meses, e os ofereceu para a sociedade do DF.
Foram treinadas 4.500 pessoas que mantém esse hospital trabalhando 24 horas por dia e 365 dias por ano.
Hoje temos o menor índice de contaminação entre os colaboradores, cerca de 2% evidenciados após teste em massa, sendo sua maioria contaminada em hospitais privados e assintomáticos, pois os profissionais de saúde podem trabalhar em outros locais.
Todos os serviços de atendimento ao paciente oncológico, imunossuprimidos, politraumatizados e várias outras cirurgias da rede são realizadas com toda a segurança através de fluxos internos aferidos e aprovados por todos os agentes fiscalizadores.
Tudo isso e muito mais foi realizado com o apoio irrestrito da presidência do Iges-DF, da SES e do GDF que nunca mediu esforços para entregar qualidade a cada paciente que entra no HBDF.
Quando alertei à minha equipe de chefes de clínicas médicas e das cirúrgicas, quanto às necessidades que temos de zelar pelos uso racional dos insumos escassos e agilizar os processos de alta, em um comunicado interno, nunca imaginei que iria vazar para a imprensa.
O áudio foi a minha impressão naquele momento, pois estávamos cheios, e quais seriam as condutas adotadas do nosso plano de contingenciamento para dar giro aos pacientes da UTI Covid que estavam de alta, para os leitos de Coorte Covid.
Criamos 72 leitos desses (Coorte).
O plano C do nosso contingenciamento foi criado por nosso grupo há quase 2 meses e preparado com muita discussão (ativação de leitos a mais na SRPA), somente se no pico houvesse a necessidade.
No entanto, numa guerra, precisamos sempre estar preparados.
Nós, do HBDF, nos antecipamos a tudo, e a depender dos índices epidemiológicos intra hospitalares ativaremos o plano C.
Todos os meus atos de gerente geral da assistência são discutidos no gabinete de crise Covid do HBDF em reuniões diárias, na qual sou apenas um voto e o executor das ações. Tudo é registrados em ata e assinado por todos os membros.
Como o cenário muda diariamente, decisões internas são customizadas para cada cenário.
O Iges-DF e a SES providenciaram absolutamente tudo para atender todos os pacientes com excelência e proteger todos os seus colaboradores.
Quando disse que jamais verão um paciente morrer sem ventiladores, foi uma referência ao que aconteceu em outros países da Europa, mas está muito longe da realidade do GDF, onde teremos cerca de 800 leitos com respiradores até julho.
Alertei para o pico e para o risco de colapso intra-hospitalar do HBDF se não liberássemos as vagas dos pacientes de alta das UTIs para as enfermarias e no nosso hospital, visto a sobrecarga do outros hospitais que já não recebem a contra referência dos pacientes das regionais que o HBDF cuida. A realidade é que 60% dos que são intubados e ficam graves podem ter o perfil do HBDF( cardiopatas, nefropatas, oncológicos e imunossupromidos).
Não me fiz entender para a população, pois falei para médicos, num grupo interno de WhatsApp.
São 37 chefes de Unidades e utilizamos bastante os aplicativos para comunicação rápida e eficaz.
Jamais planejei o vazamento do áudio.
Fiz de forma corriqueira e normal, como faço diariamente e diversas vezes, em virtude de não podermos nos reunir de forma presencial durante a pandemia.
Um leito de UTI Covid tem respirador, monitor, bombas de infusão, e uma série de especificações técnicas, bem como toda uma equipe treinada para dar o suporte necessário ao paciente.
Nós, os gerentes, temos que garantir que não falte nada ao paciente e ao colaborador.
Minha preocupação foi única e exclusiva com os medicamentos hipnóticos, opioides, sedativo, bloqueadores musculares, a aminas vasoativas (noradrenalina), enoxeheparina e outros medicamentos essenciais para mantermos o paciente em ventilação, sedado e sem dor, até a sua recuperação e retorno aos seus familiares.
Ocorre que pelo volume de uso e a demanda de pacientes greves, há escassez no HBDF, no DF, no Brasil e no mundo.
Todas as sociedades médicas sabem dessa informação, e inclusive a imprensa.
Iges-DF e SES, sabendo disso, estão tentando adquirir em todas as instâncias, e até importar.
Hoje, em reunião com o secretário do MS, alertamos e falamos do nosso estoque e da nossa preocupação com esses insumos, e ele nos disse que será a preocupação dele de agora até a solução e a reposição.
Eu, como gerente, sabendo do estoque que temos, junto a uma equipe exemplar e comprometida, utilizamos a literatura farmacológica para fazermos o uso racional desses insumos e substituições até a normalização do abastecimentos.
Dessa forma, daríamos segurança total aos pacientes que dependem deles por estarem em ventilação mecânica.
Todas as medidas cabíveis foram tomadas pelos gestores e pelo GDF para não faltar nada como faltou em diversos países.
Implantamos o uso racional desde o dia 12 de junho e ganhamos mais tempo para as importações desses insumos.
O estoque é limitado para todas as instituições, pois o problema não é dinheiro, e sim a ausência do produto nos distribuidores etc.
O HBDF e toda a rede do DF vem oferecendo o melhor serviço de sua história, graças aos atuais gestores e a um governo que entende a saúde como primeira necessidade da população. Sinto-me orgulhoso de pertencer a esse processo e humildemente contribuir para salvar as vidas que Deus nos mandar e confiar.
Faço publicamente uma retificação da minha fala: não há risco de falta de respiradores na rede. Pode haver enchimento temporário em unidades isoladas como o HBDF, e a minha maior preocupado são os medicamentos escassos em todo o Brasil.
Se soubesse que um simples pedido de um gerente à sua equipe causaria tanta repercussão, jamais o teria feito dessa forma.
A sociedade merece a qualidade da medicina que estamos fazendo, com a ajuda fundamental do Governo, SES e Iges-DF.
Sinto muito, e desculpem o mal-entendido e o transtorno causado pelo vazamento e publicação de áudio dessa orientação técnica, em um dos muitos dias difíceis na lida de profissionais da saúde, que dão sua vida pelos outros e deveriam ser poupados de disputas politicas, num momento em que todos deveriam ajudar.
Um hospital com mais de 10 mil pessoas circulando diariamente, já tem seus dilemas.
Portanto, um trabalho tão belo, não pode ser confundido da forma que foi exposto.
A população que precisa trabalhar e produzir deve continuar trabalhando com as regras de distanciamento e uso de máscara, pois essa doença não tem data pra acabar.
No entanto, os vulneráveis devem se proteger, princialmente nesses próximos 25 dias, nos quais teremos uma incidência maior da doença Covid 19 no DF e Hospitais mais cheios.
O lockdown é uma medida extrema, deve ser evitada. Somente deverá ser tomada em último caso.
GDF, SES e Iges-DF acompanham diariamente todas as situações e tem estatísticas, epidemiologista e dados claros e confiáveis. Eu tenho certeza que, se houvesse risco, essa decisão poderia ser tomada tranquilamente pelo governador e teria o apoio maciço da população, que tem aprovado, até agora, todas as medidas do governo que visam segurança.
No momento, temos estrutura, apoio, RH, leitos de UTI e estoque suficiente até a reposição com as importações.
Fiquem tranquilos, pois vocês têm no DF a melhor e mais dedicada estrutura de saúde pública que conheci nos últimos 22 anos.
Dr. Lucas Seixas