DF: com saúde pública falida, pacientes compram até material cirúrgico
Não faltam lamentos de quem depende do serviço oferecido pelo governo. Casos se multiplicam nos hospitais da capital federal
atualizado
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O atendimento médico e o fornecimento de remédios na rede pública do Distrito Federal pesa no bolso de quem não deveria gastar sequer um centavo por isso: os pacientes. Principais afetados pela crise na saúde local, eles precisam usar as próprias finanças para custear materiais básicos de cirurgia, exames e medicamentos, pois esses insumos estão em falta no estoque dos hospitais regionais e unidades básicas (UBS).
Quem está em fila de operação precisa adquirir os itens, caso contrário perde a vez e, assim, a espera se prolonga. Consequência semelhante sofrem os pacientes que precisam pagar por exames privados ou bancar os próprios remédios por falta de assistência na rede pública.
“Fiz a cirurgia naquele dia, segundo a pessoa do hospital que me ligou, só porque quem estava na minha frente na fila não conseguiu comprar o fio de sutura”, conta Celso Araújo, 22 anos. Ele passou por procedimento no órgão genital, na última quarta-feira (19/9), no Hospital Regional de Santa Maria (HRSM). Para isso, precisou comprar o próprio fio um dia antes da operação, quando soube, por ligação telefônica, da data do procedimento.
Celso trabalha de segunda a sexta. Por causa disso, a namorada dele se prontificou a procurar o insumo. A busca lhe causou transtornos. “Eu me sacrifiquei para encontrar esse fio. Gastei um dia inteiro para isso e tive de faltar à aula. Liguei para 15 farmácias, mas em todas havia apenas uma caixa com 24 fios, por cerca de R$ 170. Não temos condições de comprá-la nem precisávamos de tantos”, relata a estudante Litiely Franco, 17, companheira do rapaz.
O material referido pela jovem é absorvido pelo organismo. Nesse caso, não exige que o paciente retorne ao hospital para retirada da sutura. “Achei o fio em uma farmácia de Taguatinga Norte, longe da minha casa [em Santa Maria, a 25km]. Segundo o funcionário de lá, havia apenas duas unidades”, narra. Litiely comprou o que restava de fio de sutura na prateleira, por R$ 13,80. “Por que o fio está em falta na rede pública se é tão barato?”, indaga Celso.
Falta de remédios
A parcela da população de baixa renda que depende de medicamentos distribuídos na rede pública de saúde também precisa gastar o próprio dinheiro para suprir problemas do setor. “Há um ano, não consigo encontrar ácido valpróico 200mg na UBS 6 de São Sebastião. Tenho de comprá-lo, mas nem sempre tenho dinheiro, pois não trabalho”, lamenta a dona de casa Francilene da Silva, 37.
O remédio combate as crises convulsivas do filho dela, de 15 anos. O adolescente utiliza quatro caixas por mês. Cada uma custa R$ 22 – R$ 88, no total. “Certa vez, uma funcionária dessa UBS me aconselhou a ir ao Hospital da Criança para conseguir esse remédio. Mas lá fui informada de que apenas crianças cadastradas na unidade poderiam pegar medicamentos”, relembra.
Após a viagem perdida, Francilene registrou duas queixas na ouvidoria da UBS. A reclamação não surtiu efeito. Ainda assim, ela repetiu o gesto nessa sexta (21).
A aposentada Maria das Graças Franco, 55, sofre de hipertensão e tomava um determinado remédio de combate a essa doença há cerca de dois anos. “O médico precisou receitar outro porque aquele medicamento estava em falta. Faz tanto tempo que nem lembro o nome. Precisei me ‘ajoelhar’ diante dele para trocar outros que tomo, como um antialérgico”, diz.
Para não ter crises, Maria das Graças compra o remédio em farmácias. Isso tem consumido uma grande fatia da renda mensal dela. A aposentada conta que o salário mínimo recebido (R$ 954) não basta para custear a aquisição do medicamento e as demais despesas. Por isso, precisa fazer bicos de faxina para complementar o orçamento.
Exames
Além dos medicamentos, faltam insumos fundamentais para realização de exames. Há cinco meses, a dona de casa Vânia Alves, 47, tenta programar análise de urina na UBS 6 de São Sebastião, por suspeita de diabetes. Após diversas frustrações – “perdi a conta de quantas vezes vim”, diz –, ela teve notícia animadora nessa sexta (21/9): agendou 16 exames para 9 de outubro. Mas a felicidade não foi completa, porque um deles Vânia não conseguiu marcar.
“Vou ter de fazer exame de urina em laboratório particular. E pagar por isso, obviamente. Mas não trabalho. É difícil para mim”, lamenta.
O que diz a SES-DF
Em nota, a Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF) informa que a direção do HRSM providenciou a compra de fios de sutura. A entrega está prevista para a próxima semana, segundo a pasta.
“Quanto aos reagentes para exames, a rede está abastecida para os de hemoglobina glicada, TSH, T4L. Porém, há falta do reagente para urinálise (EAS), que está em processo de compra”, acrescenta.
“A rede está abastecida com sulfato ferroso 40mg e estriol, e aguarda a entrega de indapamida. Estão em processo de compra: medroxiprogesterona; azitromicina (último processo fracassou e foi reiniciado); metronidazol 400mg (em fase final de aquisição). Em relação à ceftriaxona, foi emitido um novo pedido do medicamento. No entanto, o fornecedor alegou não ter condições de entregar o produto. O processo será reiniciado”, afirma.
Sobre o ácido valpróico, anticonvulsivo usado pelo filho de Francilene, a SES-DF reconheceu a falta do comprimido de 250mg, dosagem tomada pelo adolescente. O processo para compra está em andamento, segundo a pasta.