Em 15 anos, casos confirmados de erro médico crescem 977,7% no DF
Segundo estudo, foram registradas 336 decisões judiciais responsabilizando profissionais por danos físicos e morais desde 2000. Ortopedia é responsável por 11,68% dos casos
atualizado
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Após a deflagração da Operação Mister Hyde (1º/9), ao menos 60 pessoas procuraram as delegacias do Distrito Federal com denúncias de supostos erros médicos. Comprovados os danos, os casos devem se juntar às 336 decisões da Justiça a favor de pacientes que tiveram sequelas físicas ou morais no DF nos últimos 15 anos.
Os dados são do estudo sobre erro médico realizado pela Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética (Anadem), que levantou todos os registros judiciais em todos os estados e no DF desde 2000. Nos 15 anos de estudo, houve crescimento de 977,7% na quantidade de processos julgados.Para o presidente da Anadem, Raul Canal, alguns pontos podem contribuir com aumento expressivo de processos. “O primeiro fator é o crescimento descontrolado no número de instituições de ensino. Até 2003, havia cerca de 100 escolas de medicina no país. De lá para cá, outras 170 foram inauguradas. Ou seja, em pouco mais de uma década, criaram muito mais cursos do que nos 185 anos anteriores. Não há como assegurar a qualidade desta maneira”, aponta.
Outra questão levantada é a maior exigência das pessoas. “Os médicos precisam entender que os pacientes do século 21 são consumidores de saúde. Eles estão melhor informados, pesquisam sobre possíveis diagnósticos, tratamentos e não aceitam erros como fatalidades”, acredita Canal.
Mesmo assim, o número de ações poderia ser bem maior. Segundo Canal, muitos pacientes têm medo de encarar processos contra médicos. A promotora de vendas Silesia Rosário Araújo, 44 anos, foi uma das pessoas que buscaram a Divisão de Repressão ao Crime Organizado (Deco) para denunciar um possível caso investigado pela Operação Mister Hyde. Ela afirma que não procurou a Justiça antes por receio. “Como processar um médico rico, que pode pagar bons advogados?”. A suposta vítima passou por uma operação na coluna em 2012, mas as dores pioraram e atualmente ela tem dificuldades até para se locomover.
O delegado Adriano Valente, da Deco, é um dos responsáveis pela Operação Mister Hyde e acredita que as investigações possam ajudar nos processos. “Esperamos que, com a investigação, as vítimas consigam uma força maior ao buscarem a Justiça”. Segundo a pesquisa, 11,68% dos processos por questões médicas da capital foram relacionados a área traumato-ortopédica, representando um total de 39 casos no período.
Justiça
Uma vez na esfera judicial, os processos de erros médicos no DF duram em média de 4 a 5 anos para serem julgados. O tempo de espera é um dos menores do país. “Brasília ainda tem uma Justiça considerada célere. Em São Paulo, por exemplo, as ações costumam ter mais de 10 anos”, relata Canal. A demora, segundo o especialista, se dá principalmente pela necessidade de perícias médicas, que demandam tempo.
Para evitar desgastes desnecessários, o advogado Raul Canal sugere que o paciente, caso se sinta lesado, busque primeiramente o Conselho Regional de Medicina (CRM). “O conselho inicia a investigação de forma gratuita e pode dar força em possíveis processos futuros”, indica.
Segundo dados do próprio CRM-DF, foram feitas, em média, 18 denúncias por mês em 2016. “Uma vez recebida a queixa, é instaurada sindicância que pode ou não ser arquivada durante o decorrer do processo. Dependendo da gravidade do caso, o médico pode receber apenas um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou responder a um Processo Ético Profissional (PEP), onde pode ser absolvido ou condenado”, explica a entidade, por meio de nota.
As penalidades, em casos de comprovação de erro médico, são variáveis. De acordo como artigo 22, da Lei 3.268 de 1957, as penas disciplinares aplicáveis pelos Conselhos Regionais aos seus membros são as seguintes: advertência confidencial em aviso reservado; censura confidencial em aviso reservado; censura pública em publicação oficial; suspensão do exercício profissional até 30 dias; e cassação do exercício profissional.
Penalidades
No âmbito judicial, as decisões mais comuns são de ressarcimento das vítimas por danos físicos e morais. Os valores também variam muito. Segundo a pesquisa da Anadem, o caso menos grave registrado no DF nos últimos anos gerou pagamento de R$ 3 mil a uma paciente que foi ofendida em público durante atendimento médico.
O caso mais grave foi o de uma paciente que, em 2001, procurou o Hospital Regional da Asa Sul para tratar de um sangramento vaginal. A médica usou uma substância conhecida por Solução de Monsel, normalmente aplicada em pequenas doses para conter sangramentos.
A médica, entretanto, esqueceu um algodão embebido na substância na vagina da paciente. Devido às propriedades corrosivas da solução, a vítima teve o canal vaginal, a bexiga e o reto totalmente destruídos. Após o incidente, ela perdeu totalmente a função sexual, teve de construir um reservatório urinário com parte do intestino, além de usar uma bolsa de colostomia em função da perda do reto.
A então Fundação Hospitalar do DF foi sentenciada a indenizar a paciente com 2 mil salários mínimos, o equivalente na época a R$ 1,77 milhão. A quantia é a maior paga nesses casos no Brasil durante os 15 anos do estudo.