DF: espera por exames oftalmológicos na rede pública chega a 6 anos
Hoje, há mais de 27 mil pedidos de pacientes na capital da República que aguardam por exames, consultas e cirurgias
atualizado
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Pacientes com risco de perda da visão esperam há mais de seis anos por atendimento nos hospitais públicos do Distrito Federal. Segundo o Sistema de Regulação (SisReg) da Secretaria de Saúde, até setembro de 2019, a fila de espera para consultas oftalmológicas, exames de retina e tratamento de glaucoma somava 27.499 procedimentos. A demora afeta pessoas com quadros urgentes e de emergência, classificados no sistema hospitalar do DF pelas cores amarela e vermelha, respectivamente.
De acordo com o levamento, entre esses milhares de pedidos, 19.347 referem-se a consultas, incluindo 5.183 para a avaliação da visão de crianças e adolescentes entre zero e 15 anos; 5.174 de catarata; 4.123 de retina; 1.144 de glaucoma e 208 procedimentos para casos de recém-nascidos.
A fila para consultas se arrasta desde setembro de 2014, quando um paciente deu entrada no pedido de avaliação médica na retina. A situação foi considerada urgente na época. Entre crianças e adolescentes, um jovem aguarda por atendimento desde julho de 2016. Mesmo com classificação vermelha, um bebê espera por tratamento desde fevereiro deste ano. Os casos mais antigos de solicitação de apreciação por parte de profissionais da área para catarata e glaucoma datam, respectivamente, de março de 2018 e fevereiro de 2019. O primeiro tinha urgência, enquanto o segundo era de emergência.
Espera há seis anos
A lista de espera de exames de retina atingiu o patamar de 5.751 procedimentos em aberto. Muitos deles são necessários no pré-operatório. É o caso de exames de retinografia fluorescente, mapeamento de retina, retinografia colorida e fundoscopia, que acumulam, respectivamente, 2.022, 1.850, 1.134 e 679 pedidos. A solicitação não respondida mais antiga se arrasta desde abril de 2013 – ou seja, mais de seis anos.
Em relação ao tratamento de glaucoma, existem 1.462 pedidos de exame de Tomografia de Coerência Óptica (OCT) na gaveta. A fila teve início em maio de 2016. Ao mesmo tempo, pacientes aguardam liberação de 939 procedimentos de campimetria. O caso mais antigo é de junho de 2018.
Cegueira
Entre esses milhares de casos, está o de Maria Luiza dos Santos, 67 anos, cuja visão começou a ficar nublada em 2014. Ela voltava para casa quando, na parada de ônibus, as linhas e cores perderam espaço para borrões e vultos. Precisou de ajuda para conseguir embarcar no coletivo e seguir até a residência, na Expansão do Setor O, em Ceilândia. Com medo da cegueira, buscou tratamento na rede pública, mas não teve resposta. “Mandavam fazer exame, exame e exame… E a minha vista ia sumindo. No ano passado, fiquei cega”, desabafou.
Os filhos ajudaram na batalha pelo tratamento, incluindo operação de vitrectomia nos dois olhos. A cirurgia deveria ser em 2018, mas os médicos fizeram o procedimento em apenas uma das vistas. O atendimento seguiria em fevereiro deste ano, o que não ocorreu: foi remarcado para setembro e adiado novamente. Maria Luiza busca, na fé, forças para continuar. “Não quero ficar cega, não nasci cega. Nasci vendo”, emociona-se.
Segundo a aposentada, os médicos informaram que o contrato para a realização dos procedimentos, incluindo a vitrectomia, estaria em fase de renovação. Por isso, os tratamentos estavam sendo protelados. Para aumentar a agonia de dona Maria, telefonistas ligavam perguntando se o problema de saúde dela havia sido resolvido.
Catarata
Quem vive drama semelhante é Bernardo da Silva, 70. Torcedor apaixonado do Flamengo, ele tenta driblar a catarata para acompanhar os jogos do time rubro-negro. Seu Bebel, como é chamado pelos amigos, fica com o rosto colado na tela da televisão para ver as partidas. E o avanço da doença corta o coração do flamenguista, morador de Samambaia.
Seu Bebel afirma que busca tratamento para a catarata há dois anos. Acostumado a trabalhar, sofre a cada dia com a impossibilidade de fazer bicos ou buscar um emprego. “Os colegas até me chamam, mas como é que vou? Mas não assisto nem em casa. Só vejo vultos”, lamentou. O risco de ficar cego desperta medo e tristeza. “Quem é que não fica triste?”, questionou.
Respostas do GDF
O Metrópoles entrou em contato com a Secretaria de Saúde (SES) a fim de apurar a situação da fila para consultas e cirurgias nos olhos. A pasta afirmou que a ordem de atendimento é determinada pelo quadro clínico de cada paciente. Por isso, a lista sofre alterações diariamente.
“Todos os equipamentos oftalmológicos estão com contrato de manutenção vigente. Um Termo de Referência para compra de novos equipamentos está em andamento e, no início do ano que vem, a licitação deve ter início, aumentado assim a oferta de exames”, argumentou, em nota.
A reportagem questionou a SES sobre qual é o critério para diferenciar casos de recém-nascidos e crianças entre zero e 15 anos. De acordo com a pasta, a consulta de recém-nascido considera crianças de zero a 2 anos. Os critérios de inclusão são específicos, como pacientes com diagnósticos de sífilis congênita, catarata ou glaucoma congênito.
Quanto aos casos dos pacientes relatados pela reportagem, a secretaria afirmou que Maria Luiza deve comparecer à Unidade Básica de Saúde 11 de Ceilândia. Um médico da equipe de saúde da família fará o pedido complementando as informações para o Complexo Regulador. Dessa forma, o tratamento terá continuidade.
Segundo a pasta de Saúde, Bernardo da Silva foi inserido na regulação, no dia 12 de julho para fazer exame oftalmológico, com prioridade vermelha. “Em 30 de agosto, havia um agendamento para ele fazer exame no Hospital Regional do Gama, às 8h. A unidade não confirmou a realização do procedimento”, destacou, por meio do comunicado.
A Secretaria de Saúde pontuou ainda que Bernardo deve comparecer ao Hospital Regional do Gama para os devidos esclarecimentos e, em seguida, poder dar sequência ao atendimento.