Em 2 anos e meio, 1.261 pessoas morreram esperando vagas na UTI no DF
Relatório interno do GDF divulgado na segunda-feira (5/2) revela as consequências da insuficiente oferta de leitos na capital da República
atualizado
Compartilhar notícia
Um documento interno da Secretaria de Saúde do Distrito Federal escancara graves consequências da insuficiente oferta de leitos de unidade de terapia intensiva (UTI) na rede pública, ao revelar que, em dois anos e meio, 1.261 pessoas morreram aguardando uma vaga.
A elaboração do relatório é de um grupo de trabalho da Coordenação de Atenção Especializada à Saúde, da Gerência de Serviços de Terapia Intensiva da Secretaria de Saúde (SES). O documento foi disponibilizado pelo Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde de Brasília (SindSaúde).
No primeiro ano de gestão do governador Rodrigo Rollemberg (PSB), 495 pacientes foram a óbito esperando por um leito de UTI, aponta o relatório. Em 2016, 470 cidadãos perderam a vida enquanto estavam na fila. De janeiro a julho do ano passado, foram 296 mortes registradas.
Confira algumas imagens presentes no documento
Em todos os casos, a Justiça havia deferido pedido dos pacientes, obrigando o governo a garantir a eles um lugar nas UTIs espalhadas pelo DF, mas a Secretaria de Saúde não cumpriu as determinações a tempo, atesta o levantamento.
O documento revela, ainda, que a Central de Regulação de Internação Hospitalar (CRIH) registra, em média, uma fila de espera de 70 a 120 pacientes por dia, nas UTIs. Os dados fazem parte da conclusão da atuação do Grupo de Trabalho de Desbloqueio de Leitos de UTI.
Casos de dor
Greicilene da Silva Lima, 37 anos, conhece a angústia de quem está nessa fila. Ela conta que o pai ficou 12 dias no Hospital Regional do Gama (HRG), esperando ser transferido à UTI. Segundo ela, o pintor Edson Pereira Lima, 69, estava debilitado por causa dos anos em que ficou exposto aos produtos utilizados no trabalho, e a suposta negligência médica agravou o caso, pois o pai teria contraído uma infecção no setor da pneumologia, onde ficou internado.
A família procurou a Justiça, e a decisão favorável saiu entre cinco e seis horas depois. De acordo com a filha, a determinação chegou ao conhecimento do hospital, mas, ainda assim, não disponibilizaram o leito que ele precisava, descumprindo a ordem judicial e levando-o a óbito em 21 de maio de 2017. “É um verdadeiro absurdo. A gente se sente impotente, porque o hospital podia fazer algo, mas nós precisamos esperar uma decisão da Justiça para isso”, desabafa Greicilene.
Leitos bloqueados
Segundo o documento, dos 401 leitos da rede pública do Distrito Federal, 68 estavam bloqueados em dezembro do ano passado. A Coordenação de Atenção Especializada à Saúde detalha os motivos da inutilização: ambiente inadequado por falta de controle de temperatura; estrutura antiga e sem manutenção; rede elétrica “incapaz de se manter com a sobrecarga à qual está submetida”; e falta de profissionais.
Para a presidente do SindSaúde, Marli Rodrigues, o relatório é uma confissão – do próprio governo – da falta de capacidade para gerir o sistema de saúde. “Para nós, não é novidade, mas, desta vez, [a secretaria] está assumindo. Isso é grave. Você não vê ali nenhum tipo de atitude para impedir aquelas mortes e evitar as outras que seguramente acontecerão”, critica.
A sindicalista disse que levará o caso à Justiça. “Nós vamos processar o governo para responsabilizar os culpados pelas mortes continuadas. O departamento jurídico está estudando a melhor forma de fazer isso”, afirma.
Atuação da Defensoria Pública do DF
A Defensoria Pública do Distrito Federal oferece apoio a pacientes desesperados para ter os direitos atendidos. Em 2017, o Núcleo da Saúde do órgão realizou 26.803 atendimentos – 25% a mais que em 2016. Do total de acolhimentos no ano passado, 2,7 mil resultaram em ações judiciais.
No ranking das reivindicações, acesso a medicamentos ocupa o primeiro lugar: foram 719 processos na Justiça, em 2017. Atrás, estão demandas por UTIs (709) e por cirurgias (379).
Infelizmente, a Defensoria está sendo demandada, a cada dia, a um número mais elevado. UTI é uma das matérias em que a gente mais tem atuado, em razão da própria desorganização: apesar de haver leis obrigando-a a isso, a Secretaria de Saúde não consegue atender a todos
Celestino Chupel, defensor público e coordenador do Núcleo da Saúde da Defensoria Pública do DF
Para o coordenador, a grande dificuldade do governo é desbloquear os leitos.
O outro lado
Em nota, a Secretaria de Saúde informou que o relatório foi produzido a pedido da própria pasta para diagnosticar o problema e dar subsídio para as soluções, que já começaram a ser tomadas. “Infelizmente, a leitura enviesada do relatório, assinalando somente um recorte com os problemas sem mencionar o que vem sendo feito para dar solução, é outro capítulo do esforço de certos grupos corporativos que não pensam na saúde pública, mas apenas nos seus próprios interesses político-partidários”, destacou.
No texto, a secretaria explica que os leitos de UTI são regulados, em função da gravidade de cada caso. “Enquanto aguardam, esses pacientes ficam nas salas vermelhas da rede pública de saúde, com suporte de cuidado intensivo, inclusive ventilação mecânica e monitorização multiparâmetros. Não é possível afirmar, como se pretendeu, que tais pacientes teriam evolução distinta caso fossem transferidos para cuidado intensivo em uma UTI”, completou.
A nota também enumera medidas que foram tomadas para tentar ampliar a oferta do serviço, como a ampliação de leitos e a contratação de novos servidores. “Desde o início desta gestão, diversos contratos de manutenção de equipamentos foram assinados, a fim de melhorar a infraestrutura das UTIs”, afirmou a pasta.
Confira o relatório completo do Grupo de Trabalho de Desbloqueio de Leitos:
Relatório do Grupo de Trabalho de Desbloqueio de Leitos, da Secretaria de Saúde by Metropoles on Scribd