GDF corta transporte e deixa idosos sem van para fazer hemodiálise
A Secretaria de Saúde afirma que está reavaliando os casos para que apenas pacientes com vulnerabilidade social usem o serviço
atualizado
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Enquanto muitos passaram a virada do ano celebrando, o aposentado Antônio Crispim, 74 anos, planejava como iria à próxima sessão de hemodiálise – um procedimento ao qual ele se submete três vezes por semana, no Instituto de Doenças Renais (IDR), em Samambaia. O idoso é um dos pacientes que perdeu o direito de ser transportado ao local, em uma van da Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Segundo a Pasta, os critérios para manutenção do serviço estão sendo reavaliados.
“A última vez que me levaram foi no domingo (31/12). Hoje, me enganei, acordei cedo pensando ser o dia de fazer a hemodiálise, peguei um ônibus e fui. Ao chegar lá, lembrei que o tratamento é só amanhã (quarta)”, relata. “A gente fica cansado, desnorteado. Minha família não pode me acompanhar todos os dias”, acrescenta.
Sandra Ferreira Alecrim, 42 anos, é filha de Antônio. Ao saber da falta de transporte para o pai, foi até o IDR para tentar reverter a situação. “Disseram que só vai ficar na van quem tem alguma deficiência física ou visual, mas é uma injustiça. Meu pai está debilitado, nervoso e ansioso. Ficar sem o tratamento coloca a vida dele em risco”, diz, angustiada.
A mulher deseja acompanhar o pai nos tratamentos, mas tem um filho de 11 anos que também é doente renal e usa sonda gastrointestinal, demandando cuidados especiais durante todo o dia. “Meu pai está deprimido, pois sabe que nem sempre vou poder levá-lo. Como ele vai pegar ônibus sozinho?”, preocupa-se.
Apesar de todas as dificuldades, seu Crispim, como gosta de ser chamado, afirma que dará um jeito de ir à hemodiálise. “Se não fizer, eu morro”, explica. Com a sabedoria de quem já viveu mais de sete décadas, ele cogita até morar mais perto do local onde é realizado o tratamento.
Crispim é o mais velho da turma de seis pacientes que iam juntos às sessões de hemodiálise em Samambaia. Demétrio Gonçalves, 71 anos, também parou de ter acesso ao transporte gratuito da Secretaria de Saúde. Ele conta como foi avisado da restrição.
“Cortaram sem mais nem menos. Chamaram-me em uma sala, fizeram algumas perguntas sobre onde eu morava. Falaram sobre minha saúde e deram a notícia, sem muita explicação”, afirma o idoso. “Todos somos doentes e dependemos disso para viver. Não enxergar ou ter um membro amputado não deve ser o critério [para ter direito ao benefício]. A gente faz o tratamento para que isso não aconteça”, ressalta.
Paciente renal há quatro anos, o lavrador aposentado conseguiu o direito de ser transportado até a unidade de saúde na Justiça, e pensa em requerer o direito novamente via Judiciário. “Sem tratamento, não posso ficar. Meus filhos trabalham e não podem me levar. Apesar de morar perto da clínica, para ir à pé é cansativo. Antes e depois da hemodiálise, sentimos muita fraqueza e cansaço, tem dias que não temos condições de caminhar”, lamenta Demétrio.
Outro lado
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Saúde do DF disse que está sendo feita “uma reavaliação dos pacientes que são atendidos pelo transporte, para verificar a vulnerabilidade social, econômica e de saúde, de forma que permaneçam usufruindo do serviço apenas aqueles que realmente necessitam.” A Pasta informou ainda que os pacientes têm direito ao Passe Livre, para uso do transporte público coletivo de forma gratuita.
Atualmente, não existe nenhuma legislação federal que verse sobre o transporte de pacientes renais para a hemodiálise. No entanto, municípios e unidades da Federação costumam oferecer uma forma de os pacientes terem acesso facilitado ao tratamento.
No DF, o Tribunal de Justiça decidiu, por diversas vezes, que o governo deve disponibilizar a condução dos doentes à unidade de saúde na qual fazem o tratamento. Em uma sentença recente, a Corte destacou: “Considerando que é um dever irrefutável do Estado assegurar a todos os cidadãos, indistintamente, o direito à saúde e o acesso aos tratamentos e procedimentos médicos que lhe propiciem o direito à vida, resta acertado o fornecimento de transporte adequado às condições especiais do paciente pelo Distrito Federal”.