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Em luto, UnB reage: precisamos falar sobre suicídio e saúde mental

Após morte de aluna, instituição encara tabu, intensifica debates e programas de apoio psicológico e psiquiátrico à comunidade acadêmica

atualizado

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Daniel Ferreira/Metrópoles
UnB em luto
1 de 1 UnB em luto - Foto: Daniel Ferreira/Metrópoles

Mariana (nome fictício) esforça-se para lidar com a sobrecarga. Diariamente, ela desdobra-se entre as aulas matutinas e vespertinas da Faculdade de Agronomia da Universidade de Brasília (UnB), o estágio e a criação da filha, de apenas 2 anos. A universitária sofre com crises de ansiedade, que tenta controlar com o uso de medicamento antidepressivo e os acompanhamentos psicológico e psiquiátrico. Mariana tem 20 anos de idade.

“É complicado dar conta de tudo. Há cobranças vindo de todos os lados. Não bastassem as da universidade, como a competitividade e as perspectivas para o futuro, também existe a pressão em casa. Meus pais querem acompanhar cada passo, principalmente porque me ajudam a criar a minha filha”, explica a jovem.

As oscilações durante o acompanhamento médico e as interrupções no uso da medicação levaram Mariana a um diagnóstico de depressão profunda há cerca de um ano. Hoje, ela sente estar melhorando pouco a pouco. “Eu passei alguns meses somente na cama. Não queria fazer nada. Os pensamentos eram pessimistas. Com ajuda, consegui sair do fundo do poço, para onde não pretendo voltar”, diz, resoluta.

Mariana não está sozinha na batalha para manter a sanidade mental frente às pressões cotidianas e superar um quadro depressivo. Infelizmente, nem todas as pessoas em sofrimento psíquico conseguem vencer a luta.

Dois casos recentes, com desfechos trágicos – em uma academia de tiros da Asa Sul e na UnB –, colocaram a capital e a própria Universidade de Brasília em alerta quanto à necessidade de se discutir saúde mental e prevenção ao suicídio com seriedade e urgência.

Os dados em todo o DF são alarmantes. Apenas nos cinco primeiros meses do ano, o Corpo de Bombeiros prestou socorro em 804 tentativas e a Secretaria de Saúde registrou 41 casos de autoextermínio (veja comparativo abaixo).

 

Arte/Metrópoles
Acolhimento e mais debate
Por trás das tragédias, contudo, há esperança. Apesar das vidas perdidas, a prevenção avança. Na década de 1980, estudos realizados nos Estados Unidos diziam que essas mortes poderiam ocorrer por imitação. Daí, “não podíamos falar sobre o assunto”. Mais de 30 anos depois, a Organização Mundial da Saúde (OMS) vai hoje em direção contrária: sustenta que precisamos, sim, falar sobre suicídio – a segunda maior causa de mortes em todo o mundo –, a fim de combatê-lo.

E é exatamente o que tem feito a Universidade de Brasília. A perda recente de uma de suas alunas levou a instituição a reagir. Estudantes, familiares, docentes e funcionários da UnB se questionam sobre como lidar com um tema tabu em nossa sociedade: como impedir uma situação limite, qual o nível de risco quando o foco são os jovens e como apoiar os sobreviventes – quem está em luto ou é afetado por um suicídio?

Para responder a essas e outras perguntas, foram intensificados os debates sobre saúde mental no ambiente acadêmico. A Diretoria da Diversidade (DIV) da UnB, em parceria com os diferentes departamentos e serviços de apoio e atendimento à comunidade universitária, tem realizado rodas de conversa, cuidado e acolhimento. Esses momentos contam com a participação de profissionais especializados em relações sociais e sofrimento psíquico.

É importante ter espaço de fala, acolhimento e solidariedade. Precisamos aprender a ouvir mais do que falar. Essa regra vale para a convivência na família, no trabalho, nas escolas… Ou seja, para a vida em sociedade

Suzana Xavier, diretora da DIV/UnB

Para ela, somente com diálogo será possível combater o problema. “Necessitamos abrir um debate amplo e franco para encontrar mecanismos capazes de minimizar os processos de sofrimento, ainda que eles não sejam provocados pela universidade”, ressalta Susana Xavier.

Stela Woo/Metrópoles
A psiquiatra Renata Viana explica que muitos alunos, assim como a maioria da população que sofre com depressão ou outras doenças mentais, não têm tratamento adequado porque a sociedade não está acostumada a encarar, com seriedade, as doenças psiquiátricas.

O indivíduo que possui este tipo de doença não escolheu. Não é frescura, como costumam achar. É na fase da universidade que os jovens se dão conta do mundo onde vivem. O consumo excessivo de álcool e drogas também contribui de maneira negativa

Renata Viana, psiquiatra

A especialista aponta que as instituições devem tratar do assunto e estar preparadas para possíveis crises: “Lidar com pessoas em más condições de saúde mental não é somente medicar, mas ouvir e propor tratamento”.

Vencendo o tabu
No Instituto de Ciências Sociais (ICS), onde a aluna morreu, os dias têm sido difíceis, diz o diretor Luís Roberto Cardoso de Oliveira. Estudantes dizem se sentir vulneráveis após a tragédia. Um grupo, especialmente os que ficaram mais tocados com a morte da jovem, solicitou uma oportunidade para conversar.

Os professores perceberam dois pontos em comum no relato deles: a crítica aos docentes pelo excesso de cobrança e a falta de acolhimento. Para outros colegas de curso, os depoimentos revelam a dificuldade de entrosamento e de criar laços ali.

“Dada essa percepção de insatisfação com a qualidade da relação que eles têm conosco, vamos trabalhar no acolhimento e na aproximação, melhorar o encaminhamento das gravidades identificadas. Imagino que isso possa fazer diferença”, ressalta o professor Luís Roberto.

Além das iniciativas informais, a UnB conta com o auxílio do Centro de Atendimento e Estudos Psicológicos (Caep), que atende alunos, toda a comunidade acadêmica e o público externo.

Precisamos dar atenção aos alunos da universidade, mas é importante destacar que o problema envolve quase todos os indivíduos, uma questão de saúde pública

Sérgio Eduardo Silva de Oliveira, vice-coordenador do Caep

A marcação de atendimentos psicológicos no Caep é feita somente pelo telefone (61) 3107-1680. As vagas são restritas e o agendamento ocorre somente às segundas-feiras, a partir das 8h30.

Rede de apoio
IStock
Segundo a UnB, está em fase de estruturação o Núcleo de Estudos, Pesquisas e Atendimentos em Saúde Mental e Drogas (Nepasd), também vinculado ao Instituto de Psicologia, mas voltado principalmente aos estudantes. Há, ainda, atendimentos na Diretoria de Desenvolvimento Social (DDS) do Decanato de Assuntos Comunitários (DAC) e no Serviço de Orientação ao Universitário (SOU) do Decanato de Ensino de Graduação (DEG).

Além disso, em 2017, foi criada uma comissão para propor políticas de atenção à saúde mental e ao sofrimento psicossocial de estudantes da UnB. Formado por representantes da Administração Superior, decanatos e unidades acadêmicas, o grupo realizou um levantamento junto aos alunos e coordenadores de cursos de graduação e de pós.

O mapeamento, que deve ser divulgado ainda este mês, deve se tornar a base para o estabelecimento de um protocolo de atendimento. A ideia é integrar as diversas áreas hoje responsáveis pelo serviço na universidade e envolver, inclusive, a rede de saúde pública do Distrito Federal, que também conta com unidades de atendimento (confira abaixo onde procurar ajuda).

Arte/Metrópoles

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